Coautor: José Maria Guzman Ferraz, Professor de Agroecologia da Unicamp
A influência dos mercados e a pressão dos interesses econômicos açodam competições e vêm determinando rápida sucessão de itens oferecidos à sociedade, tanto bens de consumo intermediário como final. Implicando decréscimo no tempo de vida útil de tecnologias e mercadorias, esse fato pressiona os investidores a exigir rápida realização do capital aplicado em seus negócios. Na prática, resulta que a visão de curto prazo se torna dominante, com implicações óbvias.
O mais grave parece se relacionar ao fato de que muitas tecnologias e produtos são lançados no mercado antes que se obtenha conhecimento consolidado sobre possíveis efeitos colaterais, negativos, de médio e longo prazo. Em campos científicos recentemente abertos, como o da engenharia genética, a questão se torna alarmante porque a tecnologia derivada, geradora de seres vivos, tende a se descolar da ciência básica e, atuando como tecnociência, perde a sustentação que deveria fundamentar a segurança dos processos e seus produtos.
Isso ocorrendo com um novo modelo de liquidificador teria reduzido impacto ambiental, mas, com milhões de hectares de plantas transgênicas, pode ser catastrófico. Adota-se, como alternativa para tranquilizar a sociedade, desde vasta campanha midiática alardeando vantagens e benefícios que não correspondem à realidade até um obscuro conjunto de normas e procedimentos avaliativos que tentam ocultar, com maquiagem tecnicista, decisões condicionadas por acordos políticos prévios às avaliações em si.
Isso facilita a rápida sucessão de “produtos” novos, muitos dos quais retirados do mercado antes mesmo que se completem estudos de monitoramento aplicados a seu comportamento no mundo real. Trata-se de algo grave, porque esse comportamento “real” deveria gerar informações complementares aos estudos prévios. O monitoramento preconizado por normas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), ao acompanhar os fatos que ocorrem no mundo dos fenômenos, deveria produzir aqueles dados que não podem ser obtidos nos testes prévios, que, além de incompletos e condicionados por suas perspectivas de curto prazo, estão naturalmente impossibilitados de medir impactos de escala e de variabilidades climáticas, uma vez que se limitam a pequenas áreas e são conduzidos em situações otimizadas.
É o que ocorre com as plantas transgênicas. Ao mesmo tempo em que revisão das publicações especializadas, com peer review, coordenada por Angelika Hilbeck, mostra inexistência de sustentação científica para a afirmativa de inocuidade das plantas transgênicas, e se acumulam às centenas estudos que apontam seus riscos para a saúde e o ambiente, contabilizamos, no Brasil, 47 “tipos” desses “seres” que, há 15 anos, não existiam na natureza. Hoje, as lavouras transgênicas ocupam, apenas no território nacional, cerca de 45 milhões de hectares: milhos (29), algodões (12), sojas (6) que produzem proteínas inseticidas e não morrem com banhos de herbicidas, um feijão e um eucalipto que, oficialmente, ainda não estão sendo cultivados.
Temos, inclusive, um mosquito, aprovado pela CTNBio, utilizando normas elaboradas para avaliar plantas, mas de uso ainda não autorizado pela Anvisa. Por que isso preocupa? Porque se trata de seres vivos, nos quais tudo que observamos são manifestações fenotípicas decorrentes de um potencial genético influenciado pelas condições ambientais. Em outras palavras, o ambiente determina quanto do potencial genético pode vir a ser expresso, de modo que, em momento de rápida mudança climática, são esperados comportamentos imprevistos, sob pressão de estresse bióticos e abióticos.
Estamos nos referindo a seres vivos, com cerca de 30 mil genes que operam de forma articulada e nos quais, como regra geral, apenas parte dos potenciais desses genes são expressos. Além das manifestações fenotípicas (observáveis) decorrentes da combinação de genes, existem as supressões e o silenciamento de possibilidades de expressão, também decorrentes da combinação de genes originais e destes com aqueles “novos genes”, inseridos nos indivíduos “transformados”.
Por esses e outros motivos, a preocupação com o fato de que a agregação de uma informação genética alheia ao genoma da planta receptora não apenas carregue possibilidade e expressão adicional como também interfira sobre aquelas combinações preexistentes não é negligenciável. O problema se agrava quando consideramos que, mesmo em situação de estabilidade climática, ambientes tão diversos como aqueles observados na caatinga, no cerrado, no pampa e na Amazônia estimularão, para um mesmo genoma, expressões fenotípicas distintas.
O que se torna óbvio quando consideramos a impossibilidade de investir em pomares de maçã na Amazônia ou de cupuaçu nas serras gaúchas merece preocupação quando se sabe que testes realizados em canteiros estabelecidos em São Paulo ou Canadá são adotados como argumento para atestar que não ocorrerão problemas em cultivos realizados nos 8 biomas do território nacional. Sendo grandes as preocupações com lavouras anuais, que se decompõem no solo em menos de um ano, o que pensar de árvores como o eucalipto, que podem viver séculos?
No caso do eucalipto GM (geneticamente modificado) aprovado pela CTNBio em 02/04/2015, existem preocupações adicionais, porque boa parte dos estudos de campo aprovados pela CTNBio, que deveriam gerar informações sobre a árvore GM, ainda não haviam sido concluídos. Também eram insuficientes os estudos de impactos ambientais, de consumo hídrico e de danos sobre polinizadores. Como se não bastasse, os genes inseridos, inicialmente descritos como responsáveis por alteração na produtividade de celulose (gene cel1) e por tolerância a antibióticos (gene marcador nptII) passaram a justificar aumento (de 20%) na produtividade de madeira.
Alegações adicionais, apontando falhas no processo, e prejuízos de mercado para 350 mil produtores de mel orgânico foram desconsideradas, e, em breve, teremos milhões de árvores clonadas, replicações de um único indivíduo, sendo observadas em teste de campo a tempo real. Com isso, possíveis crises hídricas, danos a colmeias, a outros cultivos que dependam daqueles polinizadores e mesmo a crianças que venham a consumir mel elaborado com pólen contendo aqueles genes serão conhecidos a posteriori.
Em nome de quê? Da pressa em jogar novos produtos no mercado, da escassa atenção a valores éticos e morais nos processos de avaliação de risco e suas possíveis implicações, da expectativa de ganhos extraordinários para aqueles que se antecipam na oferta de inovações ao mundo nos negócios e, com isso, valorizam as ações e as fatias de mercado de suas organizações.
Lamentável, nessa situação, que, em 1º de abril de 2015, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) tenha visitado o colegiado da CTNBio, na véspera da data em que este emitiria juízo a respeito de solicitação para liberação comercial do eucalipto transgênico, e afirmado que apenas pessoas ignorantes, desinformadas e contrárias ao desenvolvimento nacional poderiam rejeitar aquele pedido de liberação comercial.
No dia seguinte, apesar de alertas sobre a insuficiência e inconclusão de estudos, à revelia de possíveis danos para o mercado de mel orgânico, de eventuais impactos sobre recursos hídricos, da não aceitação dos produtos derivados de OGM (organismos geneticamente modificados) pela FSC (certificadora internacional) e mesmo desconsiderando compromissos assumidos pelo País, de não deliberar sobre árvores GM antes da conclusão de todos os estudos relevantes, a maioria dos membros da CTNBio votou favoravelmente à demanda empresarial.
As implicações saberemos no futuro. No presente, resta esperar que o método não se repita no caso de outras árvores GM em avaliação e que aquela decisão de maioria, ainda que orientada mais pela vontade política e pelo acaso de ali estarem do que pela suficiência de bases cientificas sólidas, tenha sido acertada. O inverso seria por demais lamentável.