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Marussia Whately

Sócia do ISA - Instituto Socioambiental e Coordenadora da Aliança pela Água

Op-CP-39

Um futuro sustentável e seguro para a água

O Brasil possui cerca de 12% da água doce superficial do planeta, além de reservas subterrâneas significativas. Grande parte desse patrimônio encontra-se na Amazônia, enquanto grande parte da população e usos da água concentram-se em outras regiões do País. A extensa rede hídrica nacional causa a falsa impressão de que o Brasil possui uma posição confortável em relação à disponibilidade de água.

As três principais causas de degradação da água no Brasil, hoje, são: desmatamento; poluição por agrotóxicos e fertilizantes; poluição por esgotos domésticos e industriais.  Segundo a Agência Nacional de Água – ANA, no período de 2006 a 2010, a retirada e o consumo de água aumentaram, respectivamente, 29% e 20% no País. O que mais contribuiu para esses aumentos foi a irrigação, que é responsável por metade da água retirada e 72% da água efetivamente consumida no País.

As regiões hídricas que mais aumentaram a retirada de água no período foram Paraná (50% de crescimento relacionado com o aumento de cerca de duas vezes na demanda para fins de irrigação); Tocantins-Araguaia e São Francisco (aumentos de 73% e 54%, respectivamente). O abastecimento urbano responde pela segunda maior retirada de água e pela terceira maior quantidade consumida. O abastecimento animal responde por 10,8% da água consumida no País, enquanto o abastecimento urbano responde por 9%.

Atualmente, 61% dos municípios brasileiros são abastecidos por mananciais superficiais. A capacidade total de produção instalada e em operação no País é bastante próxima da demanda; grande parte das unidades está no limite de sua capacidade, e 55% dos municípios brasileiros podem sofrer déficit de abastecimento até 2015. A estiagem recente agrava ainda mais o cenário de desabastecimento, em especial na região Nordeste e no estado de São Paulo.

O abastecimento industrial é o terceiro maior uso de água no País, em termos de vazão de retirada, e o quarto em consumo. Dentre as captações para fins industriais em rios de domínio da União, a fabricação de celulose, papel e produtos de papel (24%) e metalurgia básica (19%) são os usos com maior vazão outorgada. De acordo com monitoramento feito pela ANA, 44% dos pontos situados nas áreas urbanas apresentam qualidade da água (IQA) ruim ou péssima; 30%, regular, e apenas 26%, boa ou ótima.

16% dos rios federais monitorados pela ANA encontram-se em situação crítica. Mais da metade (58%) dos lagos e reservatórios do Brasil apresentam algum grau de eutrofização, sendo 23% com grau elevado; em relação aos rios, 28% já apresentam algum grau de eutrofização, 7% com grau elevado. Chama atenção a quantidade de rios que apresentam algum grau de eutrofização, uma vez que ela raramente acontece em corpos d’água com correnteza.

Como parte significativa da rede hídrica nacional ainda não conta com monitoramento sistemático de qualidade das águas, como é o caso da região Amazônica, e os indicadores utilizados estão restritos a parâmetros físico-químicos da qualidade da água, é possível afirmar que a situação deve ser muito pior. Uma das principais ameaças atuais à garantia de água em quantidade e em qualidade no Brasil é o desmatamento das cabeceiras, Áreas de Preservação Permanente e de recargas de aquíferos. 

Isso porque, sem a cobertura vegetal, a infiltração de água no solo diminui,  e o escoamento fluvial e a perda de solo aumentam, com impactos sobre a diminuição da capacidade de reposição de água e sobre o aumento da ocorrência de inundações, assoreamento e poluição por carreamento de sedimentos. A nova lei florestal, aprovada em 2102, revogou o Código Florestal de 1965 e ignorou a delicada relação entre água e vegetação e, apesar do apelo dos cientistas, diminuiu a proteção de APPs e retirou a necessidade de reflorestar mais de 29 milhões de hectares desmatados ilegalmente.

O 5º Relatório de Avaliação do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, divulgado em 2014, alerta para o fato de que, se não conseguirmos mudar nossa atitude em relação às mudanças climáticas, em menos de uma década, o mundo estará imerso em conflitos relacionados ao acesso à água e a alimentos. No Brasil, os principais impactos das mudanças climáticas globais se darão por meio de secas e enchentes.

Segundo o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, no período de 1991 a 2010, estiagem e seca representaram mais da metade do total de desastres registrados no País e afetaram cerca de 48 milhões de brasileiros. Eventos extremos em curso já possibilitam uma compreensão dos impactos, prejuízos e esforços necessários para dar conta do desafio. As consequências econômicas podem ultrapassar os R$ 100 bilhões em 2013 e 2014.

Entre as situações mais críticas, estão as regiões da Grande São Paulo e de Campinas/Piracicaba, que se encontram à beira de um colapso hídrico, e o risco de desabastecimento de água para quase 20 milhões de brasileiros é cada vez maior. A crise hídrica é uma combinação de  quatro fatores:  

a. ênfase dos governos na retirada de mais água, e não no uso racional desse recurso;
b. desmatamento nas áreas de mananciais e poluição das fontes de água em quase todo o estado;
c. seca extrema e déficit de chuvas, em especial  no Sistema Cantareira;  
d. pouco espaço de participação da sociedade e falta de transparência na gestão da água. O quadro complicou-se ainda mais
devido à resistência dos governos em tomar medidas impopulares em um ano eleitoral.

A garantia de água em qualidade e em quantidade adequadas é um dos grandes desafios do século XXI. Situações de estresse existentes, hoje, tendem a se agravar, e outras devem aparecer com as mudanças climáticas em curso. Os dados apresentados mostram que o consumo excessivo, a poluição por esgotos urbanos, o uso indiscriminado de fertilizantes e agrotóxicos e o desmatamento de cabeceiras e Áreas de Preservação Permanente (APPs) estão corroendo esse patrimônio e intensificando a nossa vulnerabilidade frente aos eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes. As estiagens e as enchentes, ao longo do ano de 2014, trouxeram um alerta: precisamos agir rápido para garantir um futuro sustentável e seguro para a água.