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Marcelo Leoni Schmid

Diretor do Grupo Index

OpCP81

Oferta versus demanda de madeira no Brasil: qual é o cenário real?
Se uma empresa busca posicionar-se estrategicamente no mercado florestal, o entendimento da dinâmica entre oferta e demanda de madeira é sem dúvida o pilar mais crítico, seja ela um pequeno prestador de serviços em silvicultura ou uma gigante fábrica de celulose. 
 
No nosso dia a dia frente ao Grupo Index respondo à pergunta título deste artigo toda semana, seja em estudos de mercado formais, onde mapeio oferta e demanda para desenvolver modelos e cenários futuros, seja em discussões informais.

A importância do entendimento dessa relação não se limita à previsão da disponibilidade de madeira, mas estende-se à projeção de seu preço futuro e, consequentemente, à avaliação da viabilidade de empreendimentos que têm na madeira sua fonte de matéria-prima ou insumo.

A análise da relação oferta versus demanda em nível nacional é inócua, pois as peculiaridades regionais são fundamentais para caracterizar e entender o mercado. 

Para desvendar o cenário real da disponibilidade de madeira no Brasil, é necessário mergulhar em cada um de seus estados tradicionais e em alguns novos candidatos. 

Farei aqui um sobrevoo pelo Brasil florestal, compartilhando tanto insights de balanços formais de madeira quanto percepções diárias levantadas nas “prosas” com empresas do mercado. 

O grande driver do setor de florestas plantadas permanece sendo a indústria de celulose, no entanto, outros mercados estão ganhando relevância, e aqui destaco, particularmente, o mercado de bioenergia, segmento que vem se fortalecendo tanto em estados tradicionais quanto em regiões até então não tradicionais.

O estado do Rio Grande do Sul, com predomínio de eucalipto (617 mil hectares, contra 287 mil hectares de pinus e 50 mil hectares de acácia negra), já apresentou superávit florestal significativo em um passado recente. Contudo, o cenário mudou com o plano de expansão da CMPC e a construção de sua nova fábrica em Barra do Ribeiro. A empresa comprou também ativos de outras espécies para conversão (como o caso do pinus) ou uso direto (como é o caso da acácia). 

Atualmente, a oferta de madeira de eucalipto no estado está pressionada e os detentores de floresta possuem pouca opção de mercado.

Santa Catarina e Paraná formam a região mais avançada do Brasil em termos de ecossistema de indústrias de base florestal, abrigando representantes de todos os segmentos consumidores e produtores. A região é dominada pela cultura do pinus (1,4 milhão de hectares, contra 764 mil hectares de eucalipto). Em longo prazo, temos observado que a pressão sobre a oferta é crescente na região, com aumento gradativo de consumo, tanto por parte de players da madeira de processo (celulose e painéis) quanto por empresas de madeira processada mecanicamente (serrada, compensados, componentes, madeira sólida). 

Em curto prazo, o mercado de madeira sólida, fortemente orientado à exportação, tem sido sujeito a tensões comerciais, o que poderá gerar uma sobra pontual de madeira. Sem dúvida, é o momento de a indústria de madeira sólida abrir os olhos para novos e potenciais mercados globais e parar de colocar todos os ovos na mesma cesta.

Outro estado com ecossistema florestal rico e diversificado é São Paulo. Com aproximadamente um milhão de hectares de eucalipto e 153 mil hectares de pinus, São Paulo enfrentava, até pouco tempo antes da pandemia, uma situação de excesso de madeira e preços muito baixos. A chegada do Projeto Star da Bracell, em Lençóis Paulista, contudo, virou o mercado de pernas para o ar e assim permanece até hoje. Observamos um desequilíbrio notável entre oferta e demanda de madeira de eucalipto no estado, desequilíbrio esse refletido nos preços da madeira em pé e no cavaco para energia, os mais altos do País. E subirão ainda mais. 

Mato Grosso do Sul é a meca da celulose no Brasil. Apesar dos volumes brutais de madeira, a análise mercadológica não é complexa, pois existe um número limitado de (imensos) consumidores, e as indústrias de celulose já estabelecidas: Suzano e Eldorado. Contudo, a fila para entrar em Mato Grosso do Sul é considerável: a fábrica da Arauco está em construção no município de Inocência, e a fábrica da Bracell, em planejamento avançado em Bataguassu. Além disso, a perspectiva da segunda linha da fábrica da Eldorado é bastante certa. Ao considerar todos esses projetos, somados a outros consumos menores de madeira, a demanda por área de plantio irá superar 1,8 milhão de hectares nos próximos anos. Ora, se os dados oficiais indicam 1,3 milhão de hectares de eucalipto plantados (ou 1,6 milhão, em dados não oficiais), é nítido que a demanda nos próximos anos excederá a oferta. 

Minas Gerais é o estado que detém a maior área de plantio de eucalipto no Brasil. Além da celulose, o estado possui outra forte indústria consumidora: o mercado siderúrgico (ferro, aço e ligas metálicas), que depende do uso de carvão vegetal. O preço do carvão tem oscilado muito nos últimos anos, e essa instabilidade tem levado grandes proprietários de terras a buscar novas e melhores opções para escoar sua madeira. Não é à toa que empresas de celulose de diversos estados têm "importado" madeira de Minas para suas plantas (atuais e futuras). Este movimento começou com a Suzano, no Espírito Santo, seguida pela Veracel e pela própria Suzano na Bahia. 
 
Há alguns anos, a Bracell (de Lençóis Paulista, SP) adquiriu um grande volume de madeira em Minas e, mais recentemente, duas empresas de celulose de Mato Grosso do Sul estão seguindo o mesmo caminho. A disponibilidade de oferta pode, inclusive, fomentar a instalação de uma nova fábrica de celulose, pois, entre as alternativas locacionais, não se vê outra que reúna condições médias mais favoráveis do que Minas. Se isso ocorrer, o mercado sofrerá uma reviravolta significativa, e quem não possuir base florestal própria enfrentará dificuldades.

A análise mais surpreendente vem de um estado não tradicional em termos florestais: Mato Grosso. O estado, que chegou a ter 200 mil hectares de madeira em 2019, perdeu área considerável devido à ausência de mercado consumidor, atingindo 130 mil hectares em 2023. Contudo, nos últimos anos, um novo e pujante offtaker surgiu: a indústria de etanol de milho. Essa indústria, cujo processo produtivo exige uma fonte térmica, encontrou no eucalipto uma solução sustentável e escalável, em um estado com ampla disponibilidade de alternativas de expansão. Se considerar todos os projetos em operação ou planejamento, a demanda exigirá uma área de 600 mil hectares nos próximos 10 anos. 

O cenário real do mercado de madeira no Brasil é complexo, porém interessante. Para que as empresas que utilizam madeira se posicionem estrategicamente, é preciso entender os drivers que influenciam a dinâmica entre oferta e demanda em cada região, considerando não somente a situação atual, mas expansões, fusões, aquisições e novos mercados que possam interferir na relação entre oferta e demanda de madeira.