Em geral, perante a sociedade, o que se mostra mais visível em relação ao uso da madeira é o leque dos chamados produtos fibrosos, principalmente ligados aos componentes da construção civil, da habitação, do mobiliário e do papel, em seus mais variados tipos. No entanto, em termos mundiais, a maior parcela da aplicação desse produto encontra-se na geração de energia, para a qual existe uma certa “invisibilidade”.
Essa invisibilidade ocorre, principalmente, pelo fato de que, com algumas exceções, as principais áreas florestais supridoras de madeira se encontram fora do quadro dos países economicamente mais ativos. Forçados pela ausência de fontes de suprimento, o uso da madeira para energia em tais regiões não progrediu, e suas demandas energéticas passaram a se basear, fundamentalmente, nos derivados do petróleo, do carvão mineral e da energia nuclear e, em alguns casos específicos, na hidroeletricidade.
Ocorre que, por razões histórico-culturais, é no exemplo de tais países que os considerados menos desenvolvidos têm adotado seus modelos e padrões de evoluções econômicas e sociais. Sendo o “modelo de fora” mais valorizado, não é sem justificativa, portanto, que, em tempos não muito distantes, era comum se deparar com expressões do tipo “usar lenha é coisa de país atrasado e pobre”.
No próprio setor florestal, sempre houve um forte conceito, ou talvez preconceito, de que o uso da madeira para energia seria, comparativamente, menos relevante do que outras aplicações. E, ainda, que a política para o desenvolvimento do setor deveria ser dirigida para valores atrelados aos grandes complexos industriais, com intensa demanda de capital e elevado retorno de investimento.
Tudo isso, modernamente, parece estar tendo um novo direcionamento quando, não só técnicos e empresários, mas também órgãos formais de decisão política de várias nações, têm visto na madeira valores estratégicos significativos, considerando o atendimento da demanda por energia, de forma sustentável e ambientalmente amigável.
Cabe, aqui, inclusive, um comentário àqueles que apregoam a existência de uma denominada “biomassa moderna”, em contraste ao que seria a “biomassa tradicional”, identificada pelo uso da lenha. Mais uma vez deve ficar claro que a situação não deve ser colocada como sendo de atraso ou de modernidade em relação ao uso.
O que está em jogo, em verdade, é a ausência de oportunidades concretas para a solução das baixas eficiências dos equipamentos e dos sistemas que aplicam a madeira para a geração de energia e o necessário fortalecimento da oferta e do uso da madeira de forma sustentada. As opções tecnológicas existem, havendo apenas necessidade de decisões concretas para o estímulo nessa direção.
Um aspecto importante atrelado ao uso da madeira para energia diz respeito à independência e à segurança de suprimento e de uso. Isso porque a madeira pode, perfeitamente, ter sua produção desvinculada de crises econômicas e políticas, além de não ser alvo de contestações da sociedade, comparativamente ao que tem sido observado para diversas outras fontes energéticas, como tem sido os casos, por exemplo, dos combustíveis fósseis e da energia nuclear.
O próprio setor de base florestal, do pequeno ao grande empreendimento, já tem isso como ponto de referência, identificado numa grande quantidade de exemplos, em que as demandas energéticas são atendidas pela madeira. Numa grande amplitude, a madeira abastece um consumo tradicional para produção de carvão vegetal para siderurgia, atende a uma importante demanda para geração de calor no setor industrial e agrícola, além de atender à cocção de alimentos e ao aquecimento domiciliar, nichos tradicionais de consumo energético em nosso país.
Mais recentemente, tem sido observado um importante aumento de interesse pelo uso da madeira para a geração de termoeletricidade. Além disso, há espaço adicional para que a madeira possa contemplar outras oportunidades de uso energético, ainda não totalmente exploradas, por ainda dependerem do desenvolvimento de pesquisas e de avanços no campo tecnológico.
Evidentemente, existiriam várias questões e desafios que poderiam ser destacados em relação à garantia da manutenção das condições atuais de uso da madeira para energia, bem como em relação às propostas para que a mesma venha ter uma participação ainda mais intensa no panorama energético brasileiro.
A relevância maior, no entanto, encontra-se no campo institucional, havendo a necessidade de que seja definitivamente reconhecida a existência de uma “indústria da madeira para energia” e que ela seja tratada, principalmente, junto ao próprio setor florestal, com o mesmo grau de relevância existente para as demais aplicações desse insumo.
Por outro lado, há que se estabelecer um formato próprio e específico de tratamento institucional para essa biomassa, distinto daquilo que tem sido dado para outras fontes de energia. O petróleo, as grandes hidrelétricas e a energia nuclear, por exemplo, exigem uma maior economia de escala, a criação de complexos sistemas centralizados de produção, o transporte, a distribuição e a realização de pesados investimentos.
Essas energias criam, em nível setorial, seu próprio quadro político institucional, seus próprios instrumentos de planejamento e gerência e possuem um grande poder de representação setorial. Por outro lado, o uso da madeira para a geração de energia, basicamente, concentra-se no campo de ação da iniciativa privada, principalmente através de empreendimentos de pequeno e médio porte, muitos deles isolados e sem representatividade.
Desse modo, não há o desenvolvimento de um quadro institucional próprio, no interior do qual o planejamento, o desenvolvimento tecnológico e as ações estratégicas e políticas pudessem ser promovidos. Há, portanto, que se estabelecerem entendimentos claros e precisos, que envolvam os setores responsáveis pela formulação das políticas florestais e energéticas em nosso País, para o devido tratamento de tais diferenciais.
Tais aspectos são relevantes, sobretudo, em função de um perceptível e crescente interesse empresarial pela geração de termoeletricidade, mediante o uso da biomassa de origem florestal. O sucesso futuro desse cenário, certamente, dependerá de decisões de ordem governamental, no que diz respeito às políticas de comercialização e de ordem tarifária ligadas à geração e à distribuição de energia elétrica no País, que exigem um maior grau de especificidade de tratamento, comparativamente ao que tem sido formulado para as demais fontes de energias renováveis.