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Adriana Maugeri

Gerente Socioambiental da Plantar Reflorestamentos

Op-CP-44

É preciso cuidar dos relacionamentos corporativos
No entremeio das constantes atualizações tecnológicas, obsolescência programada em ritmo vertiginoso, aplicativos de comunicação, blogs recheados de posicionamentos, manifestos tímidos ou grandiosos nas mídias sociais, presenciamos a progressiva perda do contato pessoal, do valioso tempo da boa “prosa”. 
 
Na contramão da digitalização do relacionamento moderno, encontramos a crescente necessidade de ampliação dos relacionamentos corporativos, de forma efetiva e eficiente, com seus stakeholders. A sociedade demanda por informação, entendimento, velocidade e atenção. Proponho a reflexão sobre o que escreveu Guimarães Rosa, o escritor que conseguiu de forma ímpar traduzir o pensamento do sertanejo, em Grande Sertão: Veredas: “Confiança – o senhor sabe –  não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa”. Encontramos, nessa frase simples, a essência que as empresas devem buscar para alcançar o compartilhamento e o equilíbrio sustentado das relações nos territórios onde atuam. 

Em minha trajetória profissional, possuo uma única certeza e que ouso crer: as pessoas querem atenção cada vez maior, querem ser ouvidas, estão carentes de entendimento. É isso que destaca Guimarães Rosa quando diz que a confiança rodeia o quente da pessoa: o contato pessoal, o diálogo olhando nos olhos, conhecer o rosto de quem representa a empresa, de quem assina os e-mails, de quem telefona, entender que uma empresa é feita de pessoas reais, comuns. 
 
Somente dessa forma é que a confiança se desenvolve. Relacionamento sem confiança não se sustenta. Estamos realmente prontos para rodear o “quente” das partes interessadas? Vamos tomar, por exemplo, a própria história do setor de florestas plantadas no Brasil. Sem o relacionamento aproximado e sustentável com as principais partes interessadas durante as primeiras implantações e ao longo das décadas passadas, vimos a crescente mistificação sobre as exóticas tomarem conta dos discursos em todo o País.

Hoje, os mitos que rondam principalmente o eucalipto são extremamente difíceis de destituir e são, sem dúvida, em sua grande maioria, consequentemente, o motivo de grandes polêmicas e discussões e até antagonismos existentes. Acredito que não houve a devida insistência do setor em buscar o lento desenvolvimento da confiança, de estar perto do “quente” das pessoas. Fugir um pouco da excessiva racionalidade dos projetos e encontrar com o ser humano.

Certamente, não tínhamos a real noção do tremendo alcance e da força dessas inverdades e até mesmo das incertezas, repetidas inúmeras vezes, por grupos leigos e cultos. Os tempos são outros, a premente necessidade de buscar a verdadeira sustentabilidade dos negócios traz a inevitável demanda por estreitar relações, construir pontes no desafiante cenário digital, no restrito campo das poucas palavras. 

 
Uma das formas mais usuais que o setor produtivo possui para construir relacionamentos saudáveis é por meio do investimento social corporativo. De terminologia provocativa, o investimento social, assim como o seu primo rico – o investimento financeiro –, deve necessariamente trazer retornos ao investidor. 
 
A diferença entre eles é que o primeiro aceita retornos diversos, muitos deles intangíveis, mas de extrema relevância quando se trata de buscar o desenvolvimento social. São projetos, iniciativas que devem começar com o entendimento, com a busca pelo ponto de equilíbrio entre interesses, bem diferente das práticas antigas, em que o empreendedor se julgava, unilateralmente, entendedor das reais necessidades dos demandantes. 
 
O primeiro passo para a mudança do modelo mental que nos orientou até aqui é reconhecer que todos aqueles que habitam ou relacionam no lado externo da empresa são nossos vizinhos e não estão em nosso entorno, em uma visão centralizada – extinguindo, dessa forma, a visão retrógrada onde a própria empresa se posicionava como o elemento central das relações. Ainda encontramos muitos discursos institucionais que falam em município, distritos e até comunidade do entorno dos empreendimentos. 

É preciso compreender, de forma definitiva, onde quer que o setor produtivo se encontre, que ele compartilha espaços, localidades, realidades, anseios, problemas, e, em muitos dos casos, foi o último a chegar ao território onde se estabeleceu. Essa mudança de entendimento faz uma grande diferença e facilita as abordagens futuras.
 
Segundo passo, e não menos importante que o primeiro, ao se tomar consciência de que a empresa é um membro de um território já existente, é preciso conhecer, tornar-se próximo, apresentar-se e, assim, iniciar a construção da confiança mútua – porém como pares e sem relação de subordinação ou poder. Essa proposta, para muitos, pode ser desanimadora, pois elimina um certo papel de protagonista do setor produtivo que ainda permanece nos antigos modelos econômicos, e é exatamente isso que acredito que deve ser feito; investimento social estratégico atua com o que há de melhor em cada parte envolvida, em equilíbrio e a favor de uma causa comum. 
 
O setor florestal encontra, sem dúvida, em muitos territórios, os antagonistas à sua atividade, e o fato de divergirem opiniões com determinado grupo não impede os relacionamentos, uma vez que o objetivo no novo ambiente social não é o convencimento, a sobreposição de opinião e de valores, é sim a busca pelo ponto de equilíbrio: lugar comum onde as partes encontrem soluções que contribuam, de fato, para o desenvolvimento de ambas. 
 
O terceiro passo, após conhecer e reconhecer, é colaborar para a transformação positiva de realidades que dividimos, mesmo que os problemas não sejam os mesmos. É aqui que, talvez, se encontre o avanço fundamental dos necessários novos modelos de relacionamento com partes interessadas. 
 
Para o setor produtivo realmente contribuir e encontrar retornos mensuráveis, sua ação deve estar alinhada de forma intrínseca com seus objetivos estratégicos. De nada adianta investir em ações e projetos que estejam fora da expertise e dos objetivos da organização, os retornos precisam ser recebidos. É imensamente mais eficiente colaborar para aquilo em que se faça a diferença e também se veja a diferença trabalhar a seu favor, investir em atividades que a organização já conheça, pratique ou até mesmo domine. Dessa forma, pode aguardar melhores retornos.
 
Ao desenvolver as novas formas de se relacionar, a organização naturalmente encontrará apoiadores do novo modelo, porém também surgirão críticos – a experiência mostra – que se apoiam frequentemente na dificuldade que existe em mensurar resultados desses investimentos e, consequentemente, na rasa suposição de que serão recursos aplicados a fundo perdido e que envolverão grandes mudanças e custos que não os justificam.

Obviamente, ao sair da racionalidade dos balanços contábeis, dos projetos industriais e dos resultados comerciais, no campo social nos deparamos com resultados, em sua maior parte, intangíveis, porém aqui é preciso afastar o estigma de que todo ativo intangível é de impossível mensuração. Intangíveis também são os efeitos que as organizações sentem com as disputas por terras, por invasões, por paralisações de atividades, por matérias sensacionalistas e negativas veiculadas na mídia, por atrasos na concessão dos licenciamentos ambientais, pelas excessivas condicionantes sociais das licenças? De forma alguma. 

 
É preciso que os responsáveis pelas áreas de relacionamento corporativo desenvolvam métricas que representem os efeitos financeiros que o distanciamento e o relacionamento deficitários trazem para a organização. Da mesma forma, desenvolver métricas que representem os resultados que as colaborações corporativas trouxeram para a positiva transformação de realidades que necessariamente demonstram impactos direto ao negócio.

Como mensurar resultados indiretos dos investimentos em programas de desenvolvimento e capacitação de mão de obra rural em regiões com apagões de profissionais especializados – como esse desenvolvimento implica a disponibilização dessa mão de obra; investimento em recuperação de áreas degradadas e proteção de nascentes – mensurar a implicação direta no aumento da qualidade dos plantios e na disponibilidade hídrica. Enfim, 
quanto mais tangível for a apresentação dos resultados dos investimentos sociais estratégicos, maior o suporte da alta administração, e a organização se relacionará de forma mais eficiente e com sólidos pilares da confiança estabelecidos próximos ao quente das pessoas.

Sábio Guimarães Rosa.