No entremeio das constantes atualizações tecnológicas, obsolescência programada em ritmo vertiginoso, aplicativos de comunicação, blogs recheados de posicionamentos, manifestos tímidos ou grandiosos nas mídias sociais, presenciamos a progressiva perda do contato pessoal, do valioso tempo da boa “prosa”.
Na contramão da digitalização do relacionamento moderno, encontramos a crescente necessidade de ampliação dos relacionamentos corporativos, de forma efetiva e eficiente, com seus stakeholders. A sociedade demanda por informação, entendimento, velocidade e atenção. Proponho a reflexão sobre o que escreveu Guimarães Rosa, o escritor que conseguiu de forma ímpar traduzir o pensamento do sertanejo, em Grande Sertão: Veredas: “Confiança – o senhor sabe – não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa”. Encontramos, nessa frase simples, a essência que as empresas devem buscar para alcançar o compartilhamento e o equilíbrio sustentado das relações nos territórios onde atuam.
Em minha trajetória profissional, possuo uma única certeza e que ouso crer: as pessoas querem atenção cada vez maior, querem ser ouvidas, estão carentes de entendimento. É isso que destaca Guimarães Rosa quando diz que a confiança rodeia o quente da pessoa: o contato pessoal, o diálogo olhando nos olhos, conhecer o rosto de quem representa a empresa, de quem assina os e-mails, de quem telefona, entender que uma empresa é feita de pessoas reais, comuns.
Somente dessa forma é que a confiança se desenvolve. Relacionamento sem confiança não se sustenta. Estamos realmente prontos para rodear o “quente” das partes interessadas? Vamos tomar, por exemplo, a própria história do setor de florestas plantadas no Brasil. Sem o relacionamento aproximado e sustentável com as principais partes interessadas durante as primeiras implantações e ao longo das décadas passadas, vimos a crescente mistificação sobre as exóticas tomarem conta dos discursos em todo o País.
Hoje, os mitos que rondam principalmente o eucalipto são extremamente difíceis de destituir e são, sem dúvida, em sua grande maioria, consequentemente, o motivo de grandes polêmicas e discussões e até antagonismos existentes. Acredito que não houve a devida insistência do setor em buscar o lento desenvolvimento da confiança, de estar perto do “quente” das pessoas. Fugir um pouco da excessiva racionalidade dos projetos e encontrar com o ser humano.
Certamente, não tínhamos a real noção do tremendo alcance e da força dessas inverdades e até mesmo das incertezas, repetidas inúmeras vezes, por grupos leigos e cultos. Os tempos são outros, a premente necessidade de buscar a verdadeira sustentabilidade dos negócios traz a inevitável demanda por estreitar relações, construir pontes no desafiante cenário digital, no restrito campo das poucas palavras.
Uma das formas mais usuais que o setor produtivo possui para construir relacionamentos saudáveis é por meio do investimento social corporativo. De terminologia provocativa, o investimento social, assim como o seu primo rico – o investimento financeiro –, deve necessariamente trazer retornos ao investidor.
A diferença entre eles é que o primeiro aceita retornos diversos, muitos deles intangíveis, mas de extrema relevância quando se trata de buscar o desenvolvimento social. São projetos, iniciativas que devem começar com o entendimento, com a busca pelo ponto de equilíbrio entre interesses, bem diferente das práticas antigas, em que o empreendedor se julgava, unilateralmente, entendedor das reais necessidades dos demandantes.
O primeiro passo para a mudança do modelo mental que nos orientou até aqui é reconhecer que todos aqueles que habitam ou relacionam no lado externo da empresa são nossos vizinhos e não estão em nosso entorno, em uma visão centralizada – extinguindo, dessa forma, a visão retrógrada onde a própria empresa se posicionava como o elemento central das relações. Ainda encontramos muitos discursos institucionais que falam em município, distritos e até comunidade do entorno dos empreendimentos.
É preciso compreender, de forma definitiva, onde quer que o setor produtivo se encontre, que ele compartilha espaços, localidades, realidades, anseios, problemas, e, em muitos dos casos, foi o último a chegar ao território onde se estabeleceu. Essa mudança de entendimento faz uma grande diferença e facilita as abordagens futuras.
Segundo passo, e não menos importante que o primeiro, ao se tomar consciência de que a empresa é um membro de um território já existente, é preciso conhecer, tornar-se próximo, apresentar-se e, assim, iniciar a construção da confiança mútua – porém como pares e sem relação de subordinação ou poder. Essa proposta, para muitos, pode ser desanimadora, pois elimina um certo papel de protagonista do setor produtivo que ainda permanece nos antigos modelos econômicos, e é exatamente isso que acredito que deve ser feito; investimento social estratégico atua com o que há de melhor em cada parte envolvida, em equilíbrio e a favor de uma causa comum.
O setor florestal encontra, sem dúvida, em muitos territórios, os antagonistas à sua atividade, e o fato de divergirem opiniões com determinado grupo não impede os relacionamentos, uma vez que o objetivo no novo ambiente social não é o convencimento, a sobreposição de opinião e de valores, é sim a busca pelo ponto de equilíbrio: lugar comum onde as partes encontrem soluções que contribuam, de fato, para o desenvolvimento de ambas.
O terceiro passo, após conhecer e reconhecer, é colaborar para a transformação positiva de realidades que dividimos, mesmo que os problemas não sejam os mesmos. É aqui que, talvez, se encontre o avanço fundamental dos necessários novos modelos de relacionamento com partes interessadas.
Para o setor produtivo realmente contribuir e encontrar retornos mensuráveis, sua ação deve estar alinhada de forma intrínseca com seus objetivos estratégicos. De nada adianta investir em ações e projetos que estejam fora da expertise e dos objetivos da organização, os retornos precisam ser recebidos. É imensamente mais eficiente colaborar para aquilo em que se faça a diferença e também se veja a diferença trabalhar a seu favor, investir em atividades que a organização já conheça, pratique ou até mesmo domine. Dessa forma, pode aguardar melhores retornos.
Ao desenvolver as novas formas de se relacionar, a organização naturalmente encontrará apoiadores do novo modelo, porém também surgirão críticos – a experiência mostra – que se apoiam frequentemente na dificuldade que existe em mensurar resultados desses investimentos e, consequentemente, na rasa suposição de que serão recursos aplicados a fundo perdido e que envolverão grandes mudanças e custos que não os justificam.
Obviamente, ao sair da racionalidade dos balanços contábeis, dos projetos industriais e dos resultados comerciais, no campo social nos deparamos com resultados, em sua maior parte, intangíveis, porém aqui é preciso afastar o estigma de que todo ativo intangível é de impossível mensuração. Intangíveis também são os efeitos que as organizações sentem com as disputas por terras, por invasões, por paralisações de atividades, por matérias sensacionalistas e negativas veiculadas na mídia, por atrasos na concessão dos licenciamentos ambientais, pelas excessivas condicionantes sociais das licenças? De forma alguma.
É preciso que os responsáveis pelas áreas de relacionamento corporativo desenvolvam métricas que representem os efeitos financeiros que o distanciamento e o relacionamento deficitários trazem para a organização. Da mesma forma, desenvolver métricas que representem os resultados que as colaborações corporativas trouxeram para a positiva transformação de realidades que necessariamente demonstram impactos direto ao negócio.
Como mensurar resultados indiretos dos investimentos em programas de desenvolvimento e capacitação de mão de obra rural em regiões com apagões de profissionais especializados – como esse desenvolvimento implica a disponibilização dessa mão de obra; investimento em recuperação de áreas degradadas e proteção de nascentes – mensurar a implicação direta no aumento da qualidade dos plantios e na disponibilidade hídrica. Enfim, quanto mais tangível for a apresentação dos resultados dos investimentos sociais estratégicos, maior o suporte da alta administração, e a organização se relacionará de forma mais eficiente e com sólidos pilares da confiança estabelecidos próximos ao quente das pessoas.
Sábio Guimarães Rosa.