Professor de Economia e Planejamento Florestal na Esalq-USP
Op-CP-25
A afirmação de que desenvolvimento e conservação irão se equilibrar em um futuro próximo é a tônica desta opinião. E o argumento que justifica essa afirmativa se baseia na hipótese de que combustíveis, alimentos e fibras dependerão cada vez mais de fontes renováveis de energia.
Nesse contexto, desenvolvimento passa a ser resultado da ação de forças motrizes que tecem a trama socioeconômica das relações humanas com os recursos naturais. A questão principal, então, passa a ser: se essas forças condicionam os mecanismos de produção, o que condiciona essas forças? Minha resposta é: uma maior ou menor percepção de segurança.
Mas antes de avançarmos no tema segurança, é importante definir força motriz como o empurrão que define a intensidade com que exploramos os recursos naturais. Também importa deixar claro que essas forças motrizes podem ser dominadas. Como? Via consolidação de mecanismos de pagamentos por serviços ambientais e via governança pública, ou seja, via aumento da participação cidadã, simplificação do marco legal e regulatório, consolidação das instituições públicas e modernização da infraestrutura e dos mecanismos de fomento econômico.
Voltando ao tema da segurança. Entenda-se segurança como o oposto à sensação coletiva de medo. Medo de nos tornarmos reféns de processos ambientalmente insustentáveis e emissores de gases de efeito estufa, por exemplo.
No momento em que a insegurança se torna coletiva, procuramos remediar os efeitos das mudanças climáticas para obter maior segurança ambiental; precavemos-nos contra eventuais aumentos dos preços de combustíveis fósseis para garantir segurança econômica; adaptamo-nos às mudanças nas relações diplomáticas que regem as alianças entre consumidores e produtores de combustíveis e energia para manter a segurança nacional; e nos adequamos ao processo de urbanização e ao simultâneo aumento do uso da tecnologia no meio rural e no agronegócio com sutis mudanças na composição das bases que geram estabilidade política e, consequentemente, a segurança institucional.
Mas o maior de todos os medos é aquele que nos levará a melhorar a sensação de segurança alimentar em escala global. E é através dessa ação que mudaremos a forma como ocupamos e usamos a terra no Brasil. Ou seja, são as questões de segurança nacional, econômica, institucional, ambiental e alimentar que balizarão o nosso desenvolvimento.
Por isso, acredito que somente manteremos níveis aceitáveis de segurança em todas essas dimensões, se desenvolvimento e conservação caminharem juntos. Como brasileiro ciente das já citadas questões internas de segurança, reflita cuidadosamente sobre os riscos que corremos quando, num futuro próximo, o mundo, constituído por 9 bilhões de habitantes, em sua grande maioria membros de famílias africanas, indianas e chinesas, recém-atraídos para o consumo globalizado, quiser garantir a mais básica das questões humanas: a segurança alimentar de todos.
Ao olharmos as estatísticas, vemos tantas vantagens e oportunidades no Brasil que, com entusiasmo, somos apontados como o país onde o superávit de alimentos, fibras e combustíveis resolverá a escassez preconizada por teorias malthusianas.
Afinal, a simples expansão da fronteira já seria suficiente, pois, segundo o IBGE e a Conab, o Brasil usa apenas 34% do seu território nacional para manter 64 milhões de hectares com atividades agrícolas e 220 milhões com pecuária; tem 445 milhões de hectares com florestas, das quais apenas 6 milhões são plantadas; e sobram, depois de deduzidas as áreas inacessíveis e destinadas a unidades de conservação, 71 milhões de hectares para novas atividades agrícolas.
Esse entusiasmo é procedente, se considerarmos a nossa matriz energética de cunho basicamente renovável, o amadurecimento de uma sólida indústria de biocombustíveis, a possibilidade da reincorporação de áreas antes degradadas, de aumentos significativos de produtividade e da disseminação de melhorias tecnológicas geradas pela rede Embrapa, unidades estaduais de pesquisa e universidades.
Entretanto, sob a ótica do princípio da precaução e para acomodarmos níveis razoáveis de segurança nacional, ambiental e institucional, precisamos assegurar que os processos ecológicos naturais básicos permaneçam funcionais nos diferentes biomas brasileiros.
De que adiantará a expansão da área agrícola nos biomas caatinga, cerrado, pampa e pantanal, se a redução em biodiversidade puser em risco a nossa segurança nacional, ambiental e institucional? De que valerão os aumentos de produtividade nos cultivos plantados nos biomas mata atlântica e cerrado, se o desmatamento na Amazônia e o contínuo lançamento de gases de efeito estufa na atmosfera afetarem os regimes de chuva e tornarem mais comuns eventos catastróficos de seca e inundação?
Em termos práticos, deveria haver um esforço nacional de melhoria da infraestrutura em regiões que hoje apresentam baixo nível de desenvolvimento, mas que já estão dentro dos limites da atual fronteira agrícola. Acho também que produtores de fibras, alimentos e biocombustíveis que usassem fontes renováveis de energia deveriam receber incentivos especiais.
Complementarmente, e em períodos de tendência de crescimento da taxa de desmatamento e da degradação dos nossos biomas, municípios que apresentassem alta relação “desmatamento/PIB” deveriam ter seus repasses reduzidos em até 50%, transferidos para municípios com desmatamento zero.
Também proporia que propriedades inteiras na Amazônia, com suas áreas de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente intactas e bem conservadas pudessem ser averbadas para efeito de compensação em razões de até 2:1, para compensar passivos de reserva legal em propriedades produtivas de municípios com desmatamento zero.
Essas alternativas têm seus prós e contras. Mas o importante é refletir e discutir os impactos que a busca de segurança nacional, ambiental, econômica, institucional e alimentar, em níveis planetários, terá sobre a ocupação e uso do solo no Brasil.
Garantiremos um longo período de desenvolvimento e conservação se percebermos as cinco dimensões de segurança com equilíbrio. Geraremos, assim, mecanismos criativos de pagamentos por serviços ambientais, melhoraremos os mecanismos de governança e teremos mais controle sobre as forças que, de fato, regem a nossa relação com o meio ambiente.