Há quase duas décadas, o setor brasileiro de produção de celulose e papel incorporou e tem praticado os necessários e desejados conceitos em busca da sua sustentabilidade. Entretanto, em anos mais recentes, esse conceito se expandiu no setor, pela introdução da visão da sustentabilidade do negócio ou da empresa dentro de seu pilar econômico.
Essa preocupação com o futuro do negócio tem seus justificados motivos. O setor sempre tem convivido com eventuais crises de excesso de oferta de seus produtos, que acabam refletindo-se em deteriorações de preços de venda, os quais acabam oscilando entre picos e vales. Também a se somar a isso, tem ocorrido significativa redução nos mercados de alguns tipos de papéis como: jornais, impressão e escrita, alguns papéis especiais (cigarros e rótulos), etc. Os impactos das tecnologias em mídia digital e os padrões de consumo da sociedade estão causando apreensões em relação ao futuro da indústria, ou de pelo menos, alguns de seus segmentos de mercado.
O resultado dessas tendências tem sido a busca de alternativas de negócios, que possam estabilizar as metas de produção e comercialização, garantindo, assim, o crescimento da empresa e a sua sustentabilidade. Por essas e outras razões, temos visto milhares de estudos sendo realizados em empresas, universidades e institutos de P&D, os quais vêm sendo publicados e apresentados em artigos de revistas, livros, congressos, teses acadêmicas, etc.
Todos têm buscado estudar produtos adicionais a serem obtidos a partir das fontes de biomassa florestal – em geral, de forma integrada com a produção de celulose e/ou papel – por isso, tem-se denominado esses novos modelos de produção como biorrefinarias integradas. Esse nome acabou se consagrando em função das expectativas de serem produzidos inúmeros biomateriais e biocombustíveis a partir da biomassa florestal, da mesma forma como acontece com as biorrefinarias de petróleo.
Apesar de charmoso e muito divulgado atualmente, o conceito de biorrefinarias não é novo no setor. Biorrefinarias integradas existem há décadas em fábricas de celulose sulfito, uma vez que esse tipo de industrialização tem dificuldades para a recuperação do licor residual da polpação. Com isso, as empresas desse setor foram forçadas a encontrar utilizações para seus condensados e licores residuais.
Com muita criatividade e inovações tecnológicas, foram sendo desenvolvidos, por esse setor de celulose sulfito, diversos produtos para outros mercados, tais como: lignosulfonatos, ácido acético, fermentos e proteínas para rações, terebintina, metanol, etanol, etc. Esse tipo de arranjo produtivo acabou não vingando nas fábricas que se valem do processo kraft frente às oportunidades de recuperação térmica e química do licor preto kraft em sua quase integralidade. Entretanto, com a modernização tecnológica das fábricas de celulose kraft de última geração, tanto a energia elétrica como o vapor têm excedido as necessidades das fábricas geradoras dos mesmos.
Com isso, já há alguns anos essas fábricas kraft mais modernas passaram a comercializar excedentes de eletricidade e/ou vapor para empresas próximas, em geral, para fabricantes de insumos para a própria fábrica, a saber: dióxido de cloro, soda cáustica, gases para uso industrial, carbonato de cálcio precipitado, sulfato de alumínio, etc. O excedente de eletricidade também tem sido comercializado em parceria com o sistema elétrico nacional.
Dessa forma e, timidamente, o conceito de biorrefinarias integradas acabou sendo gradualmente robustecido nas fábricas de celulose kraft, integradas ou não com a fabricação de papel. As oportunidades não se concentram apenas na produção de eletricidade e vapor. Existem inúmeras outras possibilidades para a industrialização de resíduos de biomassa florestal (cascas, toras finas, cavacos desclassificados, serragem, etc.). Também ocorrem usos industriais ou agrícolas para os resíduos dos processos de industrialização (lodos, metanol, terebintina, tall oil, lignina, rejeitos da polpação, etc.).
As empresas estão atualmente trabalhando muito fortemente na introdução de unidades produtivas adicionais e que não interfiram (ou até mesmo, melhorem) os processos críticos e vitais de sua fábrica de celulose e/ou papel. A ideia é agregar valor ao negócio desde que a fábrica de celulose mantenha-se produtiva e eficiente, passando a atuar como a fábrica âncora desses novos arranjos produtivos. Esses novos produtos podem ser consumidos pela própria fábrica de celulose e/ou papel, ou então, podem servir de matéria-prima para outros parceiros industriais, como empresas do setor químico, energético, alimentício, etc. entre as etapas e oportunidades mais promissoras encontram-se as seguintes:
• Identificação de fontes de biomassa potencialmente disponíveis em quantidades e qualidades para garantir continuidade das operações das biorrefinarias e da fábrica de celulose e/ou papel. Dentre elas, destacam-se os resíduos florestais e industriais e as florestas especialmente plantadas para servir de suprimento para essas unidades.
• Extração de lignina do licor preto kraft para uso interno (energético) ou para venda a clientes da indústria química. Isso permite que fábricas com gargalos de produção na caldeira de recuperação possam ter sua produção de celulose aumentada pelas reduções na restrição de queima de sólidos nessa caldeira.
• Produção e comercialização de outros produtos químicos ou energéticos obtidos a partir de seus próprios resíduos, por exemplo: metanol, terebintina, tall-oil, péletes ou briquetes, biogás, bioóleo, dimetil éter, furfural, etanol de segunda geração, xiloses, enzimas, etc.;
• Produção e comercialização de eletricidade e/ou vapor para empresas localizadas próximas (arranjos produtivos ou clusters) ou negociação com o sistema elétrico nacional.
• Produção de novos e valiosos derivados de celulose: celulose nanofibrilada e nanocristais de celulose.
• Produção de novos e valiosos derivados das hemiceluloses: álcoois, xilitol, plásticos verdes, enzimas, etc.
• Produção de inúmeros outros produtos químicos ou energéticos a partir da biomassa florestal, através de processos físico-químicos, térmicos ou bioquímicos.
No momento atual, existem fortes evidências de que as empresas líderes do setor brasileiro de celulose e papel já incorporaram estratégias para atuações de alguma forma no modelo de biorrefinarias, integradas ou não a fábricas âncoras. Isso já está acontecendo a partir do modelo mais simples (venda de eletricidade e/ou vapor) e já existem modelos mais complexos e sofisticados em processo de implantação ou de protótipos: extração de lignina, produção de bioóleo, produção de nanoceluloses, etc.
Ainda faltam outras oportunidades para serem conquistadas. Entretanto, o setor já superou a fase inicial de descrença ou de suposição de que os processos novos não eram promissores ou não agregariam valor ao negócio. Por essa razão, as biorrefinarias já estão se convertendo em realidade, superando a fase de ficção. A vantagem maior é que cada empresa pode selecionar opções distintas, pois as oportunidades são inúmeras. Dessa forma, o risco de supersaturação de um determinado produto novo e entrante nos mercados pode ser minimizado.
Visão, ousadia e criatividade não estão faltando no setor. Resta apenas que a gestão das empresas consiga materializar as necessárias parcerias para desenvolvimento desses arranjos produtivos em modelos de biorrefinarias com adequados níveis de agregação de valor. As coisas não acontecem nem tão rápido e nem todas de uma só vez. O esforço das empresas já pode ser notado. Os passos de cada uma delas vão precisar de alicerces muito bem estruturados em termos de pesquisas, patentes, estudos tecnológicos e mercadológicos para que o sucesso possa ser atingido. Estamos confiantes nisso.