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Vanderley Porfírio-da-Silva e Jorge Ribaski

Pesquisadores em Sistemas Silvipastoris da Embrapa Florestas

Op-CP-04

Sistema silvipastoril: integração de competências para a competitividade do agronegócio brasileiro

Sistema silvipastoril é um termo que sumariza práticas envolvidas na integração intencional de árvores, pastagens e gado numa mesma área e, ao mesmo tempo, com o objetivo de incrementar a produtividade, por unidade de área. Multifuncional, o silvipastoril possibilita intensificar a produção pelo manejo integrado dos recursos naturais, evitando a degradação. As árvores podem ser madeiráveis, frutíferas, forrageiras, ou de multipropósito.

Portanto, vários tipos de sistemas silvipastoris são possíveis. Neste artigo, em função do cenário que aponta para o crescimento das demandas de produto florestal madeireiro e de produto animal, e que, para ambos, existe a preocupação de que sejam oriundos de sistemas produtivos ambientalmente adequados e não excludentes, faz-se referência à perspectiva de fomento, por meio da introdução de árvores madeiráveis em pastagens convencionais.

Estima-se que o crescimento populacional, a urbanização e o aumento da renda duplique a demanda e a produção pecuária e de seus produtos derivados nos países em desenvolvimento, até o ano 2020. A produção pecuária está crescendo rapidamente e a estimativa, para o ano 2030, é de que a pecuária produzirá mais da metade do total do valor do produto agrícola mundial.


Este setor também é responsável pelo uso de cerca de 3,4 bilhões de hectares de terras para pastagens permanentes, o que corres-ponde a mais de duas vezes a superfície utilizada para cultivos agrícolas. Este processo tem sido denominado revolução pecuária e é caracterizado por tendências importantes para a pecuária mundial.

O consenso existente, acerca dos impactos decorrentes de tal processo, destaca como mais preocupantes: o desflorestamento, a erosão e compactação dos solos, as emissões de gases componentes do efeito estufa, a poluição de águas, a mudança na cobertura vegetal e a diminuição da biodiversidade.

Segundo alguns autores, desde os acordos internacionais, firmados em 1992 (Agenda 21, Convenção sobre a Mudança Climática Global e a Biodiversidade) no Rio de Janeiro, vem estabelecendo-se, em âmbito mundial, uma discussão, que tem o objetivo de rever os efeitos da produção animal sobre o meio ambiente. Tais aspectos, mais a falta de certificação de origem sustentável, têm contribuído negativamente para a sustentabilidade da pecuária bovina.

A demanda por produtos florestais também é crescente, pelas mesmas razões que faz com que a demanda por produtos pecuários cresça (crescimento populacional, a urbanização e o aumento da renda mundial), mas com um novo elemento: uma mudança de atitude, que levará a um aumento do valor da conservação do meio ambiente e da natureza.

Estimativas da FAO indicam que, em 2030, o consumo mundial de madeira em toras aumentará aproximadamente 60%, em relação ao consumo atual, o que alcançará cerca de 2,4 bilhões de m³. Conforme o estudo da FAO, a pergunta fundamental não é se haverá madeira no futuro, mas sim de onde deverá vir, quem a produzirá e como deverá ser produzida.

Está ocorrendo uma mudança de fontes da madeira, ou seja, utilização da madeira de florestas virgens, muitas vezes deficientemente fiscalizadas, para plantações florestais e/ou florestas manejadas de forma sustentável. A estimativa é de que a produção de madeira em toras industriais, originadas de plantações, possa alcançar 800 milhões de m³, até o ano de 2030, duplicando os atuais 400 milhões de m³ produzidos atualmente, atendendo, em parte, o crescimento da demanda de madeira no período.

No Brasil, estudos de diferentes segmentos do setor de base florestal apontam para a existência de um desequilíbrio entre a oferta e a procura de madeira para atender às projeções de crescimento da indústria de base florestal, onde a capacidade de produção anual de madeira plantada já está igual ao consumo. Por várias razões, principalmente ligadas ao legado colonial e à formação acadêmica tradicional, o componente florestal tem sido considerado um empecilho para o que se considerava o ideal de desenvolvimento da agropecuária.



Atualmente, não pode ser mais considerado um obstáculo, mas sim uma necessidade, principalmente por seus produtos e por sua condição de permanência ou de longa vida, terminando por alterar o ambiente do seu entorno e, com isso, proporcionando favorecimentos aos cultivos de ciclos curtos, às pastagens, às criações, à conservação de solo e água, e ao favorecimento da biodiversidade. Nesse sentido, o sistema silvipastoril, ao integrar a bovinocultura e a silvicultura, adquire grande importância, na medida em que:

 

  • Contribui para consolidar a bovinocultura como sustentável sendo, portanto, capaz de produzir efeitos protetivos a possíveis barreiras não-tarifárias;
  • Responde às pressões para implementação de boas práticas e produção de sistemas ambientalmente sadios e favorecedores da biodiversidade;
  • Agrega renda às áreas de pastagens, beneficiando grande contingente de pessoas, que têm na pecuária sua principal atividade e, estrategicamente, necessitam de complementaridade/suplementaridade para a renda oriunda da pecuária.

A bovinocultura nacional, calcada em produção a pasto, tem uma vantagem competitiva para com os demais produtores mundiais, especialmente após o aparecimento da doença da vaca louca. Sintomaticamente, embora venha despertando interesse crescente, devido à potencialidade de ser um instrumento para a otimização de tal vantagem competitiva, o sistema silvipastoril não tem avançado no campo. As causas para esse descompasso podem residir exatamente na falta de fomento capaz de alavancar a mudança no uso das terras.

Fomentar a conversão de pastagens em sistema silvipastoril poderá ser o diferencial competitivo do agronegócio brasileiro, tanto para o setor pecuário, quanto para o setor de base florestal. A introdução da componente florestal na atividade pastoril, certamente ocasionará uma complementação de benefícios.




Enquanto a pecuária cobre o fluxo de caixa negativo, proporcionado pelo período de maturação do investimento florestal, este, por sua vez, incorpora ao sistema pecuário benefícios ambientais importantes do ponto de vista da sustentabilidade ambiental (ambiência animal e fixação de carbono, etc), da sustentabilidade econômica (poupança verde) e da sustentabilidade social, por promover entradas de recursos, distribuídos ao longo do tempo (desbastes e colheita final), incentivando a permanência do jovem rural e minimizando o problema de êxodo rural.

A enorme superfície territorial do país, hoje utilizada somente com pastagens, se convertida, em parte, em sistemas silvipastoris, poderá ser fundamental para melhorar a imagem da pecuária brasileira, ao tempo em que favorecerá a produção animal e a produção de produtos florestais. Em termos de produtividade de madeira, serão necessários cerca de 3,6 ha de silvipastoril para um hectare de maciço florestal, então, sem competir por área, a atividade florestal poderá obter incremento, especialmente na produção de madeira para processamento mecânico, sem imobilizar capital em aquisição de terras.

Essa nova estratégia poderá contribuir com os objetivos do Plano Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente e dos Programas das Áreas Animal e Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em seus objetivos e questionamentos nacionais e internacionais. O sucesso da disseminação e implantação de sistemas silvipastoris, no entanto, depende de uma série de fatores, desde tecnologia apropriada; disponibilidade de mudas de boa qualidade física e genética; disseminação da informação e assistência técnica na implantação e condução dos sistemas silvipastoris, onde a articulação dos sistemas de pesquisa e extensão rural é essencial; linhas de crédito e políticas públicas para alavancarem boas práticas e a mudança do uso das terras de pastagens no país.

E, também muito importante, é necessária a superação de paradigmas orientadores das ações de pessoas e instituições envolvidas com o setor. Para tanto, o estabelecimento de uma rede de unidades de referências tecnológicas (URTs), em pólos estabelecidos através de um zoneamento, que considere, além de indicadores econômicos e sociais, a ocorrência e/ou potencial de desenvolvimento da atividade de integração floresta-pecuária no país, para possibilitar ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação, transferência de tecnologia e capacitação das condições ambientais regionais, é um caminho que deverá ser palmilhado.

De modo que possa ocorrer a expansão de plantios silvipastoris em cada pólo, para viabilizar a promoção da adequação ambiental da pecuária; e, também, incrementar o entendimento sobre esse sistema de produção e favorecer empreendimentos que objetivem a ampliação da base florestal plantada, em apoio ao desenvolvimento das indústrias de base florestal e de base pecuária, as quais poderão agregar marketing ambiental aos seus produtos, além de atenderem aos requisitos preconizados nos sistemas de certificação de produtos e de suas cadeias de custódia.