No começo do século XX, as regiões Sul e Sudeste brasileiras eram cobertas, em grande parte, por florestas exuberantes, mas, com a ocupação agrícola, de uma maneira muito rápida, essas florestas foram sendo substituídas por agricultura. Colonizadores viam a floresta como uma fonte de madeira valiosa, pronta para ser cortada e para financiar o desenvolvimento agrícola trazido pelas culturas de café, grãos e pecuária.
Governantes, universidades, instituições de pesquisa, extensão rural e bancos incentivavam a substituição da floresta, oferecendo aos proprietários crédito, tecnologias e planos estratégicos de desenvolvimento da produção, impactando negativamente florestas nativas dentro de propriedades.
Muito pouco se falava do valor da floresta como provedora de serviços importantes, como proteção de água e solos, manutenção da biodiversidade e, consequentemente, de equilíbrio na natureza, de beleza cênica, captura de carbono, entre outros. Todo esse processo ocorreu, e ocorre nos domínios da Mata Atlântica, à revelia de leis como o Código Florestal, que, já em 1965, determinava a manutenção de Áreas de Preservação Permanente em topos de morro, pendentes acentuadas e matas ciliares, e a manutenção de uma Reserva Legal florestal adicional correspondente a 20% da área de cada propriedade, a ser manejada para conservação e produção com florestas nativas. Essa exigência se aplicava a todas as propriedades, com algumas flexibilizações de uso em relação a propriedades da agricultura familiar.
Com o novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012), a exigência de Reserva Legal diminuiu, pois essa área em uma propriedade passou a ser 20% da propriedade menos a área já ocupada por Áreas de Preservação Permanente. Mesmo assim, há um grande número de propriedades ainda com obrigação de recuperar áreas de Reserva Legal.
Na primeira década dos anos 2000, tive a oportunidade de trabalhar em um grande projeto do governo do Paraná, financiado pelo GEF, o Paraná Biodiversidade. Nele, trabalhavam, em dedicação exclusiva, 60 técnicos de extensão e outras 20 pessoas da área ambiental do governo. O foco do projeto era promover a conciliação entre agricultura e conservação da biodiversidade em uma área de 2 milhões de hectares, distribuída em 3 regiões diferentes do estado.
Talvez a principal atividade do projeto tenha sido a promoção de articulação entre os setores ambientais e produtivos, uma vez que atividades de conservação e agrícolas eram planejadas por extensão e instituto ambiental em uma mesma mesa, e, a partir daí, o projeto decidia que incentivos daria para agricultores melhorarem a qualidade ambiental de seus negócios. Ao todo, o projeto investiu US$ 30 milhões em extensão, educação ambiental, estruturação de parques e em incentivos para que agricultores desenvolvessem uma agricultura mais sustentável.
Financiávamos diferentes estratégias de restauração florestal em matas ciliares e em reservas legais:
• Ao longo de rios, nas florestas exclusivamente de proteção, priorizou-se o isolamento de áreas e regeneração natural. Em áreas ocupadas por pastagens mais agressivas ou em que não havia disponibilidade natural de sementes, foram adotados métodos de facilitação ou plantios de mudas, mas sempre com nativas;
• Nas áreas de Reserva Legal, de uso misto de produção e conservação, plantios com Eucalyptus, plantados como facilitadores, colonizadores e geradores de renda no curto prazo, misturadas com espécies secundárias e clímax, de crescimento mais lento.
Essa diferença de estratégia se devia principalmente ao fato de agricultores aceitarem restaurar margens de rios sem ganhos econômicos, pois percebem a importância da proteção à água, mas de não aceitarem trocar renda por conservação no caso da Reserva Legal, em 20% de sua área agrícola.
Depois desse preâmbulo todo, vem a opinião dada no artigo. Sou totalmente a favor de se usarem eucaliptos na restauração de reservas legais, uma vez que cumpre três funções importantes nesse processo:
• Traz uma perspectiva de retorno financeiro no curto prazo para produtores rurais e, por isso, é aceito por eles;
• Estabelece condições para a regeneração de outras espécies em seu sub-bosque ou para que outras espécies plantadas conjuntamente cresçam à sua sombra;
• E, muito importante, marca rapidamente a conversão do uso da terra, de agricultura ou pastagem, para uma área florestal.
Um exemplo muito interessante dessa estratégia está descrito no documento “Implantação e Manejo de Florestas em Pequenas Propriedades no Estado do Paraná: Um Modelo para a Conservação Ambiental, com Inclusão Social e Viabilidade Econômica”, o qual descreve como uma equipe multidisciplinar formada por técnicos das Secretarias de Meio Ambiente e Agricultura, Instituto Ambiental e Emater do Paraná trabalharam com pesquisadores da Embrapa, para desenhar um sistema de recuperação de reservas legais aceitável para agricultores.
O sistema silvicultural com Eucalyptus foi desenhado de forma que ele fosse retirado gradualmente, promovendo regeneração natural, sem danificar linhas ou blocos de nativas consorciados. Em geral, 1100 plantas de Eucalyptus e 500 árvores nativas, plantadas em espaçamento de 2 x 3 m, compartilhavam um mesmo hectare, com previsão de desbaste das primeiras já a partir de 4 anos e retirada total aos 20 anos, visando à produção de lenha e madeira para serraria.
Talvez o Eucalyptus não seja a melhor espécie para ser usada como facilitadora no processo silvicultural de restauração, mas certamente, na região do projeto, era o melhor facilitador social para a conversão de áreas agrícolas em florestas, pelas perspectivas de geração de renda já a partir do quarto ano.
A previsão inicial era a de que as árvores nativas fossem plantadas como um banco de conservação genética, com coletas regionalizadas de espécies nativas importantes para a região. Dessa forma, cada Reserva Legal seria parte de um processo maior de conservação genética. 187 produtores efetivamente instalaram e registraram suas reservas legais no Instituto Ambiental do Paraná. Alguns plantaram as espécies nativas, outros não, mas o que aprendemos lá e em outras áreas é que a regeneração natural sob Eucalyptus é abundante e diversificada.
Os pesquisadores da Embrapa envolvidos no projeto retornaram à área e acompanharam a regeneração natural e o crescimento das florestas, quantificaram a produção de carbono da biomassa aérea e conversaram com produtores. De modo geral, os resultados foram positivos, tanto do ponto de vista dos produtores quanto do crescimento das florestas. Quem tiver interesse, pode ler sobre isso nas publicações “Regeneração natural em sub-bosque de Corymbia citriodora no Noroeste do Estado do Paraná” , ou no capítulo do livro “Serviços ambientais em sistemas agrícolas e florestais do Bioma Mata Atlântica”, intitulado “Sistemas mistos de espécies florestais nativas com eucalipto em propriedades rurais familiares na região Noroeste do estado do Paraná” .
Hoje, com o desafio das mudanças climáticas e com compromissos nacionais de se reflorestarem 12 milhões de hectares, a possibilidade de se usarem espécies de rápido crescimento (não precisa ser eucalipto, poderiam ser acácias, bracatinga, taxi-branco, etc.) talvez seja o mecanismo mais eficiente de indução de proprietários com passivos legais por insuficiência de Reserva Legal. E com uma vantagem, temos conhecimento silvicultural para levá-lo adiante.
Nosso desenvolvimento agrícola foi pautado em apoio governamental, financeiro, técnico e conjuntural. Se queremos restaurar florestas naturais, apoios semelhantes têm que ser estabelecidos, e a aceitação do uso de espécies de rápido crescimento como forma de financiamento da produção deve ser aceito universalmente.