Gerente de Desenvolvimento Florestal e Diretor Florestal da Duratex, respectivamente
Nas últimas décadas, em grande parte das vezes, associamos a evolução à tecnologia, à conectividade, e, nos últimos meses, estamos associando a evolução ao trabalho remoto e à possibilidade da reinvenção da forma de contato entre pessoas ou instituições.
O que a história nos ensina é que a evolução sempre esteve associada ao conhecimento, seja para resolver problemas, seja para melhorar a qualidade de vida, independentemente da tecnologia da informação. Grandes saltos da humanidade vieram através da troca de experiências, ou seja, da ampliação da capacidade de enxergar as coisas por diversos ângulos e, em muitas vezes, de se construírem laços entre civilizações.
Por outro lado, o digital é uma ferramenta importante para não apenas ganharmos velocidade, mas também para termos melhor qualidade nas integrações entre ideias e culturas. Não podemos correr o risco de gerar muita informação e de ficar conectados sem um propósito claro. Mas o que tudo isso tem a ver com florestas, silvicultura, Brasil? Tem tudo a ver!
Mas, antes de falarmos em avanços na tecnologia ou digital, vamos falar um pouco sobre cultura e resultados. Nossas florestas plantadas atingiram patamares sem precedentes de produtividade e capacidade de adaptação a diferentes ambientes. Saímos de florestas de eucalipto produzindo entre 15 e 20 m³/ha/ano, há 50, 60 anos, para valores que superam 60 m³/ha/ano, em tão pouco tempo, olhando-se para as características florestais. Isso, em grande parte, graças ao pioneirismo dessa forma de cooperativismo.
Através da troca de experiências entre profissionais de empresas florestais, assim como universidades e institutos de pesquisa, os resultados colocaram o Brasil no topo do mundo em florestas plantadas. Institutos foram criados, conexões foram fortalecidas, e objetivos em comum foram fundamentais para darmos foco ao que era necessário. Isso foi possível mesmo com pouca tecnologia da informação, mas com muita vontade de evoluir, visão de longo prazo, disposição para o compartilhamento de experiências e muita confiança no trabalho construído a várias mãos.
O setor florestal brasileiro desenvolveu naturalmente uma identidade própria e, até podemos arriscar dizer, única no mundo. Uma cultura de inovação, excelência nos processos, senso de urgência através da priorização das ações e da introdução de tecnologias focadas nas soluções de problemas.
Quando comparamos alguns setores, como industrial, agricultura e florestas plantadas, podemos notar enormes diferenças. A indústria normalmente se une com maior facilidade para trabalhar aspectos políticos e regulatórios, mas dificilmente para abordar assuntos técnicos, mesmo que pré-competitivos.
A agricultura apresenta trabalhos em conjunto, mas bastante ligados a ações comerciais e pouco vinculados ao desenvolvimento cooperativo entre produtores. Há também a presença forte do Estado, como podemos exemplificar no trabalho da Embrapa nas últimas três décadas.
Já o setor de florestas plantadas se diferenciou desenvolvendo laços entre universidades, institutos, e até mesmo entre empresas concorrentes, no objetivo maior: melhorar nossas florestas plantadas. Em algum momento ao longo do tempo, fomos perdendo o foco em ações vinculados a esse objetivo maior, e preocupações que não tínhamos começaram a ocupar boa parte do tempo de nossos debates.
Aos que possuem mais tempo de caminhada nos trabalhos cooperativos, deixamos aqui algumas perguntas para refletir: gastávamos nosso tempo discutindo coisas como compliance, royalties, NDA (Non-Disclosure Agreement)? Dedicávamos grandes esforços para análise de contratos e convencimento da importância de um projeto cooperativo?
Nossas energias eram direcionadas na troca de informações, em resolver problemas da floresta, na discussão de resultados, na geração de conhecimento e na aplicação dos aprendizados. E, voltando a falar em tecnologia, talvez essa falta de foco também se reflita na postergação em resolver problemas substanciais.
A mecanização da silvicultura é um bom exemplo disso. Ampliamos a quantidade e a precisão das ferramentas e tivemos diversos avanços, mas ainda não superamos desafios colocados à nossa frente há vários anos. Não viabilizamos, em escala técnica e econômica, o plantio mecanizado; ainda temos desafios no controle mecanizado de formigas cortadeiras; a tecnologia de aplicação de defensivos é ruim quando comparamos à da agricultura; nossos tratores e equipamentos, na maior parte dos casos, não foram projetados para nosso setor, causando enormes transtornos e perda de eficiência à operação florestal.
Desde o final dos anos 1990; falamos de silvicultura de precisão e ainda temos questões muito semelhantes às daquele tempo. Demos o devido foco e energia para esses desafios? Dentro do próprio setor, podemos fazer a comparação com a mecanização da colheita, onde o alto nível de tecnologia é viabilizado. Havia um foco claro naquele tempo: aumentar a segurança na colheita.
Outros setores do agro tiveram desafios enormes nas últimas décadas, e vemos os resultados alcançados, como a mecanização da cultura da cana-de-açúcar, a irrigação de grãos nas áreas mais secas, a fruticultura no Nordeste, a automação e a tecnologia aplicada à produção de proteína animal, entre muitos outros exemplos. Podemos aprender algo com esses setores? Qual foi o foco dado?
O setor florestal brasileiro tem a cultura e a capacidade de trabalhar de forma cooperativa, o que pouco vemos nesses outros setores. E o que muda neste novo cenário de pós-pandemia? Assim como no mundo todo, evoluiremos muito na agilidade, nos trabalhos remotos e nos resultados medidos pelas entregas, e não mais pelo tempo ou pelo esforço. Isso veio para ficar, mas precisou de uma pandemia dessas proporções para acelerarmos todo esse processo.
E na silvicultura? Será que esse cenário de coisas remotas não pode nos distanciar de colocar os pés na floresta (o Gemba da filosofia Lean)? Não deveríamos focar nos aspectos que estão travando o grande salto de que precisamos em tecnologia aplicada à silvicultura? Qual o papel das instituições e dos profissionais nesse novo cenário? Ele é diferente de antes ou devemos resgatar princípios deixados para trás? Estamos balanceando as ações de curto, médio e longo prazo?
Devemos nos debruçar nessas inquietudes para focar naquilo que resulta na real evolução: gerar conhecimento e colocar a ”mão na massa“ para resolver problemas na prática. Nunca podemos deixar de reconhecer o quanto nosso setor é vitrine de boas práticas e grande evolução ao longo das décadas, mas e daqui para frente? Não vamos tirar nenhuma lição dessa crise?
Podemos aprender muito com o momento atual, com os avanços da tecnologia e das conexões, modernizando nossos processos, mas não teremos o resultado desejado se não tivermos a cultura e os princípios sobre os quais o setor foi construído, além de definirmos claramente nosso foco. Trilhamos esse caminho de forma cooperativa e juntos construiremos a nova história. E, agora, ainda mais, alavancada pelo digital.