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Giselda Durigan

Pesquisadora do Instituto Florestal - Assis

Op-CP-07

Restauração florestal: aprendendo com os erros e acertos

Há cerca de três décadas, quando a restauração de matas ciliares passou a ser objeto de estudos técnico-científicos e de políticas ambientais, acreditava-se que bastaria descobrir quais espécies ocorriam às margens dos rios em determinada região e plantá-las segundo as técnicas já conhecidas da silvicultura. Mas, além da enorme dificuldade em identificar espécies, obter sementes e formar mudas, as árvores nativas plantadas não se estabeleciam, devoradas pelas saúvas ou sufocadas pelo colonião e pela braquiária.

Começou a era dos chamados modelos sucessionais de plantio: era preciso tentar imitar o processo natural de cicatrização de clareiras, plantando também espécies pioneiras, que, crescendo rapidamente, criariam o ambiente necessário para que as espécies mais sensíveis e de crescimento mais lento pudessem sobreviver.

Mas, levantamento recente da situação de quase cem plantios de restauração, baseados no modelo sucessional no estado de São Paulo, mostrou que muitas poucas áreas podem ser consideradas recuperadas. As explicações para o fracasso incluem a degradação dos solos, falta de cuidado com as mudas e baixa diversidade, com excesso de árvores pioneiras nos plantios.

Em busca de solução para os problemas encontrados, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo instituiu a Resolução SMA 21 (hoje SMA 08/07), que normatiza os plantios e estabelece, entre outras medidas, o número mínimo de espécies a plantar. A medida foi bem intencionada, mas tem sido quase impossível conseguir, para plantio simultâneo, mudas de 80 espécies, ecologicamente adaptadas a um determinado local de plantio.

Na prática, tendem a diminuir as iniciativas de plantio, pois quem não tem obrigação de plantar desiste ou planta espécies não adaptadas, com grandes chances de fracasso. Depois das tentativas de descobrir o que deu errado nos plantios para corrigir, agora estamos tentando descobrir o que está dando certo, para tentar reproduzir.

A análise de plantios antigos bem sucedidos, pela ótica do método científico, tem trazido à luz dados surpreendentes, que podem conduzir, no mínimo, à reflexão sobre os paradigmas vigentes. Primeiro, esses estudos têm mostrado que há plantios bem sucedidos que não seguiram modelo algum, incluindo até espécies exóticas. Assim, não se comprova a hipótese de que só plantios com espécies nativas podem ter sucesso.

Segundo, os tais plantios antigos bem sucedidos não incluíam espécies pioneiras, derrubando a hipótese de que sem a inclusão de pioneiras, a restauração não poderia dar certo. Terceiro, depois de algum tempo, as árvores plantadas contribuem pouco para a estrutura da floresta. Em um dos casos - em Cândido Mota, SP, após 28 anos, as árvores plantadas correspondiam a apenas 31% da floresta.

As outras, em sua maioria, foram introduzidas por animais dispersores de sementes, que trouxeram 63 espécies que não haviam sido plantadas, colocando por terra a hipótese de que a diversidade da área restaurada seria em função da diversidade do plantio. Reforçando esta constatação em outra área reflorestada, em Assis, SP, comparando nove modelos de plantio aos 17 anos, das 92 espécies encontradas em regeneração, apenas quatro haviam sido plantadas.

Além disso, o número de espécies regenerantes e sua densidade foram maiores sob um plantio puro, com uma espécie que oferece frutos para aves. A análise dos dados demonstrou que o sucesso da restauração depende mais da proporção de árvores plantadas que atraem a fauna, do que da diversidade no plantio. Mas, provavelmente, o resultado seria diferente se não houvesse árvores nativas na vizinhança, de onde os animais pudessem trazer sementes.

A percepção da importância da regeneração natural tem conduzido a um novo paradigma: a restauração sem plantio de mudas, introduzindo nas áreas degradadas apenas sementes ou serapilheira tirada das florestas nativas, ou instalando artefatos que atraem dispersores de sementes. Mas, há indícios de que estes métodos não funcionam bem em regiões com estação seca prolongada ou com solos arenosos, condições em que as sementes não germinam ou, se germinam, morrem na estação seca.

Não há, em suma, uma técnica que sirva para todas as situações. A única certeza, até o momento, é a de que, sem cuidado com as mudas, como controle de formigas cortadeiras e de gramíneas invasoras, por longo tempo, nenhuma iniciativa de restauração florestal poderá ter sucesso. Comprova-se, sim, a hipótese de que o abandono, geralmente mais do que qualquer outro fator, determina o fracasso dos plantios.

Neste momento, as atenções devem se voltar para técnicas de facilitação dos processos naturais de regeneração da vegetação. Isto passa pelo plantio de espécies facilitadoras (que melhorem as condições do solo ou atraiam dispersores, por exemplo), por técnicas que possibilitem o controle de plantas invasoras (tais como sistemas agroflorestais), ou por outras estratégias e artefatos, que facilitem a ocorrência dos processos naturais de regeneração das florestas.

Das árvores, se plantadas, devem-se esperar a proteção do solo e da água e a função de facilitar a chegada de sementes, a germinação e o estabelecimento de plantas nativas. A diversidade, não só de espécies, mas também de genótipos adaptados a cada local, será, aos poucos, naturalmente restituída, restabelecendo uma combinação que a seleção natural levou milhares de anos para construir e que modelo algum será capaz de reproduzir.

Há, ainda, muito o que aprender. O problema é que a partir do momento em que paradigmas transformam-se em dogma ou em lei, fecha-se, perigosamente, a porta para a busca de novos caminhos, dificultando a inovação, que é desejável também na restauração de ecossistemas. A inovação depende da abertura de espaço à criatividade e à experimentação, baseadas no princípio de que sempre é possível fazer melhor algo que, bem ou mal, já estamos fazendo.