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Giancarlo Pasquali

Professor Titular do Departamento de Biologia Molecular e Biotecnologia do Instituto de Biociências da UF-RS

Op-CP-41

A liberação comercial de eucalipto transgênico
Para muitos, biotecnologia é sinônimo de engenharia genética e transgenia, ferramentas empregadas com o objetivo maior de gerar organismos transgênicos ou “geneticamente modificados” (GM). Biotecnologia, porém, possui abordagens muito mais amplas que, além de incluir engenharia genética na forma das ferramentas de biologia molecular ou tecnologia do DNA recombinante, engloba disciplinas como biologia celular, genética, bioquímica, biofísica, microbiologia, engenharia química, tecnologia da informação, bioética, biodireito e biossegurança, entre outras.

Segundo a Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, “Biotecnologia significa qualquer aplicação tecnológica que faça uso de sistemas biológicos, organismos vivos ou seus derivados para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização específica”. Muito antiga, portanto, desde o intencional emprego de leveduras em processos fermentativos para a produção de pães, cervejas e vinhos e de bactérias e fungos para a obtenção dos mais diversos tipos de queijos até para a produção da ampla gama de antibióticos, vacinas e outros insumos farmacêuticos, a biotecnologia possui destaque consolidado na indústria alimentícia e farmacêutica, na agricultura e na pecuária, nas medicinas humana e veterinária e também na silvicultura.

Nessa última área, o sucesso da produção brasileira é consequência de vários fatores, tanto com espécies florestais destinadas à produção de frutas como para madeira, celulose e papel. Além das condições favoráveis de clima e solo, cabe destacar duas atividades biotecnológicas em particular: o trabalho de geneticistas que souberam combinar (cruzar) espécies e variedades e selecionar progênies de árvores muito mais produtivas, mais resistentes a doenças e pragas e mais tolerantes a estresses ambientais como seca e frio, e o desenvolvimento da clonagem em escala comercial, permitindo produzir milhares de mudas mensalmente a partir de alguns exemplares “elite”, por meio da estaquia e de outros métodos de propagação clonal.

Videiras, macieiras, coníferas e, com maior relevância, laranjeiras e eucaliptos são exemplos de arbóreas cuja produção comercial brasileira destaca-se mundialmente. Com a maior produtividade mundial em madeira de eucalipto, não é surpresa que o Brasil tenha sido o primeiro país a liberar comercialmente um eucalipto GM. Economicamente, a relevância do setor florestal brasileiro, eminentemente baseado na eucaliptocultura, é inquestionável.

Em 2013, o setor brasileiro de árvores plantadas contribuiu com 1,2% do produto interno bruto; empregou, direta ou indiretamente, quase 5% da população economicamente ativa do País, com florestas plantadas em cerca de 7,6 milhões de hectares. Os maciços florestais de eucalipto são transformados em celulose, em papéis de escrita e impressão, papéis sanitários, absorventes e fraldas, papel cartão e embalagens, paineis de madeira (MDF, MDP, chapas), pisos laminados, madeira serrada (vigas, tábuas e sarrafos) e tratada (mourões, cercas, postes e dormentes), carvão vegetal (ferro gusa e aço), móveis, madeira e pellets para energia.

 
Para obter a liberação comercial do eucalipto GM, a FuturaGene Brasil Tecnologia Ltda, subsidiária da Suzano Papel e Celulose, submeteu à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) um relatório de biossegurança com mais de 280 páginas. Nesse relatório, além da descrição técnica de como foi obtido o vegetal GM, foi apresentada uma série de resultados de experimentos e avaliações de biossegurança realizados ao longo de mais de oito anos, seguindo orientações da Resolução Normativa nº 5 da própria CTNBio.

As discussões na CTNBio desdobraram-se por cerca de 15 meses, entre a submissão do pedido, em janeiro de 2014, até a decisão, em abril deste ano. Esse processo foi semelhante ao realizado por duas dezenas de outras empresas para a liberação comercial de plantas GM de soja, milho, algodão e feijão, além de leveduras, bactérias ou derivados recombinantes utilizados como vacinas, em prazos que variaram de 6 meses a 8 anos, desde o início das atividades da CTNBio, em 1995. 

 
A partir da decisão favorável da CTNBio, a empresa FuturaGene fica autorizada a realizar plantios comerciais de um híbrido GM de eucalipto (Eucalyptus grandis x E. urophylla) capaz de produzir duas novas proteínas: uma glicanase de origem vegetal (gene isolado de Arabidopsis thaliana) e uma neomicina-fosfotransferase bacteriana (proveniente de Escherichia coli).

Enquanto a última proteína confere às plantas a resistência a antibióticos derivados da neomicina, o que foi importante para a geração e a seleção da planta GM em laboratório, a primeira proteína é a que agrega valor às árvores, promovendo um ganho de biomassa, principalmente na forma de celulose, de aproximadamente 20% em relação às plantas convencionais. Em outras palavras, em condições ideais de cultura, as árvores GM acumularão mais celulose que as convencionais no mesmo período de tempo.

 
A partir do relatório de biossegurança, a ampla maioria dos membros da CTNBio entendeu que o eucalipto GM da FuturaGene é seguro para a liberação comercial, não oferecendo riscos às saúdes humana e animal e ao equilíbrio do meio ambiente. Aprovado na CTNBio quanto aos aspectos científicos e técnicos, o pedido de liberação comercial do eucalipto GM seguiu ainda para o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), instância superior constituída por ministros de Estado e que validou a liberação quanto aos aspectos social, econômico, político, religioso e cultural, entre outros. Até o presente, o CNBS jamais vetou um produto GM considerado seguro pela CTNBio.
 
A adoção comercial de variedades GM de eucalipto é um verdadeiro marco do melhoramento genético e da produção florestal, tal qual o foi para espécies agrícolas como soja, milho e algodoeiro. O fato de se tratar de um vegetal GM com incremento da produtividade é, por si só, um marco também para a ciência. Até então, plantas GM com tolerância a herbicidas e/ou com resistência a insetos foram as únicas a lograr sucesso mundial.

No Brasil, um feijoeiro GM com resistência ao vírus-do-mosaico-dourado foi aprovado comercialmente pela Embrapa junto à CTNBio, sendo outro exemplo do investimento brasileiro em biotecnologia de ponta. À semelhança do feijoeiro GM, o eucalipto GM com aumento de produtividade pode, agora, entrar em fase de multiplicação para abastecer futuros produtores. Só então o sucesso comercial poderá ser verdadeiramente avaliado, e, até lá, outras novidades GM serão apresentadas.