A proteção florestal, até pouco tempo, se restringia ao manejo de pragas, doenças e plantas daninhas, incluindo as ações preventivas e de combate aos incêndios florestais. Mais recentemente, com o aumento das variações do padrão climático e consequente impacto sobre a produtividade florestal, torna-se necessário ampliar esse escopo de atuação.
Na última década, foi possível observar eventos de queda de produtividade florestal em diferentes regiões do País, quase sempre associados aos eventos extremos e, ou, de alteração do padrão climático. Considerando essa nova realidade, a proteção dos plantios depende agora de uma visão mais abrangente, incluindo o estudo e o desenvolvimento de opções de manejo para as doenças abióticas.
Mas, antes de qualquer coisa, é importante esclarecer o que é uma doença e como podemos diferenciar as doenças bióticas daquelas abióticas. Em patologia florestal, doença é qualquer desvio das funções normais de uma planta, que, em última análise, podem afetar seu crescimento, produção e/ou sobrevivência. As doenças bióticas são causadas por agentes biológicos patogênicos, como fungos e bactérias, por exemplo.
Por outro lado, as doenças abióticas são causadas pela falta, excesso ou a combinação desses desvios para um ou vários fatores ambientais. O distúrbio fisiológico e o déficit hídrico, por exemplo, são doenças abióticas do eucalipto.
As doenças abióticas não são transmissíveis, a incidência ocorre de forma uniforme, e os sintomas aparecem, muitas das vezes, de forma simétrica. Mas, apesar dessas características bem definidas, existe, normalmente, muita dificuldade para o estudo e o desenvolvimento de formas de manejo desse grupo de doenças.
Em contrapartida, as doenças bióticas envolvem a participação de agentes patogênicos que podem ser facilmente visualizados, isolados e inoculados em plantas sadias para confirmação e estudos de causa e efeito. Para esse grupo de doença também é possível, mais facilmente, estabelecer as condições favoráveis, e que, por consequência, novos métodos de controle sejam estabelecidos, incluindo, por exemplo, a seleção de clones resistentes.
Como as doenças abióticas são causadas por fatores ambientais, considerando a escala espaço temporal da cultura do eucalipto, existe muita dificuldade de simular ou induzir variações para estabelecer uma relação de causa e efeito. Essas dificuldades acabam por restringir o desenvolvimento de novas tecnologias. Por exemplo, a descoberta das causas que levam ao distúrbio fisiológico do eucalipto demandou o uso de ferramentas mais robustas de análise, incluindo modelagem big data.
Como outro exemplo mais simples, embora se saiba que é possível selecionar clones de eucalipto mais eficientes quanto ao uso de água e demais recursos do ambiente, poucos métodos e ferramentas foram desenvolvidos até o momento. A falta de metodologias limita a seleção de clones mais tolerantes ao déficit hídrico, podendo restringir a produtividade da cultura do eucalipto em determinadas regiões.
A produtividade florestal, de forma didática, pode ser determinada pelo efeito isolado e pela interação entre genótipo e o ambiente, sendo que este último fator considera as condições edafoclimáticas e de manejo adotado. A melhor interação entre esses fatores, desde que sob uma adequada proteção florestal, lhe permite aproximar a produtividade real daquela atingível. Se não existisse a limitação de recursos do ambiente seria possível aumentar a produtividade até o máximo potencial.
Essas considerações são importantes para demonstrar o impacto das doenças abióticas, as quais são inerentes da limitação dos recursos do ambiente. Atualmente, com os primeiros impactos das mudanças climáticas observados sobre a produtividade florestal, torna-se não só importante buscar tecnologias para aumento como também para manutenção dos patamares de produtividade já alcançados.
Considerando esse objetivo, ou seja, de redução dos riscos e a manutenção da produtividade, torna-se interessante discutir a estratégia de florestas resilientes às variações do padrão climático. Resiliência é um termo oriundo do latim resiliens, que significa voltar ao estado normal. No contexto da ecologia, a resiliência é a aptidão de um determinado sistema que lhe permite recuperar o equilíbrio depois de ter sofrido uma perturbação. Esse conceito parece bastante apropriado para lidar com as perturbações, agora mais frequentes, representadas pelas variações do ambiente.
Talvez seja importante esclarecer que resiliência é mais abrangente e pode englobar o uso dos conceitos de resistência e tolerância. Em fitopatologia, resistência é uma característica de determinados genótipos que o tornam, seja pela expressão de um ou vários genes, menos afetados ou até mesmo imunes ao ataque de um patógeno.
Enquanto que tolerância é a capacidade de determinados genótipos, sob a mesma intensidade de uma doença, em produzir mais ou menos em relação ao outro genótipo. A resistência é medida em termos de intensidade da doença de forma absoluta, enquanto a tolerância sempre é aferida em termos de produtividade e de forma relativa, comparando-se os genótipos.
Superadas as necessidades de definição dos conceitos, ainda cabe ressaltar as dificuldades encontradas até o momento para o desenvolvimento e a aplicação do conceito de florestas resilientes. Infelizmente, ainda são poucos os especialistas dedicados a essa área de estudo aplicada, especialmente com culturas florestais. Além das dificuldades de ferramentas e de metodologias, a falta de profissionais dedicados ao estudo das interações entre o eucalipto e o ambiente é uma forte limitação.
Considerando as mudanças climáticas e a necessidade de expansão da base florestal para áreas marginais, em termos de qualidade edafoclimática para a cultura do eucalipto, acredita-se que as doenças abióticas deverão assumir destaque entre os principais fatores limitantes da produtividade florestal.
Sendo assim, é necessário que o desenvolvimento de conhecimento e de tecnologias nessa área seja compatível com o que é normalmente observado, por exemplo, para o manejo de doenças bióticas. Tão logo uma nova doença biótica é detectada, rapidamente se faz o seu diagnóstico, o patógeno é identificado e opções de avaliação e seleção de clones resistentes são disponibilizadas.
Nos casos de introdução de uma nova praga, por exemplo, rapidamente se é identificado um novo inimigo natural, o qual é prontamente utilizado para o controle biológico. Essas e demais alternativas são utilizadas, de forma complementar, para produzir os efeitos do manejo integrado de pragas e doenças.
Para as doenças abióticas, é necessário seguir o mesmo caminho, mesmo que, para isso, seja necessário repensar o que hoje é praticado e o que se faz de investimento em pesquisas nas empresas florestais e nas instituições de pesquisa. Ou seja, é preciso desenvolver o manejo integrado de forma mais ampla, incluindo o desenvolvimento de tecnologias para o manejo das doenças abióticas, visando reduzir os riscos para a produtividade florestal.
Para complementar, é preciso repensar a estrutura de conhecimento. O estudo das doenças abióticas e o desenvolvimento de florestas resilientes às variações do ambiente requerem atuação de conhecedores multidisciplinares. É preciso conhecer, mesmo que não profundamente, diferentes conceitos e ter total domínio de cada fase do processo produtivo florestal.
Como alertado anteriormente, espera-se que os desafios para a manutenção da produtividade sejam ainda maiores daqui para frente, o que demanda repensar as tecnologias aplicadas na proteção florestal, especialmente para as doenças abióticas do eucalipto.