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Nelson Barboza Leite

Consultor especialista em floresta

Op-CP-42

Certificação, sustentabilidade... e agora?
A silvicultura brasileira, em 50 anos, deu salto extraordinário em seu desenvolvimento técnico, social e ambiental. A tecnologia dobrou a produtividade das florestas, avançou e alcançou indicadores qualitativos admiráveis. Diversificou o uso e valorizou a madeira. Nos dias atuais, a madeira das florestas plantadas está na vida das pessoas. E poderia ocupar espaço ainda maior se não fosse, segundo o Professor Garcia da Esalq/USP, “a cultura de cimento e de ferro do brasileiro”. 
 
Mas, mesmo assim, estão se abrindo novas e promissoras oportunidades para a madeira e florestas. Tudo com mercados crescentes e valores econômicos interessantes. O trabalhador florestal saiu da quase indigência e passou a viver dignamente com a família – para o meio rural brasileiro, essa evolução foi mais impactante do que o desenvolvimento tecnológico. Em muitas regiões, o trabalhador florestal foi o primeiro a ter carteira assinada, ser transportado decentemente, comer comida quente no campo e ter seus direitos trabalhistas respeitados. Uma revolução aonde chegou, e ainda quando chega, a silvicultura.

E os valores ambientais integraram-se aos procedimentos normais de se formar floresta. Deixou de ser uma obrigação ou desperdício de recurso e se transformou em complemento do bom manejo florestal. Tudo isso foi resultado de trabalho, pesquisa e profissionalismo. Crescente demanda, grandes empreendimentos, recurso financeiro envolvido e, consequentemente, muita exposição. A contínua evolução foi quase uma consequência natural. Há, no entanto, um fato marcante no decorrer desse tempo, que contribuiu de forma decisiva na consolidação desse processo: a certificação florestal. É muito difícil quem negue essa enorme contribuição. 

 
Foi o reconhecimento que faltava àquelas empresas, que zelavam pelos valores técnicos, sociais e ambientais. De repente, todos sabiam distinguir quem fazia e quem não fazia. Emplacar a certificação não foi tão simples. Foi uma batalha superar a teimosia dos que achavam que era mais engessamento para o setor, que ia diminuir a competitividade da silvicultura brasileira e que era desperdício de recurso, perda de tempo e “frescura de ecologista”. 
 
O tempo foi passando, e logo se percebeu que a organização de dados, informações e acompanhamento de diferentes indicadores fazia parte dos procedimentos normais de uma empresa organizada. Respeitar a legislação não entra nessa conta, pois sempre foi obrigação de toda empresa. Num determinado momento, a certificação era uma referência de qualidade, de respeito aos aspectos sociais e ambientais. E fazia a diferença. Muitas empresas se criaram para cuidar da certificação. Surgiram consultores especializados para preparação de empresas, para treinamento de pessoas, para habilitar empreendimentos à certificação e por aí vai... Os principais sistemas de certificação – FSC e Cerflor – cresceram, foram discutidos, sofreram adaptações, abriram atalhos daqui e dali e foram juntando mais e mais interessados. 
 
A silvicultura teve ganhos expressivos e passou a ser considerada atividade exemplar no tocante ao respeito à legislação ambiental, social e trabalhista. Daí a se falar em sustentabilidade foi um pulo. Na verdade, quando se junta e se consegue o equilíbrio entre valores técnicos, sociais, econômicos, ambientais e culturais, já se está imbuído dos princípios da sustentabilidade. E como a grande maioria das empresas se encontravam certificadas, foi muito simples à silvicultura colocar mais alguns adornos e receber o batismo da sustentabilidade.

E, assim, os procedimentos silviculturais atingiam, reconhecidamente, um alto patamar de qualificação. E, naturalmente, começava uma nova luta. Agora para se manter na posição conquistada. A sustentabilidade é, antes de tudo, um processo dinâmico e exige constante preparo para mudanças e melhorias. Na verdade, o dinamismo é uma das principais características da atividade sustentável. Empresários, consultores, pesquisadores, etc., todos exaltam a sustentabilidade da silvicultura, mas, com certeza, há certo desconforto com problemas que, vez ou outra, pipocam daqui e dali.

E, então, vem a dúvida: será que abaixaram a régua da certificação? Fica a sensação de que a certificação já não é suficiente para diferenciar empresas. Fala-se em fomento e parceiros mal atendidos, em madeira comprada a preços vergonhosos, em contratos descumpridos, em terceiros na justiça, etc. Grandes empreendimentos paralisados e municípios blindados por florestas, gente treinada e desempregada, compromissos esquecidos e comunidades abandonadas.... São sinais de que falta alguma coisa? 

 
Será que a certificação, que, depois, passou a ser sinônimo de sustentabilidade, não alcançou todo o leque de responsabilidades da silvicultura? Está na hora de se pensar em novos parâmetros para se diferenciar os empreendimentos? O que diferencia a silvicultura de outras atividades rurais? Na verdade, há uma diversidade de características específicas da silvicultura, e talvez sejam essas diferenças que estejam a desejar tratamento adequado. Quando bem instalada, passa por várias gerações. Quando se trata de um grande empreendimento, é abrangente e abarca comunidades e vários municípios.
 
É quase insubstituível e cria uma grande dependência nas populações envolvidas. Tem um jeitão de “coisa para sempre”. Seriam razões para se exigir mais da silvicultura? E aí, cabem algumas considerações para reflexão:
 
1. Aparentemente, o tripé da sustentabilidade está baseado em aspectos técnicos, sociais e ambientais. O aspecto técnico e ambiental tem muito de obrigatório e tangível. O social tem muito de obrigatório e muito de facultativo, com forte apelo ético e não tangível. Programas de fomento, construções de estradas de acesso, participação em programas de educação e saúde, treinamento de mão de obra, etc., são algumas das contribuições sociais de grande impacto nas comunidades.
2. As contribuições sociais misturam as responsabilidades de governo com as iniciativas voluntárias de empresas e transformam colaboração em obrigação. Não é fácil encontrar-se o ponto de equilíbrio, mas vira um desastre quando a colaboração é paralisada. E repercute em toda a silvicultura.
3. O fomento florestal, pelos laços que ligam os interessados, pelas expectativas geradas, obrigações e responsabilidades das partes envolvidas, aparentemente, tem peso significativo nas relações de empresas e comunidades. E, talvez, exigisse mecanismos formais mais realistas e mais justos, principalmente no que diz respeito aos valores da madeira produzida e comercializada. O baixo valor da madeira praticado nas negociações cria impactos negativos, desastrosos e irreversíveis em certas regiões. E repercute em toda a silvicultura.
4. A silvicultura, que blinda alguns municípios e impossibilita qualquer outra atividade rural, teria que criar alternativas para uso da madeira e da floresta. A cara da silvicultura “para sempre”, e sem opções às comunidades, deixa pesada sensação de prisão e submissão. Gera insatisfação. E repercute em toda a silvicultura.
 
O importante é que há empresas e profissionais conscientes dessas dificuldades e lutando para superá-las. Há quem já esteja pensando até na qualidade da madeira para nichos específicos. É por esses esforços, às vezes isolados, que a silvicultura continua crescendo e se desenvolvendo. Quem sabe não estejam surgindo novos valores para se distinguir empresas e produtores florestais.