Professor da UF do Pernambuco
Op-CP-07
O semi-árido nordestino possui uma enorme diversidade de situações ecológicas. Por definição, a água é escassa numa escala regional, mas na escala local varia muito. As chuvas, apesar de poucas e irregulares, vão de cerca de 300 a 1000 mm anuais. A água escoada forma rios e lagoas, muitos temporários e outros permanentes, onde a deficiência hídrica é pequena ou inexistente. Já nos extensos lajedos, a disponibilidade de água é mínima.
A paisagem abriga desde depressões sertanejas, solos rasos e pedregosos, aos grandes planaltos de solos profundos e arenosos. Toda esta diversidade de situações abriga uma flora riquíssima, que vem evoluindo por milênios, de forma a se adaptar às distintas características locais. A maior parte desta flora pertence à vegetação de caatinga.
Mais de mil espécies de árvores e arbustos da caatinga já foram identificadas e há um número ainda maior de espécies herbáceas. Estima-se que cerca de 30% destas espécies ocorram apenas na caatinga. A maior parte delas é usada, de alguma forma, pela população da área, uma das mais densas, entre os semi-áridos do mundo. Apesar deste uso, pouco se sabe sobre elas.
A prática, até recentemente, era explorar o que existia, sem muito estudo e quase nenhum melhoramento. Enquanto as nativas eram pouco valorizadas, espécies de fora, como a algaroba, foram tratadas como a salvação do semi-árido, até se descobrir que não correspondiam aos resultados esperados e se recomeçar o ciclo com uma nova planta milagrosa.
Desde a colonização portuguesa, o semi-árido nordestino vem sendo uma área de pecuária, usando a caatinga como pasto. Ainda hoje, a pecuária é a principal atividade econômica rural e os pastos nativos correspondem a mais de 80% da área de pastagens. O número de espécies que servem de alimento aos animais atinge as centenas.
A área é considerada um celeiro de leguminosas forrageiras e algumas foram levadas para o exterior, melhoradas, e hoje suas sementes são vendidas no mercado externo. O Brasil não participa deste mercado e até mesmo internamente é difícil encontrar sementes destas e das outras espécies forrageiras. A produção de lenha e carvão em áreas de caatinga provê cerca de 30% da matriz energética da região. Quase toda vem de áreas desmatadas totalmente, às vezes plantadas por alguns anos e depois abandonadas, para que a vegetação nativa cresça de novo, até recomeçar um novo ciclo.
Muitas espécies são reconhecidas pela capacidade de crescimento e pela qualidade da madeira. Semear estas espécies nas áreas abandonadas é uma prática que acelera o ciclo e aumenta a produtividade, no entanto, ainda é pouco seguida. Pastagem e lenha são usos de plantas bem estabelecidos, nos quais várias espécies são aproveitadas, em conjunto. A produção de mel de abelhas também faz uso de muitas espécies e é uma atividade crescente na região.
As espécies mais importantes para o forrageamento das abelhas estão sendo identificadas e estudadas e seu plantio em sistemas agro-silvopastoris é uma prática recomendada. Há outros usos das plantas nativas, de caráter mais específico. Alguns são bem explorados e outros em potencial. A cera de carnaúba e o óleo de oiticica estão na pauta de exportação brasileira, há muitas décadas.
A exportação tem caído, porque áreas de produção são desmatadas e as populações nativas não têm sido repostas. Plantios comerciais praticamente inexistem. Há, ainda, exportação em pequena escala de óleos essenciais, de espécies dos gêneros Lippia e Croton, um vasto mercado potencial na indústria de cosméticos e aromatizantes. Óleo e cera de licuri são importantes em regiões produtoras da Bahia, mas com decréscimo progressivo da população das plantas.
Algumas outras espécies são produtoras potenciais de óleos e ceras, mas, atualmente, pouco exploradas. O mercado de frutas e seus derivados (polpas, sucos, geléias, sorvetes e doces) está em expansão em todo o mundo. O Brasil tem uma enorme variedade de frutas ainda pouco exploradas e a caatinga tem algumas que fazem parte deste elenco.
O umbu é a principal, largamente apanhado na vegetação nativa e com alguns plantios comerciais. A pesquisa tem avançado na solução de alguns entraves ao seu maior uso, como a grande variedade de tipos e a safra concentrada em período curto. O aproveitamento integrado com o de frutas produzidas sob irrigação é uma alternativa viável.
O conhecimento popular do uso de espécies da caatinga como medicinais vem se acumulando, desde a chegada dos primeiros indígenas. Nos últimos anos, a comprovação científica de efeitos e o isolamento e a determinação de princípios ativos têm avançado bastante. O potencial é grande, porque plantas de zonas áridas acumulam mais princípios que os de zonas úmidas.
O trabalho científico e médico exige um enorme investimento em recursos humanos e laboratoriais. Como o Brasil tem investido pouco na área, grande parte das pesquisas têm sido feitas no exterior. Os resultados negativos são as patentes registradas fora do Brasil. O uso comercial das espécies da caatinga, como o das nativas do Brasil em geral, até pouco tempo vinha sendo feito de forma extrativista, sem maiores preocupações com a conservação dos recursos e sem maiores estudos para a racionalização e otimização da produção.
Nos últimos anos, este quadro começou a mudar. Um exemplo é o projeto do Ministério do Meio Ambiente sobre plantas nativas com potencial econômico, que incluiu um subprojeto sobre plantas da caatinga. Dele resultou o livro “Espécies da flora nordestina de importância econômica potencial”, publicado pela Associação Plantas do Nordeste. São os primeiros passos do que se espera ser uma caminhada contínua no resgate deste enorme potencial brasileiro.