Professor de Silvicultura e Ecologia da Esalq-USP
Op-CP-04
Em uma região, a produção de bens madeireiros e não-madeireiros, oriundos de florestas plantadas e de produtos agrícolas ou de origem animal, pode ocorrer, basicamente, de três formas: (a) Monocultivo: em propriedades especializadas, ou seja, existem fazendas estritamente florestais, agrícolas ou de pecuária; (b) Misto: em fazendas onde há florestas comerciais e agricultura ou pecuária, porém em áreas fisicamente distintas; e (c) SAF: em Sistemas Agroflorestais ou Silvopastoris, quando a produção florestal e agrícola/pastoril ocorre na mesma unidade de área.
É natural que as próprias aptidões do proprietário e da propriedade, aliadas às particularidades de cada sistema produtivo (cultivo, colheita e comercialização), tendam a favorecer o monocultivo. Assim, temos, por exemplo, desde pequenos produtores especializados no cultivo de alface ou feijão, até as grandes propriedades especializadas no cultivo de soja, cana, eucaliptos ou na criação de gado.
Dentro deste contexto, sempre haverá conversões de um monocultivo para outro, influenciadas pelas oscilações de rentabilidade das culturas. Assim, seria plausível assumir que a conversão de monocultivos agrícolas ou pastoris em monocultivos florestais não deveria ser fator de crítica ou preocupação da comunidade, mas não é o que geralmente acontece.
Em geral, confronta-se o aspecto alimentício dos sistemas agrícolas e pastoris, com o não alimentício da madeira, dando-se a entender que o produtor que adere a tal opção está sendo obrigado a fazê-lo, o que obviamente não é verdade. O produtor, mais do que ninguém, sabe fazer as contas e optar pela conversão mais favorável, e que pode implicar, algumas vezes, em sacrificar parte de sua aptidão pessoal.
Porém, a percepção social é diferente daquela do produtor, pois a própria concentração urbana no Brasil cria sentimentos distintos do homem-rural e do homem-urbano, sobre as opções de uso do solo. É justamente devido a estas complexidades que os programas de fomento, capitaneados por grandes empreendimentos florestais, não podem ser únicos em seu formato de uso do solo.
Pelo contrário, devem oferecer diferentes opções, que contemplem os sistemas de monocultivo, misto e SAFs, de forma economicamente viável e socialmente adequada, a cada realidade local. Desta forma, aumenta-se a probabilidade de que a expansão da base florestal possa ocorrer concomitantemente à manutenção da produção de bens alimentícios e à satisfação dos produtores, em manter sua aptidão pessoal.
Embora soe utópico num primeiro momento, exemplos de sucesso de tais iniciativas servem para quebrar paradigmas, tanto do lado do produtor, como das grandes empresas florestais, e reforçam a idéia de que os programas coordenados de fomento devem incentivar os testes e aprimoramentos dos sistemas mistos e os SAFs. Isto não implica em dizer que os SAFs devam ser obrigatórios, mas apenas que se eles não forem adequadamente estudados e logisticamente apoiados, dificilmente poderão ser implementados, acarretando a manutenção da visão equivocada de que o fomento florestal é antagônico à produção de alimentos.
Os SAFs vêm sendo estudados há muito tempo por instituições de pesquisa, como Embrapa, UFV, USP, UFSM, dentre outras, e diversas empresas florestais, e tomaremos dois exemplos distintos sobre seu potencial de adequação, frente a realidades de alto consumo de madeira, num nível de baixa tecnologia (subsistência) e outro de alta tecnologia (intensivo).
O primeiro exemplo vem da Índia, onde uma fábrica moderna de celulose (ITC) está 100% apoiada em 46.000 ha de plantações florestais de pequenos produtores, com propriedades de 0,5 a 4,0 ha. Como há necessidade premente da produção de bens agrícolas, faz-se, no período chuvoso, o cultivo de plantas entre as linhas das florestas, que são clones com aptidão local e com baixo índice de área foliar, permitindo o cultivo intercalar.
É ampla a variação de clones (Eucalyptus e Leucaena) e de culturas (pimenta, melancia, arroz, amendoim, algodão, forragens), sendo estas de livre escolha dos produtores. O segundo exemplo de produção intensiva, vem sendo praticada, de norte a sul do Brasil, há duas décadas, utilizando diversas modalidades do sistema SAF, ora com agricultura (principalmente arroz, milho e soja), ora com pecuária, porém de formas isoladas e descontinuadas no tempo.
Podemos citar iniciativas de empresas florestais como VCP, Ripasa, Suzano, CVRD, Gerdau e Aracruz, dentre várias outras. Nestes casos, as áreas manejadas são grandes (centenas de hectares) e a complexidade inerente a cada cultura é, na maioria das vezes, resolvida através da terceirização das atividades, ou seja, o cultivo da floresta é efetuado pela empresa, enquanto o cultivo agrícola ou pastoril é realizado por uma empresa agrícola ou comunidades locais.
Nota-se, assim, que as possibilidades de inserção florestal–agrícola são inúmeras, pelas flexibilidades do arranjo dos sistemas de monocultivo, misto e SAFs na paisagem, sendo que a proporção entre eles, e suas tipificações, variará para cada região. Estas definições, com a inserção positiva do fomento florestal numa região, será tanto mais rápida, quanto mais articulados forem as ações conjuntas das empresas florestais, das Universidades e Institutos de Pesquisas, dos órgãos de Extensão Rural e das Cooperativas de Produtores locais.