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Jomar da Paes Pereira

Pesquisador do Instituto Agronômico do Paraná

Op-CP-07

Uso comercial de espécies nativas: Seringueira

Borrachas ou elastômeros são materiais poliméricos, que se distinguem pela capacidade de retornarem rapidamente à forma e dimensão originais, quando submetidas a um esforço de deformação. A borracha natural é uma importante matéria-prima agrícola, indispensável para a manufatura de um amplo espectro de produtos, envolvendo quase todos os ramos da atividade humana.

Trata-se de um produto estratégico renovável que, ao lado do aço e do petróleo (matérias-primas não renováveis), constitui-se num dos alicerces que garantem o progresso da humanidade. A borracha natural é produzida a partir da espécie Hevea brasiliensis (Willd. Ex. A Juss) Muell. Arg., pertencente ao gênero Hevea e à família Euhphorbiaceae, cujo habitat natural é a região Amazônica, onde são encontradas cerca de onze espécies, ocupando os limites da Amazônia brasileira e países limítrofes como Pará, Bolívia, Equador, Colômbia, Surina-me, Guianas e Venezuela.

No Brasil, a sua distribuição geográfica abrange os estados do Amazonas, Pará, Acre, Amapá, Roraima, até o meridiano 46º, ao noroeste do do Maranhão, norte de Mato Grosso e Rondônia. Ao contrário da grande maioria das plantas cultivadas, é uma espécie que vem sendo domesticada no mundo moderno, em virtude da sua grande importância, como produtora de matéria-prima essencial. Sua domesticação constitui-se no evento mais importante da história da heveicultura e é tão recente que as suas características de árvore nativa da Amazônia quase não mudaram.

O marco importante da sua domesticação deveu-se ao inglês Henry Alexander Wickham que, em 1876, com auxílio dos índios Mura, coletou, na região do Boim, no vale do Tapajó, PA, cerca de 70.000 sementes (350 kg), as quais, enviadas a Londres, produziram uma germinação de 2.800 sementes, cujas plântulas, levadas para o Sudeste Asiático, forneceram a base para a formação do império gumífero, que se estabeleceu no Oriente.

A partir daí a domesticação da seringueira passou por distintas etapas, sendo a primeira com plantios oriundos de propagação sexuada, apresentando grande variabilidade vegetativa e produtiva. O segundo passo foi dado por Ridley, em 1896, com o desenvolvimento do sistema de corte contínuo do painel, em substituição à sangria Amazônica, causando pouco dano às árvores e possibilitando até 100 sangrias anuais e aumento de produção.

Outro passo importante foi a descoberta do processo de propagação através da enxertia, em 1919, por Van Helten e Boode Tass, modificado por Forkert, possibilitando a seleção e multiplicação de matrizes de alta produção, dispersas em seringais, formados via sementes, oriundas de polinização aberta, cuja produção era, em média, 450 kg/ha, passando para até três vezes mais.

O passo fundamental foi dado com a hibridação seletiva de matrizes de alta produção e clones superiores, mediante polinização controlada, possibilitando aumentos de até seis vezes mais, em relação às primeiras matrizes de Wickham. Pelo exposto, observa-se que nenhuma outra espécie nativa teve recorde de produtividade e impacto tão significantes sobre o progresso da humanidade, no decorrer dos primeiros 100 anos de sua domesticação, como a seringueira.

 Noinício do século, o Brasil ocupou posição de destaque como produtor e exportador de borracha natural, extraída dos seringais nativos da Amazônia. Contudo, a partir de 1951, passou à condição de importador do produto, situação que perdura até os dias atuais (64% do consumo interno), a despeito de ser um dos poucos países no mundo a dispor de condições de clima, solo e uma fonte quase inesgotável de germoplasma, fatores indispensáveis para a expansão e o desenvolvimento da cultura.

Atualmente, a área cultivada com seringueira no mundo gira em torno de 11 milhões de hectares, para uma produção anual de 8 milhões de toneladas, sendo a atividade socioeconômica mais importante em muitos países, envolvendo milhões de pequenos produtores, com áreas variando entre 0,5 ha a 5,0 ha, representando mais de 80% da produção.

A crescente industrialização de países como China e Índia, contribui para aumentar, a cada dia, a demanda por borracha natural, projetando um consumo estimado de 38 milhões de toneladas para o ano de 2030, dos quais 20 milhões de toneladas seriam cobertos com a produção de borracha sintética e 18 milhões pela borracha natural, gerando um déficit projetado de 8 milhões de toneladas.

A escassez de borracha natural será muito forte nos próximos anos, a depender dos preços elevados do produto, acompanhando a cotação da borracha sintética e do petróleo, cujas reservas, seguindo o cenário atual, estão previstas para serem extintas dentro de 60 e 70 anos. Em 2005, a produção mundial foi inferior ao consumo, em cerca de 60 mil toneladas.

O Brasil, com uma cadeia produtiva assentada em quatro elos: os consumidores (mercado nacional e exterior); o setor produtivo (extrativista e de cultivo); setor beneficiador (usinas e mini-usinas) e o industrial (indústria de pneumáticos), 81% do consumo e de artefatos leves - 19% contribuem para uma produção de 105 mil toneladas em 2006, para um consumo total de 295 mil toneladas.

O déficit de 190 mil toneladas é coberto com a importação de 186 mil toneladas, procedentes 58,4% da Tailândia; 26,1% da Indonésia; 13,0% do Vietnã e 2,6% da Malásia. O crescimento da demanda anual em 5% a.a. projeta, para o ano de 2030, um consumo total de 1,25 milhões de toneladas, requerendo, ao país, o plantio de 1,25 milhões de hectares, para atingir a auto-suficiência e gerar excedentes exportáveis. Nesse contexto, a Amazônia poderá contribuir com o adensamento dos seringais nativos, mediante o raleamento de sombra, em plantas subemergentes, situadas ao redor de matrizes produtivas e plantio de clones produtivos, às margens de rios largos.

Nas áreas de escape ao Microcyclus ulei (sudoeste do Maranhão, Zona da Mata de Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo e Paraná), o plantio produtivo de clones orientais e nacionais ocupará áreas que apresentam período seco definido, durante o reenfolhamento e em áreas com sazonalidade climática, condicionada por verões quentes e chuvosos e invernos frios e secos, compatíveis com a plasticidade da seringueira e danosos às enfermidades criptogâmicas.