Diretor do IBio
Op-CP-29
Este artigo pretende discutir as alterações que o "mercado" de projetos de carbono vem sofrendo desde seu nascimento, pois é evidente a mudança, tanto na relação de oferta e demanda quanto no posicionamento de todos os players, de forma tão dramática, que tem levado até a inviabilização de projetos em andamento.
Em termos de mercado, o carbono estocado é o mais importante produto florestal já criado pelo homem, pois a floresta sempre foi valorizada pelo volume de produtos que dela poderiam ser extraídos.
O “produto” carbono estocado é totalmente inovador porque veio valorizar a conservação da floresta viva. Mas, como “nova oportunidade” que é, o mercado de carbono vem evoluindo de forma considerável nos últimos anos, e visões estanques do processo começam a ser pouco atrativas.
A inviabilização de projetos florestais no mercado regulado (e deste também) conduziu a demanda de créditos para projetos ligados ao mercado voluntário, que, por sua natureza, têm de, obrigatoriamente, ser muito criativos, atendendo tanto aos interesses dos compradores como aos dos proprietários de áreas.
Hoje, os investidores, ou compradores de créditos, não desejam ser vistos como pecadores ambientais em busca de indulgências por pecados que porventura tenham cometido, mas esperam que seu dinheiro seja utilizado como indutor de sustentabilidade e preferem investir em projetos que extrapolem a questão da conservação por ela mesma.
Por outro lado, projetos focados em plantios comerciais de florestas, apesar de tecnicamente corretos e tão capazes de fixar carbono como qualquer projeto focado em florestas nativas, dentro do mercado regulado de Kyoto, por questões de protecionismo comercial, não chegaram a ter um peso importante frente aos demais projetos.
Além disso, os recursos gerados com a venda de créditos não têm se mostrado suficientes para o custeio dos plantios e das demais despesas necessárias para certificação e monitoramento do projeto, de tal forma que, dificilmente, recursos dessa fonte são transferidos para os bolsos dos proprietários rurais.
Importante lembrar que a reposição das matas prioritariamente ocupa áreas de APP, muitas vezes as mais produtivas da propriedade ou as que permitem acesso do gado à água ou, pura e simplesmente, reduz a área útil para o produtor, fato que ele entende como perda de capacidade de produção.
A interminável discussão sobre o Código Florestal, a desobrigação de se averbar as Reservas Legais e a redução das APPs foram um golpe de misericórdia nos projetos de carbono exclusivamente focados em reflorestamentos.
Esse conjunto de fatores levou à escassez de áreas para implantação de novos projetos e até mesmo chegou a inviabilizar a continuidade dos projetos em andamento, sendo hoje o principal problema para quem tenciona gerar créditos de carbono oriundos exclusivamente de restauro de florestas.
Assim, concluímos que a cessão de terras para projetos não tem atratividade alguma para pequenos e médios proprietários de terras. A saída para esse problema está no fato de que projetos de carbono precisam ser “vendidos” aos proprietários rurais, e estes, de alguma forma, têm de se sentir seduzidos por uma proposta comercial que os convença de que é interessante destinar parte da sua gleba ao restauro de florestas.
O que se observa em boa parte da área agricultável das pequenas e médias propriedades rurais é que o uso predatório e intensivo das terras, aliado à baixa capacidade técnica e financeira dos proprietários, dilapida a capacidade produtiva e, cada vez mais, expande os limites das áreas agrícolas, que se vão sobrepondo aos remanescentes de mata nativa até que estes acabam sucumbindo.
Como exemplo, das áreas destinadas à pecuária, pastagens degradadas têm baixíssima capacidade de suporte, observando-se, num hectare, lotação ao redor 0,5 cabeça e estoque de carbono por volta de 6 toneladas. Pastagens bem manejadas chegam a suportar 4 cabeças por hectare e estocam até 80 toneladas de carbono por hectare.
Assim, uma estratégia eficaz para conservação de biomas nativos é o investimento na recuperação da área agricultável, seja por meio de SAF ou por utilização de práticas agrícolas adequadas, vinculando-o à permissão para recuperação e conservação dos fragmentos que forem considerados interessantes.
Ao recuperar a capacidade produtiva da propriedade, dentro dos parâmetros que o mercado e a cultura local definem para o território, temos não só um aumento significativo na probabilidade de “venda” dos projetos de carbono para os proprietários rurais, mas também a oportunidade de geração de ativos territoriais e de materialização da sustentabilidade no território.