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Walter Batista Junior

Especialista em Meteorologia aplicada da Agerh - Agência Estadual de Recursos Hídricos do Estado de Espírito Santo

Op-CP-77

O manejo e a adaptação às mudanças climáticas
Em dezembro de 2023, durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28), realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o governo brasileiro e o Pacto Global da ONU no Brasil lançaram o “Relatório Síntese sobre Mudança Climática 2023”. O documento é a versão em português do produto final do Sexto Relatório de Avaliação – AR6, elaborado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima – IPCC.

Neste relatório, estão contidas a síntese dos conhecimentos sobre as bases físicas das ciências climáticas e avaliações sobre as ocorrências de mudanças do clima, possíveis riscos futuros e opções de adaptação e de mitigação.
 
O documento afirma que a humanidade tem poucas chances de evitar alguns dos impactos devastadores das mudanças climáticas, em especial os relacionados às ondas de calor, grandes inundações, tempestades de grandes proporções e secas mais intensas e prolongadas. 

No Brasil, os cenários não serão menos impactantes. O aumento na frequência e intensidade dos eventos extremos (enchentes e/ou secas) já é observado em diferentes regiões do país, trazendo sérios prejuízos na produção de alimentos e produtos florestais, além de afetar diretamente a geração de energia elétrica, produção industrial e segurança física e emocional da população.

Dentro deste contexto, as florestas plantadas atuam em diferentes formas no clima do planeta, tanto através de aspectos positivos quanto negativos. Podemos citar, como alguns dos principais efeitos:

Impactos negativos:

• Alteração dos ecossistemas locais: As florestas plantadas, especialmente quando compostas por espécies exóticas ou não-nativas, podem alterar os ecossistemas locais e substituir habitats naturais que suportam a biodiversidade local;
• Consumo de água: Algumas espécies de árvores possuem a característica de alto consumo de água para seu desenvolvimento, o que pode afetar os recursos hídricos locais e reduzir a disponibilidade de água para outras plantas e animais;
• Impactos na biodiversidade: A monocultura de espécies florestais pode não oferecer o mesmo nível de habitat e recursos que uma floresta natural, podendo afetar negativamente a fauna e flora locais;
• Emissões de gases: A decomposição de madeira e a queima de resíduos florestais, bem como o uso de fertilizantes, podem liberar gases de efeito estufa; 
 
Impactos positivos:

• Sequestro de carbono: As árvores absorvem dióxido de carbono (CO?) da atmosfera durante o processo de fotossíntese. A gestão adequada dessas florestas pode otimizar o armazenamento de carbono ao longo do tempo; 
• Redução da erosão do solo: As raízes das árvores ajudam a estabilizar o solo, reduzindo a erosão e melhorando a qualidade do solo;
• Regulação do ciclo da água: Elas podem ajudar na regulação do ciclo da água, contribuindo para a manutenção da umidade do solo e influenciando os padrões de precipitação; 
• Proteção da biodiversidade e serviços ecossistêmicos: Em alguns casos, as florestas plantadas podem servir de habitat para espécies locais, ajudando a preservar a biodiversidade, especialmente se forem utilizadas espécies nativas, além de ajudar a manter serviços ecossistêmicos essenciais, como a ciclagem de nutrientes e a purificação do ar e água; 
• Regulação do clima local e regional: As florestas plantadas contribuem para a regulação do clima local através da manutenção da umidade do solo e modulação das temperaturas e por favorecer a circulação local e regional desta umidade, através da atmosfera – os chamados “Rios Voadores”; e
• Recuperação de áreas degradadas: Atuando diretamente na recuperação de áreas abandonadas pela agricultura, pecuária e mineração.
 
Visando potencializar estes impactos positivos, podemos lançar mão de um programa de manejo sustentável de florestas plantadas através de práticas que visam administrar de forma equilibrada a produção de madeira e outros produtos florestais com a preservação dos recursos naturais e a proteção da biodiversidade, entre elas:
• Seleção de espécies e diversidade genética: A escolha de espécies adequadas e a promoção da diversidade genética são fundamentais para a resiliência das florestas plantadas frente a doenças, pragas e mudanças climáticas. Espécies nativas e adaptadas ao clima local tendem a ser mais resilientes; 
• Rotação e colheita controlada: A rotação adequada e a colheita controlada ajudam a manter a saúde da floresta e a garantir que o ciclo de captura e liberação de carbono seja balanceado, evitando a degradação do solo e a perda de carbono armazenado; 
• Integração com outros usos da terra: O manejo sustentável pode incluir a integração das florestas plantadas com outras formas de uso da terra, como a agricultura sustentável, para promover a coexistência de atividades produtivas e a conservação ambiental; e
• Uso de práticas para aumentar a retenção de água no solo: Sabe-se que a dinâmica da água no solo é regida por vários fatores, tais como precipitação, infiltração, estrutura do solo, entre outros. Estas características podem ser potencializadas através do uso de práticas mecânicas de conservação de água e solo, empregadas para captação da água das chuvas e do escoamento superficial conhecida como barraginhas. 

As barraginhas são caracterizadas como pequenas bacias escavadas em áreas de enxurradas, agem como caixas de retenção que evitam as perdas de água, permitem a infiltração no solo e garantem o abastecimento do lençol freático. Podem ter formato circular, semicircular e/ou de cochinhos. As primeiras são implantadas em regiões de inclinação inferior a 12% e dispersas em áreas de pastagem, lavoura e beira de estradas. Os cochinhos possuem formato retangular, são construídos em curva de nível e indicados para áreas com inclinação entre 12% e 20%. Podem ser implantados em terraços e até mesmo nas entrelinhas das lavouras. As fotos da página seguinte apresentam o trabalho realizado pela Secretaria de Agricultura do município de Atílio Vivácqua, no estado do Espírito Santo, onde são aplicadas diferentes técnicas de manejo sustentável para exploração de culturas agrícolas (café e cacau) em consórcio com florestais (seringueira).
 
Pelos argumentos expostos, podemos considerar o uso de barraginhas e cochinhos em sistemas agrossilvipastoris como alternativa para adaptações às mudanças climáticas. Além disso, a integração entre árvores, pastagens e/ou cultivos agrícolas em uma mesma área promovem a diversificação da produção, a conservação da biodiversidade e a melhoria da qualidade do solo e da água.

A: Uso de barraginhas e cochinhos na recuperação de pastagens degradadas, junto ao plantio consorciado entre café, cacau e seringueira, além da presença de tanques para criação de peixes.


B1: Preparação de cochinhos, entre as linhas do consórcio seringueira e cacau.
B2: Uso de cochinho em área declivosa, aumentando a retenção de água do solo e evitando erosão hídrica.


C1: Barraginha cheia de água das chuvas.
C2: Consórcio entre seringueira e cacau.