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Guido Assunção Ribeiro

Professor de Controle de Incêndio da UF-Viçosa

Op-CP-03

Os incêndios florestais e o emprego da queima controlada

Antes de ser dominado pelo homem, o fogo era considerado um fenômeno ligado exclusivamente à divindade. Após o seu domínio, passou a ser empregado para atender a um grande número de objetivos, marcando profundamente a evolução da espécie humana. A influência do fogo sobre as atividades diárias do homem é registrada até os dias de hoje, sendo muito marcante na área rural, sob a justificativa de ser uma forma rápida e barata de se preparar a terra para a agricultura ou renovar a pastagem para a pecuária.

A ocorrência do fogo no meio rural, principalmente nas áreas cobertas por florestas, pode ser caracterizada sob dois aspectos: o primeiro, como um evento casual, acidental e, por conseguinte, inesperado ou imprevisível para o proprietário ou para o administrador da área. Neste caso, ele é denominado de incêndio florestal, podendo ser classificado, sob o ponto de vista legal, como incêndio florestal doloso ou culposo.

O incêndio doloso é aquele que, embora tenha sido um acontecimento não previsto para quem administra a área, foi planejado pelo agente causador. É um crime, conforme previsto na legislação pertinente e sujeito às penalidades administrativas, civis ou criminais. No crime culposo, embora o causador tenha responsabilidade civil pelo ocorrido, não se caracteriza dolo, mas os efeitos ao ambiente podem ser igualmente danosos.

A segunda forma de manifestação do fogo no meio rural é o seu emprego como um instrumento de manejo do solo. Assim sendo, o fogo é considerado uma técnica, como qualquer outra, que produz efeitos benéficos e maléficos, onde for aplicada. Entretanto, é importante salientar que o usuário do fogo deve procurar maximizar os benefícios e minimizar os efeitos indesejáveis.

Essa recomendação também é válida para o uso de qualquer outra técnica, sob pena de seu uso se tornar inviável, do ponto de vista econômico e ambiental como, por exemplo, realizar a aração de um terreno morro abaixo ou aplicar super dosagens de fertilizantes e defensivos agrícolas no solo e nas plantações. A queima do material combustível florestal (qualquer material vegetal vivo ou morto) provoca os mais variados efeitos no ambiente.

Esses efeitos são tão mais complexos, quanto mais vulneráveis estiverem as variáveis que determinam o comportamento do fogo. De igual maneira, os efeitos serão tão mais drásticos, quanto mais fora de controle estiver o fogo. Por essa razão, o incêndio florestal criminoso é potencialmente mais danoso que qualquer outro tipo de queima.

O fogo, enquanto queima controlada, deve ter um planejamento prévio, no qual os fatores diretamente relacionados com o seu comportamento precisam ser considerados, como o clima, o material combustível e todas as suas características, a topografia, as técnicas de ignição, as ferramentas, os equipamentos apropriados para a sua aplicação e o cumprimento da legislação.

Apesar da fragmentação das estatísticas sobre incêndios florestais e queimadas em nível nacional, no Brasil, sabe-se que a maioria das causas de incêndios florestais tem origem no mau emprego do fogo na agropecuária. Esse fato ocorre por vários motivos, como dificuldade de fiscalização, desconhecimento das exigências legais, por parte do usuário do fogo, excesso de burocracia e dificuldades operacionais para a obtenção do aviso de queima, falta de conhecimento e estudos práticos que orientem tecnicamente os usuários do fogo e vários outros pontos que são específicos para cada região.

O conceito de queima controlada é, dessa forma, muito amplo e vai além do simples fato de circunscrever o fogo em uma área, por meio de um aceiro. Desconsiderar as variáveis que influenciam a ignição e a dispersão das chamas é um dos mais graves problemas do emprego do fogo para o manejo do solo. Atualmente, não se utiliza qualquer critério técnico, que tenha relação com o comportamento do fogo, para se permitir a queima controlada.

O argumento de que o fogo é uma ferramenta econômica para o preparo da terra é uma forma simplista para justificar o uso do mesmo. Frente a isso, torna-se necessário um forte trabalho de educação ambiental, em que o processo de educional seja completo, isto é, não basta apenas conscientizar o cidadão com relação ao uso adequado do fogo, é necessário fornecer alternativas que estejam ao seu alcance, principalmente em termos econômicos.

Apesar das considerações anteriores, é possível fazer uso do fogo de uma forma racional, minimizando seus efeitos maléficos e maximizando os benefícios. Como qualquer outra técnica, o fogo não deve ser empregado em todas as situações, pois é necessário conhecer o histórico da área a ser manejada, os objetivos da queima, o tipo de solo, o ecossistema envolvido, o regime de fogo anterior, a presença de fauna ou flora endêmica, a proximidade de centros urbanos e áreas de proteção especial, bem como a dispersão de fumaças.

A proibição sumária do emprego do fogo por meio de leis, visando a sua erradicação, tem-se mostrado inócua. Por mais eficiente que seja a fiscalização, é impossível, a curto e médio prazo, reduzir, e tão pouco eliminar, os incêndios florestais. A longo prazo, isso poderia funcionar, se associado a um eficiente programa de educação. É bom lembrar que o incêndio florestal ocorre em ambiente aberto, como margens de estradas e regiões distantes de centros urbanos.

Quanto mais vulneráveis estiverem as condições para a combustão e quanto mais desmobilizados estiverem os organismos de proteção contra o fogo, em determinada região, mais difícil será o seu controle e maiores serão os danos resultantes. Finalmente, sob o meu ponto de vista, é sábio o ditado Finlandês, que diz o seguinte: “O fogo é um ótimo servente, mas é um péssimo patrão”.