Gerente de Planejamento Florestal da International Paper
Op-CP-23
Costumo definir o manejo de bacias hidrográficas como a ética do bom manejo florestal, pois seus princípios buscam conjugar a sustentabilidade do ambiente de produção com o atendimento de questões morais e normas sociais. Nada mais ético, portanto, do que melhorar continuamente a produtividade florestal através de um manejo que, diretamente também, proporcione externalidades ambientais positivas, reduzindo as perdas de solo e, ao mesmo tempo, conservando a sustentabilidade do sítio, que inclua no seu escopo a conservação da biodiversidade e que garanta um fornecimento regular de água com qualidade à sua jusante.
Nada mais justo, portanto, que a busca desse bom manejo gere reconhecimento e bônus ao empreendedor responsável, através, por exemplo, da agregação de valor à imagem da empresa perante a sociedade e a comunidade que a acolhem, ao seu produto final pela possibilidade da certificação florestal e pelo pagamento por serviços ambientais e facilitação de acesso ao crédito.
Nada mais equânime, portanto, que o ônus do mau manejo, ou seja, aquele que não incorporou os princípios do manejo de bacias hidrográficas, incida sobre o empreendedor florestal, seja na forma de desaprovação por parte da comunidade, por rejeição de clientes e fornecedores, ou mesmo por sanções de quem defende o direito e o ideário da sociedade.
Diante dessa realidade contemporânea, em minha opinião, dois conceitos estarão na vanguarda do manejo de plantações florestais nos próximos anos e talvez décadas: a hidrossolidariedade e a destruição criativa.
Na escala da paisagem, não são as propriedades e os talhões e sim as bacias hidrográficas as unidades mínimas de manejo. Nesse cenário, o planejamento deve considerar a vizinhança e ponderar entre as oportunidades de empreender-se e os riscos associados ao negócio advindos da possibilidade de impactos adversos das plantações sobre o deflúvio.
Emerge, então, o conceito de “hidrossolidariedade”, que deve prevalecer e ditar o zoneamento da paisagem, ao integrar áreas de produção com áreas de proteção ecológica e interesse social. O olhar deve ultrapassar as fronteiras da propriedade, combinar-se com a perspectiva do macro e interagir com a visão alheia, a de quem deseja ser partícipe do desenvolvimento local, pois que dele também depende e é corresponsável.
Na escala da propriedade, os princípios do manejo de bacias hidrográficas vão além da restauração de áreas naturais e da reavaliação contínua do desenho do sistema viário e das práticas de conservação do solo. O paradigma a ser enfrentado é que a excelência da silvicultura não pode ser alcançada somente com gestão via melhoria contínua, cujo foco está direcionado ao processo e ao cliente.
É preciso haver transformação de posturas, num processo de “destruição criativa”, em que o velho dá lugar ao novo, e cujo foco está na inovação, no mercado, nas necessidades e nos stakeholders. O manejo deve ser adaptativo e, ao mesmo tempo, inovador, pois as empresas não vão garantir a sustentabilidade dos seus negócios simplesmente fazendo de um jeito melhor aquilo que já fazem hoje.
Para exemplificar esses novos conceitos, suponhamos paisagens ou propriedades onde há iminência de conflitos pelo uso da água. Nesses casos, seria possível reduzirmos a densidade de plantio de 3 x 2 para 3 x 2,5 em talhões que margeiam as cabeceiras de drenagem? Seria apropriado alterarmos o espaçamento de 3 x 2,5 para 6 x 1,4 para reduzir as perdas de água por interceptação?
Não seria oportuno utilizar diferentes materiais genéticos cujo comportamento ecofisiológico implique menor consumo de água por tonelada de madeira produzida? Seria possível realocar, em parceria com a comunidade, as áreas de Reserva Legal dessas propriedades para que elas cumpram melhor sua função social? Seria possível considerar o risco hidrológico no microplanejamento quanto ao talhão? Qual seria a perspectiva de redução no consumo de água pela implantação desse novo manejo?
Como sabemos, são as perguntas que movem o mundo, a única dúvida é se estamos trabalhando para buscar respondê-las e incorporando, no dia a dia, os conceitos de hidrosolidariedade e destruição criativa. Em minha opinião, acho que sim, mas a trajetória é longa, contínua e requer, além de pesquisa e desenvolvimento, coragem para mudar, tomar decisões e assumir riscos.