Professor de Política Florestal da UF do Acre
Op-CP-10
A compreensão de que o modelo de ocupação social e econômico da Amazônia, ancorado na expansão da fronteira agropecuária, estaria sujeito ao fracasso, parece ganhar, a cada dia, mais adeptos. Evolui no mundo a idéia força de que qualquer tipo de conversão da cobertura florestal em plantios, sejam esses para produção de alimentos ou de biocombustíveis, não pode ser admitida, tendo em vista a perda da capacidade de fornecimento de serviços ambientais, pelo ecossistema florestal.
Ao ser desmatado, o ecossistema florestal expele quantidades elevadas de carbono, que somadas às queimadas, colocam o país na difícil posição de quarto maior poluidor mundial. Ou seja, além da produção de carbono ocorrida na hora em que a conversão é realizada, os serviços de seqüestro e estocagem que o ecossistema florestal realiza, cessam.
Assumindo essa premissa de que a expansão agropecuária não encontraria guarida junto aos agentes financeiros e consumidores internacionais, nem mesmo quando realizada em áreas já desmatadas, como pretendem alguns, a opção que surge é o estabelecimento de uma economia, baseada no ecossistema florestal, corrente em toda a Amazônia.
Todavia, a estruturação de um modelo de desenvolvimento regional, que tenha no ecossistema florestal sua maior referência, depende de três condições precípuas: existência de recursos naturais, no caso florestas, em quantidades e qualidades suficientes, para hospedagem de atividades produtivas variadas; existência de recursos humanos, no caso extrativistas, com experiência e qualificação, para atuar com atividades florestais; e, por fim, uma base tecnológica local, em condições de conceber inovações tecnológicas adequadas à realidade do setor florestal na Amazônia.
O atendimento à primeira exigência é visível. Em que pese a ocorrência de elevadas e persistentes taxas de desmatamentos, observadas nos últimos 20 anos, a Amazônia ainda possui mais que 70% de seus recursos florestais em condições de serem manejados. Apesar de se encontrarem localizados em condições geográficas um tanto complicadas, os canais fluviais permitem planejar uma logística de escoamento da produção factível com a realidade do manejo florestal.
Com relação à existência de uma população em condições de operar atividades produtivas florestais, é importante uma volta aos primórdios da ocupação da região, à época do famoso e robusto ciclo florestal da borracha. Sob a era da economia gomífera, erigiu-se um intenso sistema de suporte produtivo, que envolvia a importação de bens e insumos e a exportação de borracha.
Apesar das características de expansão e declínio, pelo qual passaram os ciclos econômicos florestais amazônicos, iniciados com as drogas do sertão no século XIX, prolongados com o cacau, com a borracha e, mais recentemente, com a madeira, a ocupação produtiva da região consolidou-se. Os denominados extrativistas, ocupados na produção de borracha, transformaram-se em castanheiros, cacaueiros e madeireiros.
Já com relação à geração de inovações tecnológicas, a Amazônia, sem embargo do imenso diferencial observado entre a região norte e as demais regiões do país, no que se refere à infra-estrutura existente para ciência e tecnologia, possui um aparato voltado à geração de tecnologia, em condições de atender à demanda oriunda do setor florestal. Um dado interessante, com relação ao desenvolvimento de tecnologias para o setor florestal, diz respeito à concepção da tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo.
Um processo tecnológico elaborado no Acre, em meados da década de 1990, com o intuito de resolver o entrave produtivo das recém-criadas Reservas Extrativistas, reivindicadas por líderes como Chico Mendes. Ou se encontrava uma inovação tecnológica para elevar o extrativismo ao manejo florestal de uso múltiplo, ou essas Unidades de Conservação estariam fadadas ao fracasso.
Atendidas essas três exigências, restaria, ainda, uma discussão acurada sobre qual modelo de concentração industrial seria o mais indicado para o ecossistema florestal da região. Depois dos distritos industriais instalados na década de 1970, e dos modelos Zona Franca, da década de 1980, surgiram novos conceitos, como os de pólos industriais dos Arranjos Produtivos Locais, APL, e do cluster.
Para se ter uma idéia da dimensão que esses novos conceitos atingiram, diversos institutos de pesquisa e órgãos de fomento produtivo, atuantes na Amazônia, iniciaram, nos últimos dez anos, programas voltados à estruturação de determinados sistemas. Importante citar um exemplo. O Banco da Amazônia, Basa, associou-se ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e à Associação Nacional de Pós-graduação em Economia, para execução do que chamou de Iniciativa pela Amazônia, um programa para estruturação de clusters produtivos.
Uma análise desse programa permite concluir que o estabelecimento de um cluster florestal seria o mais indicado para a Amazônia. Cluster é um aglomerado econômico de altíssimo nível. Se existe uma escala evolutiva com relação à especialização regional e à conseqüente conquista de vantagem competitiva a partir dessa especialização, o cluster estaria no nível maior de evolução, que começaria no distrito industrial, passaria pelo pólo, pelo APL, até chegar nele.
Nesse nível de especialização, a sociedade ali residente viveria em função da oferta de um leque de bens, produtos e serviços florestais. Uma possibilidade de segmentação produtiva do tamanho da biodiversidade da Amazônia. Com o cluster florestal, a Amazônia poderia adquirir diferencial de mercado, potencializando o ecossistema florestal e a população amazônica, que sabe manejá-lo. Estas, inclusive são, sem dúvida, as maiores vantagens competitivas da região.