Professor de Química Orgânica da USP-SCarlos
Op-CP-12
A utilização crescente de etanol como combustível em veículos automotores e a revalorização da alcoolquímica trazem à luz debates e trabalhos, visando o aproveitamento integral de matérias-primas vegetais. Neste contexto, a comparação com o petróleo e seu processamento em refinarias é quase imediata, propondo-se o termo biorrefinaria para o processamento de biomassa vegetal.
O conceito refinaria aplica-se ao aproveitamento integral de matéria-prima abundante e de baixo custo, empregando-se tratamentos físicos e/ou químicos para a produção de produtos comerciais, de maior valor agregado. Pode-se, ainda, acrescentar que uma refinaria opera pela sucessão de diferentes etapas, iniciando-se por operações de fracionamento, visando à separação de diferentes substâncias, seguindo-se etapas de conversão destas substâncias em produtos de uso imediato ou a serem disponibilizados como matéria-prima para futuras transformações, pela indústria química.
A biomassa vegetal atende aos requisitos de abundância, custo e de diversidade de produtos oriundos de seu processamento. Entretanto, diferenças marcantes separam a biomassa vegetal do petróleo. Dentre estas, destacam-se a maior complexidade química e estrutural da biomassa vegetal e o processo de obtenção da mesma.
Enquanto o petróleo é matéria-prima não renovável, já estocada em reservas, a biomassa vegetal, para fins industriais, deve ser cultivada continuamente, sendo, portanto, renovável. Do ponto de vista físico, as reservas de petróleo fornecem matéria-prima nos estados líquido e gasoso, enquanto a matéria-prima vegetal encontra-se no estado sólido.
Estas diferenças implicam em diferentes etapas nos processos de extração/colheita e de transporte aos centros de processamento. Considerando-se as características químicas, o petróleo é, majoritariamente, uma mistura de hidrocarbonetos (substâncias contendo apenas carbono e hidrogênio); a matéria-prima vegetal contém substâncias pertencentes a diferentes classes de compostos (óleos, polissacarídeos, compostos fenólicos, proteínas, etc).
Além destas diferenças, as substâncias presentes nas plantas estão distribuídas em tecidos estruturados (células vegetais). Dentre as diferentes opções de matéria-prima vegetal, mais adequada ao processamento industrial em biorrefinarias, a escolha por espécies já cultivadas ganham destaque especial. A agricultura intensiva já conta com espécies de elevada produtividade e métodos de cultivo e colheita plenamente estabelecidos.
Em geral, estas espécies são cultivadas, visando, direta ou indiretamente, à alimentação humana, sendo que raramente se utiliza toda a biomassa vegetal desenvolvida pela planta. Os excedentes de produção e, principalmente, a fração não comestível dos vegetais podem ser destinados ao processamento em biorrefinarias.
De forma complementar, diferentes espécies podem ser cultivadas, visando, exclusivamente, ao fornecimento de matéria-prima para as biorrefinarias. A biorrefinaria começa na lavoura, em particular, na colheita da produção agrícola. As modernas colheitadeiras separam e transportam apenas partes específicas da planta, dispersando sobre a terra grande quantidade da biomassa produzida.
Do material encaminhado para usinas de beneficiamento, apenas uma parte constitui o objeto principal de comercialização, sendo o restante subproduto da atividade agroindustrial. A produção de grãos não disponibiliza a parte de sustentação da planta; a produção de açúcar e álcool não recolhe as folhas (ou palha) e a maior parte do bagaço é utilizado in natura, para produção exclusiva de energia em caldeiras; a obtenção de óleos, por prensagem de grãos e sementes, gera importantes volumes de “tortas”, utilizadas apenas para geração de energia e/ou ração animal.
Outros exemplos igualmente importantes poderiam ser citados, porém deve se considerar que o tratamento em biorrefinarias levaria à produção de commodities e de produtos de maior valor agregado. A fração lignocelulósica dos vegetais é um dos principais subprodutos da agroindústria. Presente, principalmente, em folhas e nas estruturas de suporte das plantas, esta fração é constituída, majoritariamente, pela mistura física e química dos polissacarídeos hemiceluloses e celulose, impregnados por ligninas.
Estas substâncias constituem as paredes das células, que compõem o tecido vegetal. Destes três componentes, a celulose tem despertado maior atenção, por ser a matéria-prima para a produção do bioetanol ou etanol celulósico. Partindo-se de um dos princípios da refinaria, neste caso biorrefinaria, a fração lignocelulósica deve ser fracionada, visando liberar e isolar seus constituintes, para posterior tratamento.
A hidrólise química ou enzimática da celulose leva à produção de glicose, a qual, por fermentação, produz etanol. O processamento em biorrefinaria deve utilizar não somente a rota do etanol, mas também rotas para a transformação das hemiceluloses e das ligninas, em produtos e/ou energia. Considerando-se, finalmente, as etapas de fracionamento da porção lignocelulósica, as indústrias de produção de celulose (no Brasil, empregando quase que exclusivamente madeira de eucalipto) deveriam ser vistas como possíveis fornecedoras de tecnologia (processos e equipamentos) para a produção de celulose, neste caso a partir de subprodutos da agroindústria.
Assim, um bom começo para a implantação de biorrefinarias seria a integração das indústrias (e suas tecnologias), que, tradicionalmente, operam com biomassa vegetal. A valorização desta matéria-prima deveria contar, ainda, com novos processos, visando ao aproveitamento integral e à obtenção de produtos de alto valor agregado, a partir da biomassa vegetal.