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André Loubet Guimarães

Diretor Executivo da Conservação Internacional do Brasil

Op-CP-28

A solução para a sustentabilidade é contábil

Em 2005, estive na Costa Rica e ouvi do então ministro de Meio Ambiente e Energia, Carlos Manuel Rodriguez, uma das frases mais emblemáticas de toda a minha carreira. Me disse ele: “a solução dos problemas ambientais do mundo e a mudança da trajetória da humanidade no rumo da sustentabilidade é contábil”.

Em 1987, a Costa Rica estava à beira de um colapso socioeconomico e ambiental. Mais de 80% do país já havia sido desmatado, e grande parte das terras estava degradada. A agricultura já não produzia como antes, a vazão dos rios diminuíra e comprometera a geração de energia, e as alternativas “clássicas” para se combater o problema estavam se exaurindo.

A sociedade costarricense, numa atitude corajosa e inédita, trabalhou firme e reverteu, em pouco mais de uma década, a derrocada iminente. Nos anos 90, fundos internacionais foram captados, e compromissos firmados com empresas e proprietários de terras, todos com um mesmo fim, recuperar as florestas do país e fazer delas uma fonte de recursos para as gerações futuras.

Em 2000, a cobertura florestal triplicara, e o PIB do país dobrara, com uma diversificação profunda, em especial pelo turismo relacionado às florestas naturais, à energia hidráulica e à agricultura irrigada.  A grande virada da Costa Rica deu-se quando os custos e os benefícios gerados pelos serviços ambientais foram contabilizados nas contas públicas.

Cerca de 80% da água utilizada pelos 7 bilhões de seres humanos para suas necessidades de alimentação, vestuário, geração de energia, dentre outras atividades fundamentais à vida moderna, é “produzida” em três regiões do globo: América do Sul, África subsaariana e sul da Ásia.

Disse-me uma vez Pavan Sukdev, indiano e um dos maiores especialistas nas relações entre negócios e meio ambiente: “se os líderes de uma dúzia de países resolver cobrar pela água necessária para se produzir a soja e o milho que alimenta o gado de leite e os suínos na Europa e no Japão, os mercados internacionais sofreriam uma verdadeira revolução”.

Para se produzir um quilo de soja, precisa-se ter disponível cerca de 4.000 litros de água. Milho, um pouco menos, cerca de 3.500 litros por quilo. E essa água não está contabilizada no preço de centavos de dólares que se paga por esse quilo de soja ou milho.

Uma floresta é o que mais se assemelha a uma “fábrica de água”. Não existe floresta sem água, nem o inverso. O desmatamento da Mata Atlântica e a potencial falta de água em várias cidades, bem como a perda de solos por erosão, com consequente diminuição da produtividade agrícola, são evidências dos riscos que corremos com o desmatamento e a perda de florestas em nosso país.

O Brasil possui um dos maiores potenciais florestais do mundo. Temos a Amazônia, temos os eucaliptais mais produtivos e algumas das regiões mais aptas ao plantio de florestas. Mas, na prática, temos menos florestas manejadas do que a Finlândia, um país 25 vezes menor. Estamos perdendo investimentos para países vizinhos menos burocratizados, como o Uruguai.

Temos quase nada em termos de programas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), os quais podem remunerar as florestas pelo serviço de proteção da água. Mesmo com todo esse potencial florestal, que protege cerca de 15% da água doce do planeta, ainda não conseguimos criar os incentivos para plantarmos mais florestas e manejarmos, de forma sustentável, a Amazônia e outros biomas. O novo Código Florestal certamente servirá para reduzir ainda mais esse potencial.

O atual governo federal não criou, pela primeira vez em 20 anos, nenhum hectare de novas áreas florestais protegidas. São essas áreas, as Unidades de Conservação Públicas, que garantem as bases geradoras do serviço de proteção de água para o consumo humano. Para citar um exemplo, cerca de 4 milhões de habitantes do Rio de Janeiro (Niterói, Itaboraí, etc) bebem água “produzida” no Parque Estadual dos Três Picos, na região serrana.

Parque este que, ainda hoje, sofre com agressões de todo tipo, como caçadores e coletores de palmito, além da falta de regularização fundiária. Falar de sustentabilidade florestal é falar de proteção e contabilização da água que as florestas protegem. É falar de proteger matas nativas. É falar de desburocratizar e tornar mais transparentes os investimentos florestais.

Talvez precisemos de mais contadores ao lado de ambientalistas e engenheiros florestais e de menos políticos decidindo o que fazer com as nossas florestas e nossa água. E ainda nem falei nada de carbono fixado nas árvores e sua função no combate às mudanças climáticas...