Professor Associado do Programa de Pós-Graduação em Química da UF de Santa Maria
Op-CP-12
Nos últimos meses, a atenção de países mais desenvolvidos, por razões geopolíticas, econômicas e ambientais, está se voltando para fontes alternativas energéticas mundiais e, em especial, para o etanol combustível. Preocupados com o seu próprio bem-estar e, por que não, com o futuro da humanidade, estas nações vêm encarando nosso país como o grande fornecedor de matérias-primas renováveis, de fontes recicláveis.
As razões para isto podem ser sumarizadas em apenas duas, muito simples: a disponibilidade de clima favorável, sob todos os aspectos, e de uma imensa área para a expansão da produção agrícola. Porém, o interesse dos governos, instituições e pesquisadores do mundo não se restringe tanto ao agora (injustamente) polêmico álcool combustível, mas tende a se estender ao etanol grau químico – matéria-prima para produtos químico-petroquímicos – levando à súbita redescoberta da alcoolquímica, muito discutida em nosso país na década de 70, do século passado.
A previsão de elevação da demanda de etanol nos países desenvolvidos (conseqüência do petróleo a US$ 130/barril) permite projetar um brutal incremento de sua produção mundial, que já está desencadeando, além de uma intensa atividade de P&D, uma busca incansável por fontes alternativas de matérias-primas. Por esta razão, as propostas de utilização da biomassa lignocelulósica para a produção de álcool e de construção de biorrefinarias integradas vêm dominando as discussões e as estratégias de planejamento político-tecnológico, internacionalmente.
No Brasil, as atenções também começam a se voltar para a alcoolquímica, como estratégia para superar a carência de nafta petroquímica. Contudo, não mais contando apenas com a rota sucroquímica, desenvolvida com sucesso nos últimos 30 anos, mas investindo no desenvolvimento de novas tecnologias, com base na biomassa residual.
As biorrefinarias propostas até o momento, no país, entretanto, privilegiam o viés estratégico da indústria da cana e não propriamente o das indústrias de celulose e agroindústrias, outras potenciais gigantes para a refinação de biomassa residual, em diversos pontos do país. Ademais, não podemos esquecer a tecnologia das biorrefinarias térmicas, onde os processos de pirólise, gaseificação e combustão (e combinações diversas) podem, direta e muito rapidamente, transformar a biomassa lignocelulósica residual (ou não) em bioprodutos, biomateriais, bioenergia, insumos químicos-petroquímicos e, logicamente, biocombustíveis e substitutos de derivados do petróleo também.
A necessidade de pesquisa e desenvolvimento nesta rota também é grande, embora tais tecnologias venham sendo pesquisadas e aperfeiçoadas há mais de 30 anos. No Brasil, temos alguma experiência em processos térmicos que, certamente, precisa ser ainda comprovada e consolidada em escala-piloto. No estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, o panorama é diferente.
As iniciativas de investimento apontam para futuras biorrefinarias, com um viés mais eclético, e para um variado leque de matérias-primas lignocelulósicas. Os investimentos em reflorestamento e em produção de celulose sinalizam para grandes biorrefinarias de base floresta, no futurol. Por outro lado, sendo o maior produtor de arroz do país, o RS dispõe de 1,4 milhão de toneladas anuais de casca de arroz, que podem ser convertidas não apenas em bioenergia, mas também em produtos de maior valor agregado, em biorrefinarias específicas.
Da mesma forma, vale mencionar outros subprodutos da agroindústria e da indústria de alimentos, que estão disponíveis para serem refinados e convertidos em produtos com valor agregado, deixando de constituir um problema ambiental. Os especialistas em refinação de biomassa acreditam que as futuras biorrefinarias constituirão a indústria-chave para o presente século, promovendo o que se pode designar como uma nova revolução industrial, tamanha é a importância de que se reveste em termos de tecnologia e dos seus efeitos sobre o atual paradigma industrial, tão dependente da matriz energética dominada pelo petróleo e seus derivados.
Já estamos vivenciando as estratégias de segunda geração, em termos de refinação da biomassa, e muito mais ainda está por vir, em um curto espaço de tempo, modificando tudo que tivemos até o momento. Há como que uma sensação de se estar à beira de uma revelação ou descoberta tecnológica de refinação para cana-de-açúcar, milho e as mais diversas biomassas, residuais ou não.
Contudo, é necessário que se reafirme: estamos no início de um novo século e a tecnologia de biorrefinarias está apenas em sua infância. Ao longo dos próximos 100 anos, aprenderemos a trabalhar a biomassa, como aprendemos a trabalhar o petróleo, no último século. Tudo o que ele representa e fornece, hoje, poderá e deverá ser parcialmente provido pela biomassa – nossa única fonte de carbono e hidrogênio – alternativa ao petróleo, ao gás natural e ao carvão.
Para maior clareza da situação, pode-se acrescentar, também, que ainda não existem padrões internacionalmente aceitos para os desejados produtos da biorrefinaria e, possivelmente, por um largo período de tempo ainda não existirão. Nem mesmo se sabe, se o padrão dominante nas futuras biorrefinarias será o de produtos de grande volume de produção, que poderão servir de matérias-primas para as atuais refinarias e plantas industriais químicas, ou, ao contrário, o de produção de produtos finos, de alto valor agregado.
O certo é que, sem dúvida, as biorrefinarias de biomassa do futuro deverão constituir sistemas integrados e (mais) sustentáveis, que irão se adaptar às limitações da realidade planetária e procurar tirar proveito da infra-estrutura tecnológica pré-existente (da base petrolífera). Em nosso país, os investimentos dos governos em biorrefinarias ainda são bastante modestos, mas crescentes, e o setor privado tem acenado com as primeiras iniciativas de peso.
Só nos resta esperar, agora, que governos e empresas unam-se em torno deste novo paradigma, a exemplo da maioria dos países desenvolvidos, detentores de grandes avanços e experiências tecnológicas. Com as vantagens que dispomos, em termos de clima e área agriculturável, certamente, estaremos, muito em breve, falando de uma nova disciplina no Brasil: a bioeconomia.