Professor do Instituto de Florestas da UFRRJ
Op-CP-09
O Brasil detém 4,8 milhões de km2 de florestas (12% das mundialmente existentes), colocando-se como o segundo país mais florestado da terra, depois Rússia. Com uma base de recursos que poderá transformá-lo, no curto espaço de uma geração, na maior economia florestal do planeta, o país conquistou espaços importantes nas quatro últimas décadas, conseguindo superar as contingências da globalização e se firmar como respeitável produtor florestal.
A despeito disso, diversas ações, tanto de natureza estratégica, quanto tática, deverão ser ainda empreendidas nos próximos anos, para que o país consolide uma posição de liderança no cenário florestal mundial. Este artigo aborda algumas dessas ações, de médio e longo prazos, que o Estado brasileiro deve empreender, na busca dessa posição. Referimo-nos a Estado, pois abordaremos questões que perpassam governos.
A partir da década de 1960, o país empreendeu esforços para estruturar o seu setor florestal. A política florestal definida materializou-se em programas que visavam, de um lado, aumentar a oferta de produtos de florestas plantadas, e, de outro, reduzir a oferta daqueles oriundos das florestas naturais. O setor conseguiu adquirir, ao longo de cinco décadas, relativa robustez nalguns subsetores (e.g., papel e celulose), fortalecer outros (móveis e componentes, chapas), e forçar o alinhamento de outros mais (carvão vegetal para siderurgia), além de ampliar, consideravelmente, a sua área de unidades de conservação.
A primeira etapa estruturante do setor florestal contou com forte participação do Estado brasileiro; seu papel preponderante foi delinear e embasar a política florestal, articulá-la com outras políticas públicas e conceder incentivos fiscais. A etapa subseqüente, expressa no Programa Nacional de Florestas, a partir de 2000, e em processo de consolidação, segue fundamentada em investimentos privados, concentrando-se, o Estado, em coordenar a política e em instrumentalizá-la nos aspectos legais, econômicos e administrativos, além de construir os elos necessários à sua articulação intra e intersetorial.
Pregamos, há uma década, em palestras, orientações e escritos acadêmicos, que o Estado tem seis funções típicas a cumprir na área florestal: macroplanejamento; administração; fomento; assistência técnica; pesquisa, e controle. Na lógica dessas seis funções é que discorreremos sobre ações de Estado, de médio e longo prazos, para o setor florestal brasileiro.
Na linha do macroplanejamento, é imprescindível estruturar-se um sistema nacional de informações florestais. Estas, e outras estatísticas oficiais, relativamente ao setor florestal, são precárias, enquanto informações, índices e indicadores nacionais são gerados em vários outros segmentos econômicos e sociais. No período 1979-84, o Brasil realizou o seu primeiro e único inventário florestal nacional, motivado pela importância energética que assumiu a biomassa florestal, no transcurso da segunda crise do petróleo.
Mas, as parcelas implantadas não foram remedidas, interrompendo-se, assim, a continuidade da iniciativa. O atual Serviço Florestal Brasileiro preparou, ao longo de 2006, um projeto para realizar um novo Inventário Florestal Nacional, como um dos elementos primordiais do sistema de informações florestais e como ferramenta essencial do planejamento estratégico setorial.
No presente, os dirigentes do serviço negociam recursos, para garantir a implementação do projeto. Administrar as áreas florestais públicas é uma das clássicas funções de Estado. O primeiro Plano Anual de Outorga Florestal (PAOF-2007/08), preparado pelo Serviço Florestal Brasileiro, apontou 193 milhões ha de florestas públicas, só na área federal. Verifica-se que, no caso brasileiro, esta tarefa é hercúlea.
A recente lei de gestão de florestas públicas cria três alternativas para o Estado administrar essas áreas, incluindo, dentre elas, a concessão. Polêmico, o instrumento debatido na década de 1970, esquecido na seguinte, e novamente debatido a partir do final dos anos 90, finalmente foi transformado em lei (Lei 11.284/06). Julgamo-lo necessário e o defendemos durante anos. Mas, a via crucis da sua aplicação compreende doze etapas e precisamos de tempo para ver os resultados.
O teste da Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, primeira concessão oficial de floresta pública, fornecerá os primeiros indicativos das possíveis virtudes e vicissitudes do instrumento. É possível que a lei de gestão de florestas públicas ajude a acelerar a solução dos problemas fundiários de boa parte das unidades de conservação, que contam agora com uma instituição específica para administrá-las.
Passando ao fomento e o entendendo na acepção de desenvolvimento, cabe ao Estado criar condições e facilitar os meios para que a atividade florestal desenvolva-se, incluindo, desde a formação de florestas homogêneas, recuperação de áreas degradadas, recomposição de matas ciliares, ao manejo de múltiplos produtos da floresta.
Nesse sentido, um olhar para o futuro revela que é longo o caminho que o Estado tem a percorrer, com relação ao fomento. É preciso estabelecer, no âmbito do PNF, um subprograma nacional capaz de funcionar em rede, com subprogramas estaduais e da iniciativa privada; intervir indiretamente, através de impostos diferenciados para a atividade; e ampliar os mecanismos de financiamento, além de popularizá-los.
Na área de pesquisa, a despeito dos avanços ocorridos, sobretudo nas décadas 1970-80, duas lacunas precisam ser preenchidas: estruturar uma coordenação nacional de pesquisa florestal, e criar um fundo público para sustentá-la no longo prazo. Embora haja previsão de destinação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal para pesquisa, é pouco provável que os montantes por ele aportados no futuro sejam suficientes para sustentar a pesquisa florestal que o país necessitará.
No tocante à assistência técnica, mister se faz pensar num sistema nacional, articulado com as unidades federadas, que privilegie, de fato, a atividade florestal. O sistema brasileiro de extensão e assistência técnica esteve, historicamente, focado nas atividades de agropecuária. A partir de uma iniciativa de âmbito nacional, a União poderá estimular os estados e apoiá-los na criação de núcleos ou serviços de extensão efetivamente florestais, aproveitando a estrutura de instituições já existentes, como as empresas estaduais de extensão.
No que concerne ao monitoramento, fiscalização e controle, é preciso promover mudanças culturais e de práticas. A despeito da inovação introduzida pelo DOF - Documento de Origem Florestal, persiste-se na idéia de se controlar o fluxo de cada árvore abatida e que circula no país. Aliás, o sistema atualmente adotado tem origem no regimento do pau-brasil, de 1605.
Nem a floresta, nem a indústria mudam de lugar. É preciso inverter a lógica. Ao invés de concentrar energia e recursos direcionados para árvores individualmente, deve-se pensar em estratégias, e adotar tecnologias (e elas existem), destinadas a monitorar, fiscalizar e controlar estoques da floresta e dos pátios das indústrias. Outra agenda importante, a ser levada a cabo: a descentralização da gestão florestal.
Mesmo sem a lei complementar, prevista no artigo 23 da Constituição Federal, a alteração promovida no artigo 19, do Código Florestal, pela Lei 11.284/06, permite avançar no tema, politicamente delicado, mas imprescindível de ser tocado. As normas gerais existem, Códigos: Florestal, de Caça, de Pesca; Gestão de Florestas Públicas; além de outros marcos legais relevantes: Política Nacional do Meio Ambiente e Política Nacional de Recursos Hídricos.
E as competências administrativas e legislativas dos entes federados estão claramente definidas nos artigos 21 a 24, da Carta Magna de 1988. Outro aspecto, a nosso ver, crucial para ser resolvido: finalizar o processo de revisão do Código Florestal brasileiro - alterado em cinco artigos e com outros cinco inclusos por Medida Provisória (2.166-67/01). A despeito de estar congelada a MP, as mudanças operadas na lei florestal maior do país continuam sendo provisórias.
Para alguns, seria desnecessário retomar o tema. Mas, a nosso ver, urge uma ação articuladora do executivo, junto ao legislativo, para concluir o processo, convertendo, finalmente, a Medida em Lei. A provisoriedade das mudanças na norma gera instabilidade e insegurança aos proprietários e investidores privados.
Finalmente, deve-se considerar que a política florestal deve estar articulada com outras políticas nacionais: econômica, social, de geração de empregos, energética, habitacional, agrária, agrícola, industrial, de ciência e tecnologia, de exportações, de saúde, de segurança - sobretudo em áreas fronteiriças. A nosso ver, as ações aqui elencadas, empreendidas de forma sistematizada e coordenada, permitirão nortear a atuação setorial e articular a política florestal, com as demais políticas nacionais, e os interesses do país com os interesses internacionais sobre florestas e temas correlatos.