Me chame no WhatsApp Agora!

Luiz Carlos Estraviz Rodriguez

Professor de Economia e Planejamento Florestal da Esalq-USP

OpCP63

Produção com ciência, uma sinergia imbatível
O dicionário Michaelis oferece quatro significados para o termo “sinergia”. De forma geral, é o resultado da ação conjunta de forças simultâneas. Fisiologicamente, representa a associação de órgãos para executar um movimento. No sentido fármaco-químico, significa potencializar um efeito pela associação de diferentes substâncias. O mais inspirador, entretanto, é o sociológico, que diz ser a cooperação entre grupos ou pessoas em benefício de um objetivo comum.
 
A rotina diária com colegas de diferentes áreas da ciência me faz associar o tema sinergias do sistema florestal com a cooperação para melhor entender as florestas plantadas e naturais. Vou me ater apenas a sinergias que tornam os plantios florestais brasileiros mais eficientes e competitivos. Uma exemplar sinergia se observa na forma como as pesquisas florestais têm sido conduzidas cooperativamente entre empresas e a academia. No caso brasileiro, isso vem de longa data.
 
Na década de 1980, quando ingressei na carreira acadêmica, encontrei um ambiente onde vigorava a cooperação entre empresas e a universidade. A pesquisa, no Departamento de Ciências Florestais da Esalq/USP e as atividades desenvolvidas pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais (Ipef) estavam tão entranhadas, que era difícil dizer onde terminava, por exemplo, um estudo de cultura de tecidos conduzido por professores e estudantes e onde começavam os projetos coordenados pelo Ipef na área de clonagem de eucaliptos e pínus.

Desde então, a cooperação entre empresas e universidades tem sido modelo de sinergia e base para o acelerado desenvolvimento do setor florestal brasileiro nas últimas décadas. Na área de melhoramento, por exemplo, essa cooperação buscou domesticar e obter material genético mais produtivo, contando, inclusive, com a participação de outras instituições, como a Embrapa. O maior catalisador, nesse caso, foi a possibilidade de montar uma imensa rede de ensaios em diferentes latitudes e regiões do País. 
 
Essa rede permitiu expandir a base de dados e, claro, unir pessoas em prol de um objetivo comum, o aumento da produtividade. Várias outras iniciativas se multiplicaram igualmente para responder a questões hidrológicas, sanitárias e nutricionais decorrentes da intensificação produtiva. Essa cooperação tem sido uma das chaves do sucesso da indústria brasileira de base florestal. E, por isso, considero a associação da ciência com a produção como base para a evolução do manejo dos plantios florestais industriais, um exemplo imbatível de sinergia.

Outra sinergia, decorrente da anterior, se observa na forma como os processos produtivos se beneficiam dos avanços tecnológicos. Exemplo disso é a área de gestão florestal, na qual tenho atuado com razoável protagonismo e que passo a ilustrar com três casos. A disseminação de ferramentas matemáticas de otimização, que ajudamos a difundir para produzir planos ótimos de planejamento estratégico, serve de primeiro caso.

Na década de 1970, a programação linear, como técnica de otimização, permitia resolver apenas pequenos problemas em caríssimos mainframes mantidos em congelantes birôs de informática. Hoje, inúmeras alternativas, muitas gratuitas, permitem aos nossos alunos de graduação resolver problemas com dimensões praticamente infinitas. Desse processo, beneficiaram-se todos, e principalmente os nossos estudantes que, ao se aprofundarem nessa área, se tornaram especialistas e líderes de equipes de planejamento, no Brasil e no exterior.
 
Um segundo salto, também fruto da evolução na área de informática, se observa na forma como fomos capazes de absorver e universalizar o acesso a dados. Trinta anos atrás, os apontamentos em fichas de papel eram tabulados e incluídos em extensos relatórios com centenas de páginas. Levávamos meses para preparar um relatório, que, agora, são instantaneamente produzidos por especializados sistemas florestais informatizados. Integrados a sistemas de informação geográfica e a sistemas de sensoriamento remoto, é possível, hoje, identificar anomalias e disparar medidas de remediação em tempo real. Nesse caso, não apenas se beneficiaram os sistemas produtivos, pela precisão e eficiência, mas também a sociedade, que viu o mercado de trabalho se expandir para especializações antes inexistentes.
 
O terceiro salto, numa área que integra telecomunicações, ciência de dados, robotização e novos materiais, é fruto da digitalização do campo. Máquinas autônomas, sensores, redes de comunicação sem fio, satélites, sistemas de posicionamento e de localização por GPS nos disponibilizam, hoje, formas de operar que seriam impensáveis nas décadas de 1980 e 1990. Essa área está em franca evolução, e temos a sensação de que as possibilidades são infinitas. É no rastro desse terceiro salto que vemos, hoje, por exemplo, universidade, empresas e startups se unirem para transformar ideias em práticas operacionais. Busca-se o monitoramento florestal mais eficiente, preciso, ergonômico, seguro e integrado com as rotinas 4.0 de produção no campo.
 
Mais especificamente, cito a parceria Ipef/USP, que explora as novas tecnologias de escaneamento a laser (ProLiDAR), embarcadas em plataformas móveis de sensoriamento terrestre. Assim, mochilas e quadriciclos escaneadores multifuncionais digitalizam a paisagem florestal armazenando-a em nuvens de dados 3D. Como verdadeiros laboratórios portáteis, essas iniciativas vêm revolucionando não só o inventário, mas também o monitoramento de pragas, o mapeamento bi e tridimensional dos talhões florestais, a coleta de amostras, a identificação de sinistros etc.
 
Creio que esses exemplos ilustram como a ação concertada entre técnicos e pesquisadores promove o aprimoramento de processos nas empresas, nos produtores florestais, nos provedores de serviços e nas universidades. O fluxo de investimentos, entretanto, precisa se manter constante e, se possível, crescente. Agências públicas de financiamento da pesquisa têm sido fontes regulares, mas ainda é tímida a parcela de investimentos em P&D que compete ao setor privado. Em 2019, segundo dados da Ibá, as indústrias florestais tiveram uma receita bruta total de R$ 97,4 bilhões e investiram apenas R$ 25,5 milhões em P&D florestal. Esse valor é inferior ao que apenas a Fapesp investiu, no mesmo ano, em dois programas, o Biota (R$ 12,9 milhões) e Mudanças Climáticas (R$ 17,8 milhões).
 
Portanto, apesar de o passado e de o presente serem exemplares em termos de sinergias no sistema florestal, o futuro sinaliza para a necessidade de investimentos mais vigorosos em novas sinergias que aproximem os nossos sistemas produtivos da ciência. Maiores serão os desafios, exigindo sinergias mais eficazes para atender às novas demandas sociais e ambientais. E, assim, a cooperação entre empresas, universidades e institutos de pesquisa continuará sendo a mais importante de todas as sinergias no âmbito dos sistemas florestais brasileiros.