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José Luiz de Pereira Rezende

Pesquisador de Economia e Planejamento da UF de Lavras

Op-CP-15

A crise financeira global e o setor florestal brasileiro

A atual crise financeira internacional foi originada no mercado imobiliário americano. Após anos de crescimento, baixa inflação e taxa de juros, o sistema de créditos do país expandiu em demasia os chamados empréstimos subprime, ou seja, créditos com baixa perspectiva de retorno. Quando as pessoas deixaram de pagar, os bancos ficaram sem dinheiro.

Como eles trabalham interligados por meio de empréstimos e compra de títulos, o processo virou uma bola de neve. No estado de crise, procurou-se por títulos do governo e não por ações, canalizando recursos financeiros para os EUA, ao contrário do que se esperava, pois, apesar de tudo, ele ainda é o país
mais seguro para se investir.

A crise não começou no processo produtivo, mas como resultado do enxugamento da liquidez do mercado pelos bancos, fazendo com que a disponibilidade monetária quase desaparecesse nos principais países. Alguns grandes bancos conseguiram garantir seus próprios recursos, mas os bancos menores e os menos preparados realizaram uma autêntica corrida para as chamadas ilhas de segurança, em especial para os títulos do tesouro americano.

O fato da economia estar com altos estoques, no final de 2008, piorou a situação dos exportadores, pois, pode-se adiar novos pedidos, bem como aproveitar para renegociar os contratos vigentes. No setor florestal, os efeitos da crise foram grandes. A redução da atividade econômica, com escassez de crédito e baixa do consumo, reduziu a demanda dos principais importadores de celulose, papel, carvão, móveis e madeira para construção, com queda considerável de preços.

Entre maio de 2008 e janeiro de 2009, o preço da celulose de fibra curta caiu 26% no Brasil, e os preços de alguns papéis reduziram-se em até 30%. Contudo, os investimentos no setor continuarão. Há previsão de que sejam investidos US$ 11 bilhões até 2011 e US$ 10 bilhões entre 2012 e 2015. As expectativas são otimistas para o setor.

O enfraquecimento dos mercados de madeira em praticamente todo o mundo, com a possível exceção da China e da Índia, já fez com que pedidos de exportação fossem cancelados, causando redução de até 40%. A construção civil reduziu a demanda de ferro e aço no mundo, que, por sua vez, reduziu a de carvão vegetal, provocando redução de seu preço em mais de 60% no mercado interno. Em agosto de 2008 alcançava R$ 189/mdc e caiu para R$ 75/mdc em fevereiro de 2009.

A economia, em geral, vai precisar de crédito e a falta de liquidez terá forte impacto na produção de 2009. A produção madeireira, pode e deve ter uma defasagem, mas ela só ocorrerá daqui a 6 ou 7 anos. É possível, ainda, corrigir um pouco a situação com acertos e ajustes na idade de corte. Devido também aos altos preços da madeira nos últimos anos, a área plantada cresceu nos anos recentes, o que arrefecerá o possível desequilíbrio.


A possibilidade de um aprofundamento da crise não é mais real. Para muitos, não há mais crise e sim dificuldades a serem resolvidas. Os setores mais vulneráveis, tais como imobiliárias, seguradoras e bancos, já sofreram os impactos que deveriam sofrer. O impacto foi devastador durante o final de 2008 e início de 2009 na Europa, Japão e Estados Unidos, mas nos países do BRIC pareceu haver um efeito bem menor os quais não deixarão de crescer, ainda que em ritmo menos acentuado.

No Brasil, são apontados como possíveis arrefecedores dos efeitos da crise: o Proer deixou os bancos nacionais financeiramente sólidos e estes não possuem vínculos estreitos com o sistema bancário americano; as reservas externas, de US$ 200 bilhões, tranquilizam os investidores, tanto externos quanto internos, evitando maiores fugas de dólares e problemas cambiais; a ampliação do mercado interno nos últimos anos, hoje significa uma espécie de anteparo à crise; a menor dependência do mercado americano, cerca de 20%, no conjunto do comércio externo do país também tranquiliza.

Além disso, o país pode contar ainda com a desvalorização da moeda, a redução das taxas reais de juros e com o porte e pujança do mercado interno. A desvalorização relativa do Real vai estimular as exportações ou, pelo menos, evitar reduções mais acentuadas nas mesmas. Países como a China, por exemplo, não contam com essa alternativa.

As taxas de juros, por sua vez, ainda estão elevadas. Há espaços para reduções significativas, estimulando os investimentos e o consumo. Há que se considerar ainda que o mercado interno brasileiro é amplo e crescente. Contudo, não há consenso no tamanho do impacto sobre as economias emergentes.

A China deverá manter seu crescimento e as medidas fundamentais já foram tomadas. O crescimento chinês, mesmo que menor - os pessimistas falam algo entre 7 e 8,5%, deverá ser mantido. Isso é uma garantia para os países fornecedores de matéria-prima, tais como o Brasil.

A dúvida reside no maior mercado da China: os Estados Unidos. A capacidade dos americanos de continuarem como grandes compradores, com crédito difícil e caro pode ser determinante do crescimento chinês.

Havendo queda no ritmo das economias dos EUA e da Europa, a China pode mirar as economias emergentes como substitutos para alocar suas exportações. Felizmente, a China não é tão forte em produtos florestais, com exceção de móveis e alguns tipos de chapas. Caso a crise do mercado americano seja muito profunda e as compras americanas despenquem, é provável que a China torne-se agressiva na procura de mercados substitutos, na América Latina, principalmente.

Se isso acontecer, será inevitável o enfrentamento de uma concorrência chinesa muito mais ativa e dura, em mercados periféricos de interesse do Brasil. É possível que, a partir de 2010, surja um novo desenho do poder das nações no mundo. Os EUA sairiam da crise com seu poder hegemônico diminuído em vários sentidos, com a economia do país perdendo valor e atratividade e suas empresas, o valor relativo.

Em termos mundiais, dar-se-á uma nítida ampliação da ação estatal, revertendo um período de longa duração de liberalismo econômico, fortalecendo a ação do Estado como agente econômico. Se isso realmente ocorrer, a doutrina do livre mercado será fortemente atingida e, com ela, os EUA.
O Brasil exporta muita matéria-prima e alguns produtos acabados. Se a economia mundial continuar a encolher, as exportações também diminuirão, fazendo com que caiam os preços dos insumos e produtos.

A celulose é o principal produto florestal exportado pelo Brasil e está concentrada na China (25%), EUA (21%), Alemanha (15%) e Itália (12%), sendo seguidos por Japão e França. Com relação a painéis, o problema pode ser mais complexo, pois EUA e Reino Unido juntos representam 40% das exportações e são países que passam por significativa redução da atividade econômica.

No que se refere a papel, móveis e outros produtos, a pauta de exportações é mais diversificada, o que, em princípio, torna os riscos menores.
Acontecimentos recentes e relevantes têm evidenciado e magnificado a importância que o Brasil tem hoje no novo cenário mundial que se desenha, tanto por sua liderança na América do Sul, como também, como membro do BRIC e do G-20 e pelo papel que desempenha como uma das maiores economias do mundo.

A importância e a participação do Brasil no comércio mundial de produtos florestais não são menores do que na economia como um todo. Segundo previsões do FMI, os mercados financeiros só estarão plenamente restabelecidos a partir de 2010, contudo, o IPEA prevê que a economia crescerá 2% este ano, afirmando que a pior fase da crise financeira global já passou.

O crescimento será resultado de uma trajetória de recuperação ao longo do ano, com crescimento a taxas mais expressivas a partir do segundo semestre. Portanto, não se está prestes a ver o fim dos tempos como preconizam as aves de mau agouro e os profetas do apocalipse, mas todos serão obrigados a fazer um duro ajuste e correção de rumos, como consequência das inconsequências alheias. O país pode e deve aproveitar o momento para elaborar um planejamento estratégico para o setor florestal e procurar, por todos os meios possíveis, agregar valor a seus produtos.