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Jorge Luiz Colodette

Professor Titular da Universidade Federal de Viçosa

Op-CP-12

Biorrefinaria ou biomania?

O termo biorrefinaria é relativamente novo e refere-se à conversão da biomassa em uma gama de produtos, com pouco desperdício e mínimas emissões. É aplicado à indústria que transforma materiais brutos de fonte renovável (bagaço de cana, bambu, palha de cereais, madeira, licor negro Kraft, etc), em produtos de maior valor agregado (energia, materiais e produtos químicos). Fabricando produtos múltiplos, a biorrefinaria permite maximizar o valor derivado da matéria-prima.

Entretanto, esse conceito tem sido muito debatido na atualidade, tendo em vista seus possíveis impactos na agroindústria e, particularmente, na indústria de celulose e papel. Em relação à indústria de celulose e papel, existem duas estratégias de biorrefinaria:

1. processamento completo da biomassa, com geração de produtos de alto valor agregado, espelhando nas refinarias petroquímicas, e
2. conversão eficiente de algumas frações da biomassa em combustíveis, energia, materiais e/ou produtos químicos, sendo as demais utilizadas para fabricação de polpa celulósica.

O conceito de biorrefinaria tem sido aplicado, há décadas, pela indústria de celulose ao sulfito, onde o licor residual é utilizado para geração de produtos de alto valor, tais como lignossulfonatos, ácido acético, etanol, furfural, etc. Em menor extensão, também na indústria de celulose ao sulfato (Kraft) aplica-se esse conceito pela recuperação do licor negro (vapor/energia), da teribintina e do tall oil.

Recentemente, em face ao crescente aumento de preço da energia e dos combustíveis fósseis, o conceito de biorrefinaria evoluiu grandemente. Estudos realizados pelo USA Federal Energy Council indicam que o aumento anual de consumo de petróleo tem sido superior às novas descobertas dessa matéria-prima.

Esse fato concreto tem gerado uma avalanche de esforços, no sentido de tornar realidade o conceito de biorrefianaria, com investimentos milionários em P&D, especialmente na América do Norte e Europa. Na verdade, estamos vivendo um momento que poderíamos chamar de biomania, já que todo mundo está trabalhando no assunto, i.e., grande parte dos esforços científicos, outrora dedicados à indústria de celulose e papel e de produtos sólidos da madeira, estão sendo dedicados à biorrefinaria.

O Departamento de Energia dos EUA - DOE, define as plataformas termoquímicas e dos açúcares, para as futuras biorrefinarias. Nos EUA, o foco tem sido maior na plataforma dos açúcares, enquanto que na Europa, a termoquímica tem sido mais estudada. Dentro destas duas plataformas, existem inúmeros caminhos que podem ser seguidos, alguns destes já em fase avançada de projeto e/ou de implantação, como bem descreve o estudo de Ben Thorp, Compelling case for integrated Biorefineries, Nordic Wood Biorefinery Conference, de março passado, em Estocolmo:

1. Termoquímica 1: gaseificação da biomassa ou licor negro Kraft, com subseqüente conversão dos gases gerados (syngas) em biocombustíveis líquidos (Fischer-Tropsch catalytic reactor), tais como biogasolina, biodiesel, etc, com recuperação de calor.
2. Termoquímica 2: gaseificação da biomassa ou licor negro Kraft, com subseqüente fermentação do syngas e produção de etanol e outros produtos químicos.
3. Açúcar 1: hidrólise ácida da biomassa e/ou lixo municipal selecionado, seguida de fermentação e produção de etanol.
4. Açúcar 2: hidrólise enzimática da biomassa, seguida de fermentação e produção de etanol.
5. Açúcar 3: polpação organosolve da biomassa, com recuperação de polpa e de lignina e hemiceluloses do licor negro, sendo esta última fermentada a etanol.
6. Açúcar 4: extração das hemiceluloses dos cavacos e fermentação para produção de etanol, com subseqüente polpação dos cavacos extraídos, para produção de polpa e licor negro. Açúcar 5: polpação organosolve da biomassa, com recuperação da lignina e fermentação de toda a fração de carboidratos para etanol.

O conceito de biorrefinaria está alicerçado em muitos tipos de biomassa, que incluem amiláceos, madeira, resíduos de madeira, bambu, gramas, resíduos agrícolas (palhas de cereias, bagaço de cana, etc) e até mesmo em lixo municipal selecionado. Existe muito debate, na atualidade, em relação à biomassa mais adequada, do ponto de vista econômico, da competição em relação à produção de alimentos e da neutralidade, em relação ao balanço de CO2. Nesse particular, a madeira e os resíduos de madeira apresentam-se como excelentes fontes de biomassa. Enquanto não competem com a produção de alimentos, 1 hectare de floresta pode produzir 9.500 litros de etanol, enquanto que a mesma área cultivada com milho produz apenas 3.400 litros desse combustível. Por outro lado, a produção de biomassa florestal exige manejo muito menos intensivo que os produtos agrícolas (fertilização, irrigação, colheita, etc), atendendo melhor à neutralidade de CO2. Deve ser destacado que um hectare cultivado de cana-de-açúcar pode produzir até 13.000 litros de etanol, se for considerada também a produção advinda do bagaço.

Naturalmente, o cultivo da cana-de-açúcar é privilégio de poucos países, estando o Brasil em uma posição muito favorável, em relação a esta biomassa. É provável que o avanço da biorrefinaria no Brasil se dê, inicialmente, com a cana-de-açúcar, em vez da madeira. A maioria dos esforços em biorrefinaria estão focalizados na área de produção de energia, aqui incluídos os biocombustíveis.

Deve ser ressaltado que a biomassa anualmente produzida no planeta é insuficiente (< 30%) para atender à demanda de energia hoje proveniente do petróleo. Grandes investimentos terão que ser realizados no aumento da produção de biomassa. Embora a demanda mundial de biomassa para a produção de materiais e de produtos químicos seja muito pequena, não mais que 6% daquela necessária à produção de energia, existe muito interesse também nestes produtos, dado os seus elevados valores agregados, em alguns casos.

Exemplos destes incluem os chamados produtos químicos verdes, já usados em larga escala (xilitol, ácido succínico e seus derivados), produtos bioativos, utilizados nas indústrias de alimentos saudáveis (sitostanol), farmacêutica e cosmética (flavonóides, estilbenos, lignanas e outros antioxidantes). Dentre os materiais, destacam-se os bioplásticos, resinas furânicas, derivados de hemiceluloses, fibras de carbono, carbono ativo, resinas fenólicas e emulsões betuminosas derivados de lignina, e outros biopolímeros, tais como ácido poliláctico, nanocristais, etc.

Um estudo recente (não publicado) indica que, considerando os preços atuais de mercado da madeira, do petróleo e do bioetanol, a utilização mais lucrativa da madeira em grande escala é ainda para a produção de polpa Kraft branqueada. Neste estudo, foi determinada a seguinte relação relativa de lucratividade, para o uso da madeira: 100% (produção de polpa Kraft branqueada) > 7% (queima em caldeira de biomassa, para produção de vapor/energia) > -46% (produção de bioetanol).

Porém, a produção de ácido succínico, a partir da madeira, apresentaria lucratividade de 800%, isto é, 8 vezes maior que a produção de polpa branqueada. Deve ser ressaltado que o mercado mundial de ácido succínico não excede a 2 milhões de toneladas anualmente. Naturalmente, todos esses cálculos econômicos são baseados no preço de US$ 110/barril de petróleo.

Em sumário, pode ser dito que estamos vivendo o momento da “biomania”, porém com os crescentes aumentos no preço do petróleo e a potencial exaustão desse recurso natural não renovável, a biorrefinaria tornar-se-á uma realidade, a menos que encontremos uma forma mais efetiva de capturar a energia solar, que não seja através da fotossíntese.