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Ricardo Ribeiro Rodrigues e Sérgius Gandolfi

Professores de Ecologia e Restauração Florestal da Esalq

Op-CP-03

Adequação ambiental de propriedades rurais

Uma propriedade rural, em função da legislação ambiental, está constituída, hoje, das seguintes situações:

a. As Áreas de Preservação Permanente, APP, que se refere à faixa ciliar, nas margens de cursos d’água e nascentes, de largura variável, dependendo da largura do rio;
b. A Reserva Legal, RL, que é uma porcentagem da propriedade rural, variando de 20 (vários estados brasileiros) até 80% (estados do Norte), excluída a APP, que pode ser explorada economicamente, mas com espécies nativas e sem corte raso, e
c. As áreas agrícolas para produção, com alta tecnologia e baixo impacto.

As duas primeiras são reguladas pela legislação ambiental e a terceira pela legislação agrícola e ambiental, como fonte de perturbação das duas primeiras. A restauração florestal tem se concentrado no ambiente ciliar (APP), pois as matas ciliares desempenham papel ambiental importante nas microbacias hidrográficas, protegendo nascentes, atuando como filtro, preservando alta biodiversidade e atuando como corredores ecológicos, etc.

Isto também se deve à atuação dos órgãos fiscalizadores e mesmo certificadores. Já para Reserva Legal, em função da falta de padronização para regularização da RL entre estados, da inexperiência com restauração de áreas, passíveis de aproveitamento e da resistência para com a RL, as ações têm se restringido na proteção das florestas fora de APP, contabilizadas como RL.

A legislação ambiental possibilita a compensação do déficit de RL fora da propriedade, na mesma bacia hidrográfica, que pode ter vantagem, incorporando áreas de menor aptidão agrícola e/ou já florestadas, sem o ônus da restauração. Muito conhecimento científico sobre matas ciliares tem sido gerado nas últimas décadas, inclusive sobre os processos da sua dinâmica, o que tem conduzido a uma significativa mudança dos programas de restauração, que deixaram de ser mera aplicação de práticas agronômicas ou silviculturais, para assumirem a difícil tarefa da reconstrução das complexas interações existentes numa floresta.

Isto se deveu ao insucesso de muitas iniciativas de restauração e pelo uso indevido de ações de restauração. O desafio atual se concentra na tradução desse conhecimento em práticas de conservação, manejo e de restauração dessas florestas, num custo aceitável. Nessa discussão sobre restauração, um ponto de consenso é que o sucesso depende do efetivo restabelecimento dos processos ecológicos, responsáveis pela reconstrução gradual da floresta e da elevada biodiversidade, incluindo outras formas de vida, grupos da fauna e suas interações.

Esta diversidade pode ser implantada diretamente nas ações de restauração e/ou garantida ao longo do tempo, nas ações. A restauração de floresta, praticada pelo Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal, fundamenta-se em três preocupações principais:

1. De estabelecer as ações de recuperação, sempre atentando para o potencial de auto-recuperação existente nas áreas degradadas, que é definido pelo histórico da mesma e pelas características do entorno. As áreas com esse potencial não recebem o plantio imediato de mudas, mas sim ações para expressão da regeneração natural (RN), que após monitora-mento podem ser submetidas ao preenchimento (trechos sem RN) e enriquecimento (resgate da diversidade florística e genética), com mudas ou sementes;

2. De que as iniciativas de restauração resultem na reconstrução de uma floresta com elevada diversidade, garantindo, assim, a sua perpetuação. Para isso, são usadas outras estratégias de restauração, não apenas o plantio de mudas, como a transplante de plântulas alóctone (oriundo de outras áreas), o uso de serapilheira e banco de sementes alóctone, o uso de espécies atrativas da fauna (poleiros naturais e mesmo artificiais), a semeadura direta (plantio da semente) e outras, com base técnica. Pela imprevisibilidade das espécies envolvidas nessas ações, ocorre o resgate de outras formas de vida, além das árvores, e

3. Que todas as ações constituam-se num programa ambiental da propriedade, incorporando o componente ambiental na estrutura de decisão, garantindo a restauração e não degradação, além da racionalização dos recursos. Nesse contexto, um possível uso econômico das APPs é considerado, como:

a. Plantio inicial de espécies agrícolas nas entrelinhas, como forma de manutenção, e
b. O favorecimento de nativas de possível aproveitamento futuro nas linhas, como frutíferas, medicinais e melíferas, restrito às pequenas propriedades familiares.

No Programa de Adequação Ambiental do LERF, Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da Esalq-USP, estas questões são consideradas e o relatório gerado aponta as irregularidades de cada propriedade, a metodologia mais adequada de restauração de cada situação, as espécies mais adequadas, a marcação de matrizes, a produção de mudas e um cronograma para garantir a restauração em tempo adequado, sem comprometer a viabilidade econômica da propriedade.

Esse relatório é submetido e aprovado nos órgãos licenciadores e constitui-se na base dos processos de certificação ambiental, como FSC, Cerflor, ISO 14000 etc. Até março de 2006, o LERF já protocolou, nos órgãos fiscalizadores, relatórios referentes a 1.020.000 hectares de áreas produtivas, em vários estados brasileiros, tendo já restaurado 3.000 hectares de matas ciliares, e gerado um compromisso anual de 950 hectares por ano, nos próximos 10 anos, que acreditamos se constituir num instrumento de política pública, para adequação ambiental da atividade de produção.