Professor do Departamento de Ciências Florestais da Esalq-USP
Op-CP-24
A água é elemento fundamental nos processos da biosfera, e sua disponibilidade natural delimita regiões onde é ou não é possível obter a desejada produtividade florestal. Essa condição básica constitui imposição natural climática que o planejamento do empreendimento florestal deve respeitar, a ponto de comprometer sua sustentabilidade econômica.
A disponibilidade natural da água é o resultado do balanço hídrico climático entre a precipitação e a evapotranspiração potencial. Ou seja, não basta se basear apenas na precipitação anual para definir se a região tem ou não tem água suficiente. Quando a precipitação anual é maior do que a evapotranspiração potencial, ocorre excedente hídrico, que abastece o lençol freático e alimenta a vazão dos riachos.
Condições de evapotranspiração potencial maior do que a precipitação definem regiões secas, onde normalmente só há água superficial quando chove. O Nordeste semiárido, nesse sentido, já é bastante conhecido por todos, mas há também outras regiões do País onde esse balanço é crítico.
E há também regiões onde, em média, ocorre algum excedente hídrico, mas, em geral, muito pequeno e também variável de ano para ano. Tentar encontrar alternativas para a expansão florestal nessas regiões, mesmo com a ajuda da engenharia genética, carrega alto risco, não apenas do ponto de vista do sucesso do empreendimento, mas principalmente ambiental.
É imprescindível, portanto, que a análise do regime hídrico constitua aspecto fundamental no planejamento das novas fronteiras da expansão de florestas plantadas no País, a fim de evitar que os benefícios econômicos dessa expansão não sejam suplantados pelos custos ambientais.
Do ponto de vista hidrológico, os inúmeros resultados experimentais obtidos com plantações florestais no mundo todo, inclusive no Brasil, mostram, primeiro, que plantações florestais com espécies de rápido crescimento demandam muita água. Porém, mais importante, eles mostram, também, que esse consumo, embora alto, se mantém dentro das disponibilidades naturais de água, ou seja, não se trata de processo descontrolado e inerentemente impactante.
E a análise conjunta desses inúmeros resultados mostra, também, que a ocorrência de impactos hidrológicos vai depender essencialmente da análise prévia das condições naturais de disponibilidade de água. Assim, em regiões onde o excedente hídrico é normalmente pequeno, que resulta em deflúvio médio anual menor do que 10% da precipitação anual, então é bem possível que as plantações florestais vão usar todo esse pequeno excedente hídrico, na escala de microbacias.
Na linguagem popular, isso corresponde a materializar o mito de que “seca o solo”. Por outro lado, em regiões úmidas, de alto excedente hídrico, onde o deflúvio médio anual é normalmente maior do que 30% da precipitação anual, as plantações florestais apresentam, em geral, alta produtividade, por sua vez correspondente a uma maior evapotranspiração.
Nessas condições, pode ocorrer, também, alguma diminuição no deflúvio na escala de microbacias, mas não o secamento completo do riacho. Evidentemente, no primeiro caso, a eventual diminuição da água superficial pode ser ambientalmente mais perversa do que no segundo.
Essas evidências mostram a importância do planejamento adequado da expansão florestal nas novas fronteiras. Mais do que isso, elas requerem uma mudança de enfoque nas relações entre a silvicultura e a água, no sentido de também se preocupar com a permanência da água superficial, a água azul, que é a água que atende a todas as demais demandas desse precioso líquido, inclusive a demanda ambiental.
Não há nada de errado em fazer plantações florestais, ou na expansão dessas plantações para novas áreas. Não deve também ser motivo de preocupação o fato de que elas precisam de muita água, pois isso é evidência já demonstrada. O que se deve verificar, todavia, é se esse consumo de água para atender à produção florestal está dentro das possibilidades do meio, para garantir a permanência da vazão nos riachos.
Na escala operacional, isso equivale a implementar estratégias hidrossolidárias de manejo, cujo alcance envolve alternativas de espaçamento, rotação, fisiologia das espécies, percentual de ocupação da área da microbacia pelos talhões florestais, proteção das áreas hidrologicamente críticas das microbacias, proteção da superfície do solo, etc. Esse é o grande desafio da sustentabilidade hidrológica do manejo de plantações florestais.