Me chame no WhatsApp Agora!

Cristiane Pedrazzi

Coordenadora do LAQUIM - Laboratório de Química da Madeira da UFSM e Editora-chefe da revista Ciência Florestal

OpCP80

Nanocristais de celulose: novos produtos para aplicações avançadas
Produtos obtidos a partir de fontes renováveis têm despertado o interesse de diversos setores industriais, que buscam atender a um mercado consumidor cada vez mais atento às questões sociais e ambientais. Paralelamente, a demanda por materiais com propriedades químicas e mecânicas capazes de atender a uma ampla variedade de aplicações tem impulsionado estudos e pesquisas na área da nanotecnologia.
 
A madeira é um material naturalmente renovável, proveniente de plantações florestais conduzidas com práticas de manejo sustentável. No Brasil, destaca-se por seu baixo custo de produção, ampla disponibilidade e relevância econômica. Além de sua capacidade de regeneração, a madeira atua como um importante reservatório de carbono, contribuindo significativamente para a mitigação das mudanças climáticas. Seu principal componente químico, a celulose, que representa cerca de 50% da parede celular das fibras do lenho, é reconhecida como o polímero mais abundante da natureza.

Nesse contexto, a madeira tem ganhado destaque como matéria-prima para o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis nas indústrias de transformação de materiais lignocelulósicos, sendo cada vez mais valorizada em processos alinhados aos princípios da bioeconomia. 
 
O avanço de estudos na nanotecnologia, impulsionados pelo uso de fontes renováveis para fabricação de produtos de alto valor agregado, vem mostrando resultados fantásticos com a aplicação e incorporação da nanocelulose obtida da madeira em diferentes segmentos industriais, possibilitando o aumento pelo interesse por nanomateriais de base florestal. 

De acordo com suas características morfológicas, químicas e físicas, bem como com os métodos de obtenção e aplicações específicas, a nanocelulose é classificada em três tipos principais: celulose nanocristalina (CNC), celulose nanofibrilada (CNF) e nanocelulose bacteriana (CNB). Dessa forma, a escolha do tipo de nanocelulose deve considerar o método de obtenção e as propriedades desejadas, em função da aplicação final do material.

No caso da celulose nanocristalina (CNC), também conhecida na literatura como Nanowhiskers ou bastonetes, os nanocristais de celulose são obtidos a partir da hidrólise seletiva das regiões amorfas da cadeia principal, mantendo a maior parte das regiões cristalinas. Esse processo de obtenção da CNC a partir da biomassa lignocelulósica ocorre em duas etapas principais: na primeira etapa, é aplicado um processo químico para a remoção da lignina, da hemicelulose e de outros componentes químicos não celulósicos presentes na biomassa, resultando no isolamento da celulose; na segunda etapa, os cristais de celulose são extraídos da matriz amorfa por meio de hidrólise ácida.
 
As celuloses nanocristalinas (CNCs), obtidas a partir de polpas celulósicas de madeira, podem ser utilizadas em setores como o de cosméticos, farmacêutico e de alimentos. Por apresentarem propriedades cristalinas como elevada rigidez, estabilidade térmica e alta razão entre superfície e volume, o principal uso desses bastonetes de dimensões nanométricas é na produção de compósitos de matriz polimérica e nanocompósitos. Nesses materiais, as CNCs são incorporadas como agentes de reforço, possibilitando, por exemplo, a fabricação de papéis nanoestruturados e embalagens com propriedades avançadas.

Em razão da valorização dos bioprodutos e das inúmeras aplicações das CNCs, diversas técnicas de extração de nanocristais vêm sendo estudadas, utilizando biomassas vegetais como fontes de celulose. Devido à sua composição química, a madeira, como mencionado anteriormente, é considerada uma excelente matéria-prima para o isolamento desses nanocristais, pois pode gerar altos rendimentos de CNCs quando comparada a outras biomassas. 

Com o propósito de isolar nanocristais de celulose a partir da polpa kraft da madeira de Acacia mearnsii, popularmente conhecida no Brasil como “acácia-negra”, foi desenvolvido um estudo que investigou o efeito da concentração de ácido sulfúrico (H2SO4) durante a hidrólise da polpa kraft sobre as propriedades químicas, estruturais, morfológicas e térmicas dos CNCs isolados. A pesquisa científica foi realizada no Laboratório de Química da Madeira (LAQUIM) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e publicada em 2024 na revista Polymers.

No estudo, constatou-se que a concentração do ácido sulfúrico exerce efeito significativo no rendimento da hidrólise ácida. Foi possível isolar CNCs a partir da polpa kraft de acácia-negra utilizando ácido em baixa concentração, obtendo nanocristais com morfologia característica de bastonetes, dimensões nanométricas homogêneas em comprimento e largura, fator que favorece seu uso na produção de nanocompósitos, além de alta estabilidade térmica, elevado índice de cristalinidade e excelente estabilidade coloidal em meio aquoso. 
 
A imagem em destaque apresenta os nanocristais isolados da polpa kraft de Acacia mearnsii (com destaque em vermelho). O potencial dos diferentes tipos de nanocelulose extraídos da madeira, especialmente da nanocelulose cristalina (CNC), abre novas oportunidades e possibilita o desenvolvimento de produtos inovadores para as indústrias de base florestal que buscam aprimorar seus processos. 
 
Aperfeiçoar métodos e desenvolver novas tecnologias para otimizar o isolamento desses nanocristais é essencial para ampliar seu potencial de aplicação na fabricação de materiais que exijam alta resistência mecânica, baixa permeabilidade a gases e grande área superficial, além de serem facilmente degradáveis no meio ambiente, características que atendem às demandas da sociedade atual, reconhecida como “consumidor sustentável”. 

Nanocristais de celulose isolados de Acacia mearnsii.