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Paulo Henrique Pereira

Secretário de Meio Ambiente de Extrema-MG

Op-CP-39

A governança ambiental nos municípios

O maior desafio para a implantação das políticas ambientais no Brasil consiste na ausência de um modelo de gestão ambiental municipal, pois é nos territórios dos municípios que as ações se concretizam e onde toda a população vê ou deveria ver os resultados das políticas públicas. As legislações ambientais que tratam das florestas, da biodiversidade, dos recursos hídricos, dos resíduos sólidos e do saneamento dependem de uma ação local para que seus instrumentos sejam, de fato, executados.

É muito comum ouvirmos “que a lei não pegou”, e prova disso é que temos apenas 8% da mata Atlântica original e lixões e esgotos lançado in natura na maioria dos municípios. Em resumo, o que temos são municípios com uma visão de curto prazo, apagando incêndios de quatro em quatro anos, pois, em muitos casos, os prefeitos administram somente a folha de pagamento e, às vezes, não conseguem concluir seus mandatos, não têm planejamento; sem diagnósticos consistentes, planos de metas e ações sem avaliações e quase nada de estrutura física, técnica e pouco orçamento. O cenário é desanimador.

O financiamento da gestão ambiental no nível municipal é, hoje, um grande desafio para os governos locais. A importância de os municípios incidirem sobre a agenda socioambiental tem sido cada vez maior, ainda mais em um momento de agravamento da crise hídrica e do aumento da incidência de eventos climáticos extremos. Apesar dessa importância, não existe, hoje, um mecanismo sistemático de repasse de recursos para os municípios, direcionados à gestão ambiental local.

A falta de planejamento de longo prazo e de quadros técnicos para políticas ambientais locais impede que a sociedade colha os resultados esperados, por isso é preciso lutar por melhorias nas condições ambientais para promover os indicadores de qualidade de vida. O fortalecimento da governança local para as políticas ambientais é a saída para que, de fato, possamos ver unidades de conservação realmente preservadas: o Código Florestal com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Plano de Recuperação Ambiental (PRA) implantado, o licenciamento ambiental de empreendimentos com impactos locais acompanhados, os resíduos sólidos e a coleta seletiva com tratamento adequado, o esgoto coletado e tratado, os mananciais de abastecimento e as bacias hidrográficas protegidos, a educação ambiental difundida. E todas essas ações acompanhadas, divulgadas e discutidas com a participação da sociedade civil.

A Gestão Ambiental em Extrema: Em Extrema-MG, localizada na Serra da Mantiqueira, com um pouco mais de 30.000 habitantes, os mecanismos de gestão ambiental evoluíram ao longo dos últimos 20 anos, pois a conjuntura política foi bastante favorável. Tivemos uma continuidade administrativa raríssima para o padrão brasileiro, sete mandatos consecutivos com um mesmo grupo, focado em resultados, e o atual prefeito está cumprindo o seu quinto mandato e fez duas vezes o sucessor.

O grande problema de uma administração de longo prazo é não poder utilizar os velhos jargões como: “foi culpa da administração anterior”, não poder falar sobre a “herança maldita” ou utilizar o argumento “de que não tivemos tempo” para executar os projetos prioritários. As desculpas usadas para justificar a ineficiência da gestão pública não nos cabem, temos de inovar sempre e apresentar resultados.

Nesses vinte anos de gestão ambiental, passamos por todas as fases de planejamento: realizamos estudos, elaboramos diagnósticos, publicamos a Agenda 21 de Extrema, estabelecemos os arcabouços legais, criamos um corpo técnico de carreira, uma estrutura física e equipamentos adequados; estabelecemos parcerias com entidades da União, do estado de Minas, com os Comitês de Bacias Hidrográficas, com ONGs ambientalistas e com empresas privadas; consolidamos a participação da sociedade civil nas tomadas de decisão das políticas ambientais e implantamos projetos continuados de educação ambiental; monitoramos, reavaliamos, e um novo ciclo de planejamento inicia-se.

Após tanto esforço, os resultados apareceram: a Fundação João Pinheiro criou o Índice Mineiro de Responsabilidade Social (IMRS), com o objetivo de fornecer ao governo estadual e aos municípios mineiros subsídios para o planejamento das políticas públicas e a alocação de recursos financeiros, materiais e humanos. O índice disponibiliza mais de 500 indicadores nas áreas de saúde, educação, segurança pública, finanças, meio ambiente e habitação, esporte e turismo, renda e emprego, assistência social e cultura para todos os 853 municípios do estado de MG.

Extrema é classificada como a primeira colocada no IMRS.  Esses mecanismos de gestão se transformaram em programas e projetos que nasceram da necessidade de resolver uma demanda da sociedade e não apenas para o cumprimento de exigência legal. Como principais projetos ambientais, posso citar: O Programa Municipal de Resíduos Sólidos foi iniciado em 1995, sendo Extrema o sexto município no estado de Minas Gerais a implantar o aterro sanitário, em seguida a coleta seletiva domiciliar e a compostagem dos resíduos orgânicos; hoje, temos um sistema consolidado com baixo custo, que emprega e gera renda e dá destino adequado aos resíduos sólidos. Esse projeto teve e tem um forte componente de educação ambiental e comunicação social.

E o fizemos quando não havia exigência legal, o que se materializou apenas em 2010, com a Política Nacional de Resíduos Sólidos e ainda caminha a passos lentos. Temos também, no centro urbano de Extrema, 100% do esgoto coletado e tratado. Implantamos a Política e o Sistema Municipal de Meio Ambiente, que é composto pela Secretaria de Meio Ambiente (SMA) e pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (Codema). Iniciamos, em 2006, o licenciamento ambiental para os empreendimentos potencialmente poluidores, com impactos locais.

Projeto Conservador das Águas: O Projeto Conservador das Águas, primeira experiência brasileira em pagamento por serviços ambientais (PSA), instituído por uma lei municipal, foi concebido com o objetivo de manter a qualidade dos mananciais de Extrema e promover a adequação ambiental das propriedades rurais, priorizando uma ação mais preventiva do que corretiva. O entendimento era de que o mecanismo de comando e controle como único instrumento de gestão ambiental para adequação ambiental das propriedades rurais já se havia esgotado e não garantia o aumento da cobertura vegetal ou a preservação dos mananciais. Um instrumento econômico na linha do PSA se mostrava mais eficiente.

As microbacias de Extrema contribuem para a sub-bacia do rio Jaguari, que, juntamente com a do rio Atibaia, forma a bacia hidrográfica do rio Piracicaba. Constituem parte de um dos principais mananciais de abastecimento público do Brasil chamado Sistema Cantareira, construído com o objetivo de abastecer a região metropolitana de São Paulo.

Detalhes do projeto: O projeto é executado conforme determina a Lei Municipal nº 2.100/05 e seu regulamento, o Decreto nº 2.409/10, e é implantado por sub-bacias. Nos critérios de escolha, foi estabelecido que o início se daria pela sub-bacia com menor cobertura vegetal: a das Posses, que possui, aproximadamente, 1.200 ha, com menos de 10% de cobertura vegetal nativa, e todas as propriedades necessitando de ações para a adequação ambiental. 

A escolha das sub-bacias hidrográficas para a implantação do Projeto Conservador das Águas leva em consideração os seguintes fundamentos:

 

  • O projeto será implantado primeiro nas sub-bacias já estudadas e monitoradas;
  • A sequência de implantação será da sub-bacia com menor cobertura vegetal para com maior cobertura vegetal, priorizando a bacia à montante da captação de água do município no rio Jaguari, na seguinte ordem: 1º, das Posses; 2º, dos Saltos; 3º, dos Forjos; 4º, do Juncal; 5º, das Furnas; 6º, dos Tenentes; 7º, do Matão;
  • A implantação das atividades previstas no projeto dentro da sub-bacia será realizada nas propriedades rurais de montante para jusante do sistema hídrico, ou seja, das nascentes para a foz do curso-d’água;
  • A partir de todos os levantamentos das propriedades, início do processo de convencimento para a adesão dos agricultores no projeto.

Os critérios de elegibilidade dos proprietários rurais para a participação no projeto são:
 

  • ter propriedade rural inserida na sub-bacia hidrográfica trabalhada no projeto;
  • ter propriedade com área igual ou superior a dois hectares.

Ações: O Projeto Conservador das Águas, embora inspirado no Produtor de Água da ANA, tem peculiaridades próprias, notadamente, na forma de remuneração dos prestadores de serviços ambientais. Ele considera a adequação ambiental da propriedade o seu maior objetivo; os serviços ambientais e sociais gerados nessas propriedades (água com qualidade, a biodiversidade, sequestro de CO2, distribuição de renda), os principais produtos.

Segundo o que estabelece o Decreto nº 2.409/10, o projeto individual de cada propriedade tem início com o levantamento planimétrico da sub-bacia hidrográfica e com a elaboração da planta digital do imóvel rural, indicando a situação atual e a futura, e o projeto técnico, realizado pela Secretária de Meio Ambiente (SMA). As ações e metas que forem definidas farão parte do termo de compromisso a ser celebrado entre o proprietário rural e o município de Extrema, com o objetivo de execução das ações e cumprimento das metas. O Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (Codema) analisa e delibera os projetos técnicos a serem implantados nas propriedades.

Pagamentos: O apoio financeiro aos proprietários rurais habilitados inicia com a assinatura do termo de compromisso e a implantação do início das ações do projeto executivo. O valor para o PSA de Extrema utilizou o custo de oportunidade das propriedades, valor de arrendamento médio de pastagem por hectare por ano. O valor de mercado era, em 2005, R$ 120,00 por hectare por ano. Assim, o valor a ser pago proposto foi de R$ 141,00, com a utilização da Unidade Fiscal de Extrema (UFEX) como referência, valor equivalente a 100 UFEX em 2005 (em 2015, 100 UFEX eram equivalentes a R$ 235,00).

E, como o objetivo é a adequação ambiental da propriedade rural, optou-se por fazer o pagamento pela sua área total. Os pagamentos são divididos em 12 parcelas, a serem pagas até o dia 12 de cada mês. Os pagamentos são efetuados através de depósito em conta bancária ou cheques nominais, que o produtor rural recebe, mensalmente, na sede da Prefeitura de Extrema.

Os agricultores também recebem os projetos técnicos, todos os insumos e a mão de obra necessária para o cumprimento das metas. A SMA elabora relatório até o dia 30 de cada mês, atestando o cumprimento das metas estabelecidas e propondo novas metas para o mês subsequente. O não cumprimento das metas acarreta a interrupção do apoio financeiro. Os contratos são de quatro anos, podendo ser renovados. Os primeiros contratos, assinados em 2007, foram todos renovados em 2011 e serão novamente renovados em 2015; atualmente, 180 contratos foram assinados.

Fontes financiadoras: Na primeira bacia, a das Posses, a prefeitura ficou responsável pelo PSA, e as entidades, pelos investimentos nas ações. Na segunda bacia, a do Salto, foi obtido apoio do estado de Minas ao PSA para 2.000 ha. E, na terceira bacia, obtivemos recursos provenientes da cobrança pelo uso das águas dos Comitês PCJ. Os bons resultados desse projeto só foram alcançados devido à grande gama de parceiros que nos apoiam e são atores reais  no Projeto Conservador das Águas do município de Extrema-MG.