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Roberto Isao Kishinami

Diretor Geral da NRG Consultoria em Energia e Meio Ambiente

Op-CP-01

Energia e produção de celulose e papel

O desenvolvimento tecnológico na conservação e produção de energia tem um papel fundamental no futuro da economia da produção de celulose. Mais do que em qualquer outro segmento industrial intensivo no consumo de energia, a manutenção de vantagens competitivas depende do controle sobre os custos de geração da eletricidade.

A produção de celulose e papel é altamente consumidora de energia térmica e eletricidade. No Brasil, o consumo médio de eletricidade na produção de celulose gira em torno de 600 KWh por tonelada de pasta seca. Esta celulose, levada ao estágio de papel, consome outros 870 KWh, por tonelada de produto final. As variações no consumo de eletricidade são maiores na produção do papel, se comparadas à produção de celulose.

Neste último caso, predomina, em território nacional, a produção baseada em eucalipto – fornecedora de fibras curtas – e favorável à via da pasta mecânica de alto rendimento. Um dos resultados dessa via é que há, proporcionalmente, menor volume de derivados da biomassa no processo para compor a parte sólida do licor negro, principal insumo para a produção de vapor e – em cogeração – eletricidade.

Apesar desta limitação, as plantas de celulose, produzidas nas duas últimas décadas em território nacional, são praticamente auto–suficientes em energia térmica e em eletricidade. Situação oposta a das fábricas de produção de papel, onde os produtos mais sofisticados ou de maior valor agregado exigem maiores consumos da eletricidade, fornecida pelo sistema público.

Na produção de celulose, ou de papel, quando esta se dá de forma integrada, o fígado e o coração do processo estão na caldeira de recuperação. Neste equipamento, faz-se tanto a recuperação das substâncias químicas de processo, como a produção do vapor para fins térmicos e de geração de eletricidade.

Nele estão concentrados a maior parte dos esforços para o aumento da geração de eletricidade, tanto pela via do simples aumento da pressão do vapor, como pela via das mudanças de tecnologia, como a substituição das turbinas de condensação por turbinas de contrapressão, combinadas com pré-aquecimento da água e do ar de alimentação da caldeira.

A importância dessas medidas de redução da dependência da produção de celulose em relação ao consumo de eletricidade das redes públicas de distribuição, pode ser compreendida pela verificação de três características da atividade econômica, que tendem a colocá-la em direto confronto com as políticas públicas da atualidade. A primeira característica é a já mencionada intensidade no consumo de energia.

Isto só é contrabalançado – no setor celulose e papel – pelo fato de quase metade da eletricidade consumida ser autogerada (48% no ano de 2004), muito embora essa autoprodução esteja concentrada na etapa de produção da celulose. A segunda característica de importância é que se trata de uma atividade intensiva em capital.

O reflexo social disso é que sua capacidade de geração de emprego, por unidade monetária investida, é significativamente baixa. Usando os dados para o ano 2000, do IBGE do MME, obtém-se que o setor de celulose e papel contribui com 1% do PIB em valor agregado, com o uso de 5% do consumo final energético nacional, e geração de 3,8 empregos, por milhão de empregados ativos, contra 13 do setor têxtil e 23, do agropecuário.

A terceira característica a considerar é que a inserção da celulose no mercado de commodities apresenta ciclos – em período aparentemente decenal – em que se passa de preços quase predatórios, a preços fracamente encorajadores de novos investimentos. Isto reflete, por sua vez, na variabilidade da relação entre o consumo de energia e o valor agregado por tonelada de celulose.

Esse índice varia – historicamente – de 50%, apenas em função da variação de preços do produto no mercado internacional. A intensidade energética da celulose anda hoje na casa de 1,0 tonelada equivalente de petróleo, por mil dólares de valor agregado (tep/US$ 1,000), mas esteve próxima dos 1,3 tep/US$ 1,000 na década de 1990. Esse índice é alto, bastando ver que a mineração apresenta 0,7 tep/US$ 1,000 e a industria têxtil 0,4 tep/US$ 1,000.

Além dos fatores anteriores, deve-se ter em mente que, ao longo da década de 1990, o consumo de eletricidade pelo setor de celulose e papel cresceu mais do que a sua contribuição em valor agregado para a formação do PIB. A tendência no mercado de energéticos é visivelmente de alta, tanto pelo aumento nos preços do petróleo – commodity que ainda serve de referência na precificação dos combustíveis – como pelos custos de geração de eletricidade em território brasileiro.

As alternativas de geração hidroelétrica de grande porte encontram-se não só distantes dos centros consumidores, mas em ecossistemas ou biomas que deverão demandar complexos e polêmicos estudos ambientais. Novamente, isso se traduz em custo crescente, uma vez que a sempre insuficiente poupança pública estará alocada em projetos de longa maturação e alto risco.

Esta tendência nos custos da energia atinge apenas indiretamente o setor de celulose, uma vez que ela é forte auto–produtora. Entretanto, com uma dependência crescente da eletricidade ofertada pela rede pública, o setor poderá experimentar uma combinação particularmente adversa de baixos preços do produto, contra uma forte alta do preço do segundo, mais importante insumo de produção.

Ao lado da questão energética, há um outro conjunto de fatores ambientais que podem favorecer a colocação da celulose brasileira no mercado externo. Por exemplo, frente ao esforço pela redução global nas emissões de gases de efeito estufa – cuja principal fonte é a queima de combustíveis fósseis, a produção de celulose, sem o consumo de combustíveis fósseis, pode agregar valor ao produto.

Entretanto, esta afirmação depende da efetiva auto-suficiência energética das plantas de celulose. Pode-se concluir que o momento atual é o ideal para consolidar as alternativas de aumento da auto-produção de eletricidade, com vistas à redução da dependência de energéticos extra-planta. Sempre que possível, estas plantas deveriam posicionar-se para ofertar eletricidade excedente para a rede pública.