Me chame no WhatsApp Agora!

Paulo Roberto de Souza Moutinho

Diretor Executivo do IPAM Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia

Op-CP-25

Desenvolvimento ou preservação: um falso dilema

A ideia de que a preservação florestal representa um entrave ao desenvolvimento e ao crescimento econômico está, historicamente, arrigada basicamente na noção de que manter floresta em pé não gera renda e não garante a posse da terra. Por um viés institucional, tomo aqui a Amazônia como exemplo dessa tese.

O modo como a região foi ocupada ao longo das últimas duas décadas resultou na conversão de mais de 70 milhões de hectares de floresta em outros usos, especialmente pastagens extensivas e de baixa produtividade. Apesar da consciência crescente do valor global, climático, biológico e cultural das florestas, tê-las parece ainda ser desvantajoso e desencorajador.

Um sentimento que, em grande parte, tem conduzido a discussão atual sobre Código Florestal é: para “produzir” é preciso remover barreiras impostas pela legislação florestal. A tradução, no chão, desse sentimento é, por exemplo, o preço atual da terra na Amazônia. Um hectare de terra “limpa” em uma propriedade com pouca ou nenhuma Reserva (florestal) Legal pode valer vinte vezes mais do que em outra que está de acordo com a legislação.

Por conta da expectativa de alteração do Código, o risco imediato é a volta dos desmatamentos especulativos, já motivados pelo aumento de preço de commodities (grãos e carne) no mercado internacional e o avanço de investimentos em infraestrutura (PAC).

Tudo isso, justamente agora que a sociedade brasileira conseguiu duas preciosidades da sustentabilidade na área florestal: a redução expressiva do desmatamento amazônico e o estabelecimento, por lei, de metas de redução de emissões de gases de efeito estufa.

Parece difícil o entendimento de que o desmatamento que oferece lucro fácil e imediato hoje poderá resultar num imenso prejuízo socioambiental e econômico amanhã. Basta olhar para o passado. O resultado ambiental e socioeconômico de duas décadas de desmatamento acelerado na Amazônia é desanimador.

Além de emitir anualmente mais 100 milhões de toneladas de gases estufa para a atmosfera, a perda de cobertura vegetal poderá dar margem a reduções importantes (25%) no regime de chuvas da região e fora dela. Um furo enorme no regador do agronegócio brasileiro. Quanto mais seca e fragmentada, mais inflamável a floresta fica e mais prejuízos são anunciados.

Em 1998, esses prejuízos chegaram a quase 10% do PIB amazônico (5 bilhões de dólares). Só o SUS gastou, naquele ano, US$ 11 milhões no tratamento de problemas respiratórios devido ao ar enfumaçado. Um dano raramente contabilizado. O estrago é proporcional no nível social. Assim como há duas décadas, ainda hoje pessoas tombam por conflitos agrários.

Recentes estudos sobre pobreza demonstram que a economia da região demandante de desmatamento não gerou o básico: uma justa distribuição de renda. É fato que, por conta de ações de governo e seus programas assistenciais, as taxas de pobreza estão caindo no País, mas a sua distribuição geográfica permanece inalterada.

A taxa de pobreza absoluta (R$ 67-134,00 per capita) na região Norte era de 40% em 2008, o dobro da taxa no Sudeste e somente 10% abaixo da nordestina, que sofre com seu clima árido. É evidente, portanto, que a preservação florestal não representa um entrave ao desenvolvimento econômico.

Nesse contexto, o discurso comum de que temos que achar um meio de conciliar prevenção ambiental com desenvolvimento/crescimento econômico soa como totalmente falso. Não precisamos conciliar nada. Pelo contrário, num cenário de mundo em aquecimento, a preservação ambiental ou florestal poderá representar uma alavanca para um novo paradigma de desenvolvimento, geralmente qualificado como de “baixa emissão de carbono”.

O País já discute suas políticas de pagamento de serviços ambientais ou de compensação para a conservação florestal ou redução do desmatamento, que tem um potencial econômico de bilhões de dólares através do que conhecemos como comércio de emissões ou carbono. E tudo isso sem abrir mão dos expressivos índices de produção agrícola.

O incentivo, através de programas, para uma agricultura mais sustentável está surgindo, como o plano de agricultura de baixo carbono. Além disso, mudanças em alguns sistemas de produção poderiam resultar em enormes ganhos. E meios para isso não faltam.

O País poderia, por exemplo, expandir em mais de 50% sua agricultura e recuperar uma boa parte de seu passivo ambiental, se houvesse uma intensificação da pecuária capaz de manter não mais um boi por hectare, mas um boi e meio. Seríamos, ao mesmo tempo, uma potência agrícola e ambiental.