Dados do WWF, de meados desta década, indicam que o crescimento da população mundial até 2050 somado às políticas de desmatamento líquido zero, poderão triplicar a demanda por madeira de floresta natural manejada (FNM) e de plantação florestal comercial (PFC), gerando uma demanda de cerca de 250 milhões de hectares de PFC; dos quais, 26,6 milhões somente na América Latina e Caribe.
O Brasil tem 8 milhões de hectares com PFC, a maioria com pinus e eucalipto. Espaço que pode ser no mínimo duplicado caso se efetive o cenário posto pelo WWF, abrindo espaço para o crescimento de segmentos da cadeia produtiva, além da produção de papel e celulose, como o da produção de madeiras de espécies nativas e introduzidas, substitutas de madeiras oriundas de FNM.
Muito em função do cenário apresentado, inicia-se no Brasil um movimento importante para a ampliação de PFC de “madeira nobre”. Um esforço que, apesar de contar com empresas e associações, ressente-se de um planejamento estratégico que possa evitar a repetição de problemas ocorridos no passado, como o episódio do quiri. Neste artigo, teceremos algumas considerações sobre aspectos que julgamos importantes para um futuro exitoso do subsetor de produção de “madeira nobre” no País.
Primeiramente, é imprescindível definir o que significa “madeira nobre”. Acredito que deva ser aquela com propriedades técnicas especiais, como durabilidade natural e boas propriedades de usinagem, incluindo qualidades estéticas que a tornem adequada para usos de alto valor comercial.
E aí incluo, em um primeiro grupo, espécies tradicionais de silvicultura conhecidas, como a teca (Tectona grandis) e outras, de silvicultura em razoável desenvolvimento no País, como mogno africano (Khaya ivorensis e Khaya senegalensis), cedro australiano (Toona ciliata) e cedro indiano (Acrocarpus fraxinifolius). Um segundo grupo poderá incluir um número mínimo de espécies potenciais relacionadas nas listas da Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente – Abimci, e do International Tropical Timber Organization – Itto.
A segunda reflexão deve considerar o modelo organizacional do subsetor, uma vez que é impossível impulsionar uma atividade tão importante, a partir de iniciativas individuais. Nesse caso, vale refletir o posicionamento do subsetor de “madeira nobre” como fazendo parte do Ibá – Industria Brasileira de Árvores, da Abimci ou de um outro modelo com base em associações específicas (produtores de teca, mogno e cedro) congregadas em uma Federação Nacional de “Madeira Nobre”.
Existem vantagens e desvantagens nos três casos e isso deverá ser o núcleo de uma reflexão do subsetor. Além dessas considerações gerais, alguns aspectos importantes devem ser considerados no âmbito do subsetor, em especial os seguintes: indicação de espécies por tipo de demanda, normatização e normalização incluindo a classificação da madeira, certificação florestal, e planejamento estratégico para o subsetor.
É importante considerar, prioritariamente na seleção de espécies, as demandas dos consumidores florestais. Relacionadas às espécies – nativas ou introduzidas – potenciais para cada tipo de demanda, deve-se selecionar, dentre elas, as que atendam a um maior número de segmentos, que tenham silvicultura conhecida e que constem das relações dos mercados nacional e internacional de espécies de alto valor comercial.
A normatização da produção de madeira serrada é outro ponto essencial para o desenvolvimento sustentável do subsetor de “madeira nobre” e, por isso, é importante a iniciativa da Comissão de Estudos (CE) da Associação Brasileira de Normas Técnicas (Abnt) para madeira serrada em discutir um texto base da norma técnica considerando aspectos importantes como: a) terminologia da norma; b) requisitos; e c) métodos de ensaio da norma de madeira serrada para construção civil.
Melhor ainda saber que, além da construção civil, estarão sendo atualizadas as normas para móveis. Esse trabalho contribuirá para o aumento do uso da madeira no mercado nacional e, também, para inserir os produtos madeireiros no escopo do financiamento junto aos órgãos oficiais. Vale salientar que cerca de 80% da produção nacional ainda é destinada ao mercado interno, sendo a maior parte utilizada pela construção civil.
A classificação de madeira é outro ponto importante, sendo urgente que passe a ser um assunto do domínio não somente da “academia”, das serrarias, dos profissionais da área de sistemas inteligentes (ver software “Neuro-wood” que orienta a separação das madeiras boas das ruins na própria esteira), mas, também, das empresas florestais produtoras de matéria-prima. É impossível profissionalizar o subsetor se produtores de matéria-prima desconhecem o sistema de classificação de seu produto.
Quanto à certificação, não se admite mais o crescimento de setores, portadores de futuro, que não se adequem às exigências de processos de certificação, inclusive da cadeia de custódia. Somente assim, o consumidor terá condição de escolher dentre os produtos ofertados, aquele não originado de exploração predatória e que tenha sido produzido de forma planejada para impactar, minimamente, o meio ambiente.
A certificação pode, inclusive, encurtar o caminho da conquista do mercado externo no qual já é tida como uma atividade rotineira. Além da valorização da madeira e da abertura de mercado, ela pode ser positiva na redução do número de intermediários, aproximando o produtor do comprador final.
Ao se pensar na utilização da madeira para fins mais nobres é importante aprimorar a produção da matéria- -prima. Para tal, além do avanço nas áreas de tecnologia da madeira e do melhoramento genético é importante a melhoria do padrão silvicultural. Dentre as atividades silviculturais é importante destacar o desbaste e a desrama. Não é possível pensar no crescimento da atividade de produção de madeira de alto valor sem a produção de madeira clear (livre de nós) de boas dimensões, de uma espécie com mercado garantido.
O desbaste, ao invés de beneficiar, pode se tornar um problema para a obtenção de madeira de qualidade, isso porque muitos produtores florestais utilizam, em seus empreendimentos, sistemas copiados de livros, manuais ou de colegas cujos plantios se localizam em sítios diferentes dos seus. É preciso entender que o regime de manejo, e aqui se inclui o desbaste, depende da espécie e do sítio no qual ela está plantada.
Vale ressaltar, também, que o aproveitamento da madeira de desbaste, salvo casos especiais, somente será importante quando em polos madeireiros que permitam um volume de madeira de desbaste suficiente para garantir o estabelecimento de empresas com a finalidade, direta ou indireta, de aproveitamento industrial de tal tipo de madeira, visando à produção de energia de biomassa, moirões, postes tratados ou produção de artefatos de pequeno porte para exportação, inclusive.
A desrama é outro aspecto a ser considerado. A grande maioria dos produtores ainda não percebeu que desrama não significa, somente, cortar o ramo. Desrama exige programa englobando vários fatores, dentre os quais se sobressaem: a) qualidade do sítio; b) definição do sortimento; c) estabelecimento prévio do núcleo nodoso; d) determinação do número de árvores a serem desramadas; e) idade da desrama; e f) posição sociológica da planta; e g) altura da desrama.
Por último, é indispensável o fortalecimento do planejamento estratégico do subsetor de “madeira nobre”. Isso poderá ser iniciado com um fórum constituído por instituições incluindo, além dos produtores florestais, representantes de outros grupos interessados, como exemplo: empresas de comércio de madeira, serrarias, certificadoras, bolsa de valores, polos moveleiros, empresas de construção em madeira, Conselho Nacional de Secretários Estaduais do Planejamento (Conseplan), Associação Nacional de Prefeitos e Vice Prefeitos da República Federativa do Brasil (Anpv), Abnt, Abimci, e Ibá.
Em um fórum dessa magnitude será possível estabelecer estratégias e apontar rumos para o subsetor, a partir da discussão de aspectos importantes como: a) definição do que venha a ser “madeira nobre”; b) mercados para produtos manufaturados para construção civil – uni e multifamiliar – e para outros tipos de demanda; c) definição das principais espécies a serem plantadas e apoiadas com zoneamento, financiamento e seguro rural; d) localização potencial de polos de produção; e)estratégias para aproveitamento de madeiras de desbaste dos polos produtores; f) inovação – do ponto de vista das árvores e das indústrias –; g) modernização de serrarias visando ao maior rendimento da matéria prima; h) definição de modelo de representação das associações de produtores do subsetor, no setor florestal; e i) implicações do manejo florestal sustentável de FNM sobre a produção de “madeira nobre” produzida em PFC.