O único país do planeta com nome de árvore e que, ainda hoje, detém um terço das florestas tropicais do mundo no seu território, não pode aceitar um tratamento periférico à sua importância e à magnitude do papel que representa no plano nacional e no exterior. Essa indiferença é recorrente na esfera governamental, mas também está instalada no seio da sociedade.
O poder não funciona com base em combustão espontânea, ele é configurado pelas pressões e contrapressões que nascem dos embates políticos, da mobilização e do engajamento da cidadania. Logo, se o setor não tem o reconhecimento que julgamos merecedor, há de se perguntar sobre o que estamos fazendo para dar-lhe visibilidade e inseri-lo nas mais altas esferas onde ocorrem os processos de tomada de decisão.
Dito isso, introduzo uma questão provocativa: o setor florestal realmente existe, organicamente falando? Quais as atividades florestais o compõem? Por que sua importância política é tão desproporcional à sua importância econômica e social? Não são perguntas de respostas simples, até porque, dependendo da visão dos diversos segmentos que o integram, serão dadas respostas distintas para cada um desses questionamentos.
Entre tantas causas e argumentos que podem ser esgrimidos para apontar a debilidade institucional do que chamamos de setor florestal, esta é uma que considero relevante: a sua excessiva fragmentação. A pulverização dos interesses acarreta a diluição da representação política e institucional do setor, o que enfraquece seu papel político na interlocução com os governos e nas suas relações com a própria sociedade, já que um setor excessivamente fragmentado e pulverizado não adquire identidade própria, mostra uma cara multifacetada e vive mergulhado numa permanente crise identitária. Assim é, no meu entendimento, o setor florestal brasileiro. A debilidade institucional na esfera pública começa com a falta de representatividade de alto perfil no âmbito privado, incluindo o terceiro setor.
Hodiernamente, há outra questão que merece reflexão dos atores que atuam na área florestal: os novos conceitos que vêm se desenvolvendo sobre as florestas, desde a Rio-92, que aprovou uma declaração de princípio específica sobre florestas, culminando com a COP25, realizada em Paris, e, mais recentemente, o Acordo de Florestas, aprovado na COP26, em Glasgow. Ora, essas mudanças de paradigmas têm o poder de influenciar a formulação das políticas domésticas dos países no mundo inteiro, mas o Brasil, o grande protagonista de Paris, tem preferido agir em dissintonia com os novos paradigmas internacionais.
Vale lembrar que o Acordo de Florestas, que vinha sendo tentado desde 1992, na wConferência do Rio, constitui decisão histórica, porquanto colocou as florestas no topo da agenda global, dando às atividades florestais uma dimensão sem precedentes, tornando-se necessário que países como o Brasil, nos quais as florestas têm papel estratégico, haja em consonância com os novos arquétipos, levando em conta os mais altos interesses nacionais.
Para quem acompanha o desenrolar dos debates internacionais sobre florestas, travados no âmbito das Nações Unidas, incluindo a atuação do Fórum de Florestas da ONU, são notórias as mudanças institucionais que ocorreram desde a Rio-92, que levaram a novos arranjos organizacionais da gestão florestal púbica em vários países, notadamente na América Latina, tendo como primeira consequência o deslocamento da administração florestal da agricultura para o meio ambiente, como ocorreu no Brasil, embora, em nosso país, as atividades de reflorestamento tenham permanecido com o Ministério da Agricultura, desde a criação do Programa Nacional de Florestas, em 2000, e, mais recentemente, com a transferência do Serviço Florestal Brasileiro, do MMA para o MAPA.
Esse é ponto central sobre o qual gostaria de tratar neste artigo. É comum verificar, nos meios especializados que regem o setor, uma discussão recorrente, uma disputa se o setor florestal deve ser gerido na esfera da agricultura ou do meio ambiente. Está aí uma discussão e uma disputa inócuas. As mudanças conceituais às quais me refiro deixaram para trás o velho conceito de uma gestão florestal monotemática, de políticas florestais singulares, como era no passado. Não por acaso, o Acordo de Florestas celebrado em Glasgow foi negociado numa Conferência de Clima. Vejam bem, não foi numa conferência de meio ambiente, nem numa conferência de agricultura. Não surgiu dentro da FAO, nem dentro do Pnuma. Sequer no âmbito da Conferência da Diversidade Biológica, onde o tema florestal pontua as discussões.
Não sendo mais uma questão monotemática, definida por políticas singulares, a gestão florestal deixa de ser SETORIAL para tornar-se SISTÊMICA. Eis aí o novo paradigma, o novo grande desafio a ser enfrentado, principalmente em países como o Brasil, no qual as florestas exercem múltiplas funções: floresta é madeira; são recursos não madeireiros; é água; é fauna; é biodiversidade, já que, com exceção da biodiversidade marinha e dulcícola, a biodiversidade terrestre brasileira está associada em sua quase totalidade aos ecossistemas florestais; e, por fim, floresta é carbono, razão pela qual é considerada a principal estratégia mundial de sequestro dos gases de efeito estufa. É relevante anotar que, em todas as suas funções, as florestas têm importância econômica e social.
Diante dessa nova realidade, o modelo de gestão florestal na administração pública caminha para uma governança sistêmica. E com razão: uma política florestal moderna não será efetiva situada numa única esfera de poder, através de decisões monolíticas e monocráticas de uma só autoridade, embora seja fundamental que haja uma autoridade no mais elevado nível de decisão para coordenar as ações das várias alçadas de decisão.
Senão, vejamos. A pesquisa florestal depende do Ministério da Ciência e Tecnologia; o ensino florestal de nível médio e superior, incluindo a pós-graduação, está no Ministério da Educação; os mecanismos de fomento, o CAR, o PRA, o SFB e a Embrapa Floresta estão no Ministério da Agricultura; o poder de polícia administrativa para controle do desmatamento, as Unidades de Conservação, o acesso à biodiversidade e a restauração florestal e mudança climática estão no Ministério de Meio Ambiente; a interação com os recursos hídricos está no Ministério de Desenvolvimento Regional, para onde foi a ANA; mecanismos vitais para o desenvolvimento do setor, como os instrumentos fiscais, tributários e creditícios, o Bndes, o Basa, o BNB, os Fundos Constitucionais do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste estão no Ministério da Economia, além de outras ações não lembradas aqui, que estão em outras instâncias de decisão.
Diante desse contexto, somente uma Governança Sistêmica e Transversal, com coordenação empoderada para articular as ações, será capaz de criar as condições de sucesso para a formulação e a implementação de uma política florestal consentânea com a realidade e o potencial da silvicultura no País.