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Raul Chaves

Gerente de Desenvolvimento Tecnológico Florestal e Meio Ambiente da Duratex

Op-CP-50

Superando os limites
Quando o assunto tratado é a produtividade florestal no Brasil, a primeira lembrança que nos vem à cabeça é a dos grandes avanços obtidos de forma cooperativa pelo setor no último meio século, quando saímos de uma produtividade do eucalipto da ordem de 10 a 15 m³/ha/ano e chegamos aos atuais 50 m³/ha/ano, ou até mais. 
 
As maiores produtividades para o eucalipto se encontram naqueles maciços florestais bastante próximos ao Trópico de Capricórnio, em altitudes de 500 a 1000 m, em condições de baixo déficit hídrico, boa distribuição de chuvas, boa umidade do ar ao longo do ano e em solos profundos. 
 
São condições bastante específicas que, naturalmente, já não suportam ampliações de área plantada. Quando olhamos para o Brasil todo, a média atual do eucalipto se situa nos 36 m³/ha/ano, valor que tem se mantido relativamente constante ao longo dos anos 2010. Qual seria a razão dessa relativa estabilidade ao longo desses últimos anos? Sempre que começo a pensar nisso, não consigo deixar de lembrar o velho “barril de Liebig”, aquele que tão bem ilustrou a “Lei do Mínimo”, que estabelece que a produtividade é definida por aquele fator de produção mais escasso ou limitante, ou seja,
 
por exemplo, não adianta adubar adicionalmente uma planta, se o que lhe está faltando é agua.  E aqui vão os créditos ao Carl Sprengel, que foi quem desenvolveu o teorema no longínquo ano de 1828, mas que os perdeu para o Liebig, que foi quem divulgou ativamente o conceito anos mais tarde.  Assim, qual(quais) seria(m) o(s) fator(es) que está(ão) mantendo a produtividade média florestal brasileira nos mesmos níveis?
 
Teríamos alcançado o máximo de produtividade florestal possível para o eucalipto? Os grandes avanços tidos nas décadas anteriores já não mais seriam possíveis? As expansões para novas fronteiras agrícolas que se distanciam das regiões de melhor produtividade e onde se vivenciam situações mais críticas de déficit hídrico estariam segurando essa média? Ou seria a crise desses últimos anos que fez com que muitas empresas e produtores restringissem a aplicação de insumos?  Ou, ainda, muito na moda para explicar efeitos desconhecidos, seriam as “mudanças climáticas” efetivamente chegando?
 
Se olharmos para trás ao longo dessas cinco décadas, veremos que a maior parte dos testes, estudos, análises e teses foram considerando a parte visível da floresta e o período inicial do desenvolvimento florestal. Não podia ser diferente: sabia-se muito pouco, havia muita coisa a se fazer, e os resultados obtidos eram visíveis e imediatos. Os resultados positivos se sucediam, e a eucaliptocultura começou a migrar para regiões ainda pouco conhecidas.  
 
A forma mais natural era copiar o que já tinha dado certo nas regiões tradicionais, mas, pouco a pouco, esse modelo começou a apresentar sinais de desgaste.  Essas regiões novas no centro do País apresentam um déficit hídrico muito mais acentuado e uma variabilidade de condições climáticas muito maior do que daquela região inicial de maior produtividade. É preciso rever a forma de análise, é preciso considerar toda essa variabilidade na hora de se selecionarem os melhores materiais genéticos.
 
A ânsia por definições e resultados de curto prazo não é plenamente compatível com a adaptação e o bom desenvolvimento de florestas em locais com clima muito variável. O modelo de seleção precoce de clones usado por diversas empresas, em que a definição do melhor clone ocorria com 3, 2 e até 1 ano de idade, provou-se inadequado. Conseguem-se, com isso, materiais altamente produtivos no arranque da floresta.  
 
E o que esses materiais têm em comum? Muita produtividade na parte aérea e baixa formação de sistema radicular.  Se compararmos hoje materiais clonais com materiais seminais, veremos que a relação parte aérea/sistema radicular é muito maior no primeiro em relação ao segundo. Na primeira seca mais forte, ou simplesmente em um solo um pouco mais raso, esse clone selecionado não terá perenidade.  
 
Conhece-se ainda muito pouco o que se passa abaixo do solo entre raízes, água e nutrientes disponíveis, e esse conhecimento ainda se limita muito às camadas mais rasas e ao período inicial do estabelecimento da cultura florestal. Os tradicionais ensaios de omissão de nutrientes já não trazem informações relevantes e podem até confundir.

É preciso entender os processos fisiológicos. Na agricultura, onde os ciclos são curtos e a profundidade de solo explorada é bastante pequena, esses estudos são mais simples, mas, nas culturas florestais, temos que saber o que está ocorrendo a 2, a 5, a 10, a 20 metros de profundidade, e não somente nos primeiros anos; precisamos ir até o final da rotação e, depois, adentrar a 2ª rotação e aprofundar o entendimento do que ocorre abaixo do solo.
 
Esses estudos são caros, demorados, complexos, exigem equipes multidisciplinares experientes e que sejam capazes de entender e interpretar os processos metabólicos que estão ocorrendo acima e abaixo do solo. Excelente exemplo foi o projeto Torre de Fluxo (Eucflux), coordenado pelo IPEF, que trouxe ao setor florestal conhecimentos profundos e aplicações práticas de relevância.

Ele já prossegue por mais um ciclo florestal, trazendo detalhamentos adicionais e correlacionando-os com imagens de alta resolução a cada 2 dias em 12 bandas espectrais do recém-lançado satélite franco-israelense Venµs (venus.cnes.fr). Projetos como esses somente se viabilizam através da cooperação entre empresas, universidades e centros de excelência.  É estratégico estendê-lo para outras situações edafoclimáticas expressivas para a cultura florestal.
 
Apesar do amplo conhecimento trazido pelos estudos processuais, ainda não podemos prescindir da parte empírica, principalmente quando falamos de diferentes materiais genéticos: é a complementação com muita experimentação em campo, abrangendo muitas regiões/situações diferentes, que permitirá o ajuste e a calibração de uma informação com a outra e seu pleno uso pelo setor florestal.

Apesar do setor florestal já ter realizado trabalhos de peso na área genômica, como o sequenciamento do eucalipto, o pleno uso dessas informações, como apoio ao melhoramento genético, ainda é incipiente e caro, justamente pela complexidade e interações múltiplas existentes com outras áreas de conhecimento.
 
Algumas soluções adotadas e tidas como resolvidas pelo setor precisam ser novamente questionadas e revistas. Por exemplo, a clonagem. Ela, sem dúvida, foi responsável por aumentos significativos de produtividade, resistência a todos os tipos de estresses (bióticos e abióticos), à possibilidade de fixação rápida de ganhos obtidos com híbridos, mas não podemos nos esquecer de que ela não é melhoramento genético, de que ela é simplesmente uma técnica de reprodução em escala comercial de um bom genótipo.  
 
E, além das questões de vulnerabilidade pelas grandes extensões de um mesmo clone plantado, ela traz em si um outro calcanhar de Aquiles (no sentido figurado e também no direto), que é o seu sistema radicular: por mais que tenham sido melhoradas as técnicas de produção de mudas em viveiro (e os recipientes degradáveis já estão dando uma boa contribuição ao substituir o famigerado tubete plástico, que induz à formação de um sistema radicular deformado), ainda estamos bastante longe de ter um sistema radicular próximo ao de uma muda nascida diretamente no campo, com uma raiz pivotante fortemente estruturada.  
 
Quanto estamos, efetivamente, deixando de ganhar em produtividade ao ter substituído esse sistema radicular natural pivotante por um outro, sem adequada dominância e que vai fragilizar a planta na primeira estiagem mais forte? Se a clonagem resolveu de momento (e de novo, não poderia ter sido diferente, pela questão do longo tempo envolvido na produção florestal) a questão da produção de híbridos em florestas, não podemos nos esquecer de que, na agricultura, os híbridos são, em geral, produzidos por sementes obtidas através do cruzamento de duas variedades.

Aplicando esse conceito, conseguiremos uma melhor solução, tanto para o problema de vulnerabilidade de base genética muito estreita como para o de formação de um sistema radicular mais natural e preparado para estresses ambientais. Ainda temos boas possibilidades de ganhos de produtividade.

Elas advirão principalmente do conhecimento mais profundo do comportamento do eucalipto em regiões com os mais diversos estresses e da melhor exploração do potencial todo do gênero Eucalyptus (e Corymbia) e do melhor entendimento dos fatores de produção (incluindo aí os abaixo do solo até a profundidade do alcance das raízes) e de suas complexas interações que regulam a produtividade florestal.

Para isto será necessária cada vez mais pesquisa cooperativa entre empresas verticalizadas, produtores, universidades e institutos de pesquisa, com um forte apoio de organizações setoriais na busca de uma política governamental que esteja atenta a todos os benefícios que
isto poderá nos trazer.