Chefe-geral da Embrapa Agroenergia
Op-CP-38
É público e notório que o Brasil se tornou, no decorrer das últimas quatro décadas, uma superpotência agrícola. Também é de amplo conhecimento quais foram as principais razões que levaram o País a conquistar essa posição de destaque no cenário mundial. Além de priorizar a diversificação de produtos, elegemos a busca incessante pelo aumento da produtividade como uma das principais forças motoras da mudança.
Vale lembrar que, se ainda estivéssemos experimentando as produtividades do início da década de 1970, necessitaríamos quase quadruplicar a área plantada dessa última safra de grãos (2013/2014) para alcançar a produção atual. Hoje, não somos mais um país só do café ou só da cana-de-açúcar; somos protagonistas na produção e na exportação de uma gama considerável de produtos agropecuários. Em outras palavras, diversificar nos fortaleceu, e a eficiência conquistada nos tornou mais competitivos.
Continuar diversificando e buscando recordes de produtividade é apenas um dos caminhos para continuar aumentando a competitividade. Um outro, também de grande importância, tem a ver com a redução das perdas e desperdício e, sem dúvida, um melhor aproveitamento dos resíduos. Estima-se que, aproximadamente, 30% de todo alimento produzido no mundo se perde, ou é desperdiçado, antes ou depois de chegar ao consumidor.
Na Europa, um dos locais onde os dados são mais precisos, 66% das perdas e desperdício ocorrem durante a produção, colheita, processamento e comercialização; o restante é perdido e/ou desperdiçado pelo consumidor. Estudos indicam que a redução em 50% dessas perdas e desperdício é uma meta factível de ser alcançada até 2050. A redução, pela metade, do total de alimentos perdidos e/ou desperdiçados atualmente seria suficiente para deduzir o equivalente a 25% da produção atual de alimentos da quantidade de alimentos que será necessário produzir em 2050.
No entanto reduzir perdas e desperdício de alimentos não é algo trivial e nem é o foco deste artigo. O link deste texto com esse assunto diz respeito ao estabelecimento de políticas públicas para um melhor aproveitamento dos resíduos. Os resíduos a que me refiro são os orgânicos, gerados nas cadeias agrícolas, da pecuária, da aquicultura, da silvicultura, da agroindústria e em suas combinações. Resíduos sólidos, líquidos e gasosos, gerados tanto no campo, como nos centros urbanos.
No Brasil, esses resíduos ainda são descartados de uma maneira muito longe do que poderíamos chamar de cenário ideal, que seria o de um descarte adequado e o mais próximo de zero possível. Esse descarte, da forma que é feito hoje, pode gerar passivos ambientais que acabam contribuindo para uma redução do componente ambiental da sustentabilidade do agronegócio.
O melhor uso desses resíduos pode estar ligado, por exemplo, à produção de bioenergia; em uma linha de trabalho que chamamos waste to bioenergy, ou W2B2. No Brasil, os resíduos já constituem uma parte considerável da biomassa, hoje utilizada para a produção de bioenergia (seja biocombustível ou bioeletricidade); porém podemos dizer que somente utilizamos a ponta desse imenso iceberg de oportunidades. Para avançar iceberg abaixo, precisamos melhor qualificar, quantificar, precificar e mapear esses
resíduos.
Os dados de quantidade disponíveis estão longe de mostrar a real dimensão da oferta dessa biomassa no Brasil. Sua distribuição no território nacional não é homogênea e nem uniforme. Observa-se uma grande variedade de tipos de resíduos nacionalmente, além de oportunidades distintas de exploração dessa biomassa de uma região para outra, de um município para outro.
Portanto políticas públicas de estímulo às pesquisas de levantamento de dados mais precisos sobre o tamanho e as características desse iceberg precisam ser priorizadas. E o tempo urge. Afinal de contas, o passivo ambiental decorrente do descarte inapropriado não para de crescer; vide chorume em lixões e aterros sanitários, só para citar um exemplo.
Outra área de pesquisa de grande importância para montar esse quebra-cabeça de melhor aproveitamento dos resíduos é a da transformação deles em produtos que agreguem valor às cadeias produtivas de onde eles se originam. Em alguns casos, o valor agregado pode ser baixo, mas, se compensado pela quantidade produzida, o impacto na cadeia produtiva pode ser grande. Essa é a expectativa que todos temos para o etanol lignocelulósico a ser produzido, inicialmente, a partir de bagaço e da palha de cana.
Outro exemplo de bioenergia que tem baixo valor agregado, mas tem alta quantidade produzida, é a bioeletricidade. Buscar a redução no custo da transformação e o aumento do output/input desse processo precisa também estar entre as prioridades das políticas públicas de estímulo à pesquisa. Só assim será possível viabilizar a popularização das estratégias de melhor aproveitamento de resíduos.
Pode a diversificação de produtos advindos do melhor aproveitamento de resíduos também fortalecer o Brasil, como fez durante o período no qual nos transformamos em superpotência agrícola? A resposta a essa pergunta é positiva. Porém uma ressalva precisa ser feita: a diversificação precisa estar cada vez mais casada com uma estratégia que vise produzir blocos construtores, capazes de serem empregados na geração de produtos de alto ou altíssimo valor agregado, como biomateriais e químicos renováveis, e não somente em commodities (como o etanol ou o biodiesel).
Produtos de alto ou altíssimo valor agregado podem ser a oportunidade que algumas regiões, com baixa quantidade ou tipo específico de resíduos, terão para garantir a sua inclusão e sobrevivência nessa seara de oportunidades que o melhor aproveitamento de resíduos oferece. Melhor qualificar, quantificar, precificar e mapear resíduos orgânicos; buscar a redução do custo e o aumento do output/input da transformação; e promover a diversificação dos produtos gerados a partir da transformação de resíduos orgânicos, promovendo, de uma forma equilibrada, a produção de biomateriais e químicos renováveis, além de biocombustíveis.
Esses devem ser os componentes principais de uma política de Estado para um melhor aproveitamento dos resíduos, garantindo a esse tipo de biomassa um papel importante na construção de uma indústria de base biológica capaz de aumentar consideravelmente a competitividade do agronegócio brasileiro, contribuindo, definitivamente, para o fortalecimento da sustentabilidade ambiental desse setor. Isso sem falar das oportunidades de inclusão social e regional que essa política ofereceria ao Brasil.
Portanto abram alas para o estrume de gado, a gordura animal, o bagaço de cana, a vinhaça, o pome, o licor negro, a casca de arroz, a palha de milho, a casca de coco verde, os galhos e as folhas da poda de árvores, a casca de laranja e tantos outros resíduos orgânicos espalhados pelo Brasil. Que todos sejam muito bem-vindos ao setor produtivo e que se transformem em riqueza para o Brasil e para os brasileiros.