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Helena Carrascosa Von Glehn

Coordenadora do Conselho do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica

Op-CP-28

Reserva legal: oportunidade ou castigo?

Há a percepção generalizada de que a Reserva Legal representa um ônus para os proprietários rurais, que seriam privados do uso de parte de seus imóveis (e de sua renda) em benefício da coletividade. A reserva seria, assim, uma espécie de punição ou sacrifício imposto a alguns para benefício de terceiros.

Muitos se esquecem de que a possibilidade de compensação de reservas legais fora do imóvel trouxe racionalidade à sua localização, permitindo evitar conflitos entre a conservação ambiental e a produção agropecuária.

Não se trata de substituir 20% da área de cana, café, grãos, laranja, etc., por florestas a serem mantidas intocáveis e, sim, dar destinação adequada a áreas com vocação florestal. Mesmo no estado de São Paulo, com toda a pujança dos agronegócios, há áreas com aptidão florestal em quantidade suficiente para regularizar as reservas legais de todos os imóveis.

É possível promover a adequação ambiental sem comprometer a produção agropecuária, e há muitas situações em que a substituição de atuais usos inadequados por florestas traria aumento e não redução da renda.

Não há previsão legal para o manejo de remanescentes bem preservados de mata atlântica. Embora haja previsão no Código Florestal para a exploração das reservas, houve o veto dos dispositivos da lei da mata atlântica que tratavam do manejo. Por isso pouco se tem falado sobre a exploração de reservas legais, e, assim, o potencial econômico de florestas plantadas para a regularização de reservas tem sido também desconsiderado. 

Mais do que uma forma de garantir a preservação da vegetação existente, a Reserva Legal pode ser um instrumento de fomento ao plantio de florestas, que podem ser planejadas para conciliar a exploração com a manutenção das funções ambientais que justificam sua existência.

Essa dupla finalidade é plenamente viável, basta que se assuma, como estabelece a lei, que as reservas não são santuários a serem mantidos sem qualquer interferência humana. Havendo clareza dos objetivos das reservas, será possível monitorá-las, limitando a exploração a níveis que não comprometam as suas funções. É preciso adequar as expectativas em relação às reservas, que não são áreas de proteção integral.

Aceitando-se prazos mais longos para a restauração dos processos ecológicos, o uso temporário de espécies exóticas consorciadas com nativas pode ajudar a assegurar a necessária viabilidade econômica. As iniciativas de implantação de florestas nativas com finalidade comercial são ainda incipientes.

Isso porque há grande carência de informações silviculturais sobre espécies da mata atlântica e do cerrado e muitas incertezas em relação a mercados para os produtos e serviços florestais.

Essas lacunas impedem uma adequada avaliação econômica da atividade e inibem a contratação de financiamentos. A falta de uma regulamentação capaz de garantir segurança jurídica para a futura exploração das florestas também contribui para o problema.

Os proprietários rurais de áreas com vocação florestal não são encorajados a implantar florestas nativas com a finalidade de produzir madeira e produtos não madeireiros, e, em consequência, áreas que poderiam ser produtivas permanecem subutilizadas ou degradadas.  

Um amplo programa de regularização de reservas legais, nos próprios imóveis ou por compensação, poderia impulsionar a formação de florestas, criando novas oportunidades de produção e renda para produtores rurais em áreas com essa vocação. E, além de receitas pela comercialização de produtos florestais, há, ainda, a possibilidade de remuneração por serviços ambientais, especialmente sequestro de carbono e proteção da água.

Viabilizar economicamente as reservas legais é o grande desafio que governos, cientistas e produtores rurais devem enfrentar. Quando florestas nativas forem consideradas uma fonte real de renda para o produtor rural, naturalmente as terras com vocação florestal serão mais bem aproveitadas.

Com o aumento dos índices de vegetação, a oferta dos serviços ecossistêmicos será ampliada com benefícios para toda a sociedade, inclusive para os produtores rurais, pois não há produção agropecuária sustentável sem conservação de solo e água, polinizadores, inimigos naturais de pragas, etc. O mito de que as reservas legais devem ser intocáveis lamentavelmente foi tão difundido, que uma atividade que poderia ser considerada uma oportunidade é hoje vista como um castigo. Isso mostra que proteção demais, às vezes, desprotege.