Diretor da MCA - Medrado e Consultores Agroflorestais Associados
Op-CP-31
Não se pode negar que este país megadiverso, chamado Brasil, uma das nações biologicamente mais ricas do planeta, desde o descobrimento, tem tido suas florestas ameaçadas, via desmatamento, para a conversão de paisagens naturais em outras paisagens exigidas pelo estabelecimento de atividades voltadas ao desenvolvimento socioeconômico, por vezes, assentado na superexploração dos recursos naturais.
Essa destruição das florestas e de seus habitantes primitivos não ocorreu para que outros povos adentrassem a floresta para nela viver ou para explorá-las – exceto no caso da extração de minérios –, mas, sim, para substituí-las por cidades, povoados e vilas. Por isso a conversão dos habitats em paisagens agrícolas e/ou florestais industriais – e, por muitas vezes, em terras degradadas – foi o impacto principal que causamos sobre o ambiente natural.
No que diz respeito ao setor florestal, em alguns casos, as pessoas de fora da floresta substituíram os povos-da-floresta – os indígenas – sem, no entanto, alterar as florestas, substancialmente, sem transformá-las em paisagens urbanas. Um desses casos diz respeito aos seringueiros na Amazônia. É provável que eles sejam a primeira geração do que denomino povos-na-floresta a ser reconhecida nacionalmente.
A partir deles e graças à luta articulada por Chico Mendes, tais povos deixaram de ser invisíveis para serem, junto com os povos-da-floresta, o centro das atenções de ambientalistas, ecologistas e ecodesenvolvimentistas quando tratam de desenvolvimento sustentável.
A partir do movimento liderado por Chico Mendes, os povos-na-floresta não mais se restringiram aos seringais. Eles passaram a viver em reservas extrativistas, áreas de manejo florestal comunitário, projetos de assentamento agroextrativista, projetos de desenvolvimento sustentável, projetos de assentamento florestal e, infelizmente, até mesmo em áreas localizadas no interior de unidades de conservação de uso direto e indireto.
Estamos, portanto, vivenciando uma época em que a floresta tropical deixou de ser, unicamente, uma moradia do povo tribal. Ela passou a acolher, também, pessoas que ainda estão em processo de adaptação a esse tipo de moradia. Os movimentos sobre as florestas brasileiras, e suas consequências sobre o ambiente, exigiram a regulamentação do seu uso.
Para tal, por último, o governo brasileiro, ouvindo a população, reiterou, através da Lei 12.727, de 17 de outubro de 2012, modificada pela Medida Provisória 571, que as florestas existentes no território nacional e demais formas de vegetação nativa são bens de interesse comum a todos os habitantes do País e que todos terão a responsabilidade com:
1. a preservação, não somente das florestas, mas também das demais formas de vegetação nativa, da biodiversidade, do solo e dos recursos hídricos;
2. a integridade do sistema climático, para o bem-estar das gerações presentes e futuras;
3. a função estratégica da produção rural na recuperação e na manutenção das florestas e demais formas de vegetação nativa;
4. a função das florestas na sustentabilidade da produção agropecuária;
5. o estabelecimento de um modelo agropecuário e florestal ecologicamente sustentável, que concilie o uso produtivo da terra e a contribuição de serviços coletivos das florestas e demais formas de vegetação nativa privada;
6. a integração entre a Política Nacional do Meio Ambiente, a Política Nacional de Recursos Hídricos, a Política Agrícola, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, a Política de Gestão de Florestas Públicas, a Política Nacional sobre Mudança do Clima e a Política Nacional da Biodiversidade;
7. a necessidade de fomentar a inovação para o uso sustentável, a recuperação e a preservação das florestas e demais formas de vegetação nativa.
Por fim, estabeleceu a responsabilidade comum de União, estados, Distrito Federal e municípios, em colaboração com a sociedade civil, na criação de políticas para a preservação e a restauração da vegetação nativa e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais.
Alem disso, propôs a criação e a mobilização de incentivos jurídicos e econômicos para fomentar a preservação e a recuperação da vegetação nativa e para promover o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis.
Espera-se que, com essa lei, fique entendido que foi criado, a partir do jogo legítimo de interesses da sociedade, o conceito de floresta do povo para o povo, legitimando, dessa forma, o uso das florestas naturais pelos povos-da-floresta, pelos povos-na-floresta e pelas pessoas de fora da floresta que, apesar de não viverem nela, necessitam de seus serviços ambientais, na forma de floresta urbana e, também, na forma de floresta plantada para recuperação de passivos ambientais por nós estabelecidos ao longo de nossa história agrícola, industrial e do processo brasileiro de urbanização.
O conceito de floresta do povo para o povo, quando trata da “função estratégica da produção rural na recuperação e manutenção das florestas” incorpora, também, o estabelecimento de plantações florestais comerciais (principalmente as certificadas) que ajudarão a:
1. diminuir a pressão sobre as florestas naturais, possibilitando que elas sejam utilizadas para seus fins mais nobres, como a manutenção da biodiversidade, a prestação de serviços ambientais e a geração de produtos biotecnológicos;
2. gerar energia para complementar e tornar mais limpa nossa matriz energética, evitando a utilização de madeiras de vegetação natural para produção de carvão;
3. gerar riquezas através da exportação de papel, celulose e produtos de madeira com alto valor agregado;
4. gerar desenvolvimento sustentável de seu entorno através de programas de fomento florestal a pequenos agricultores, principalmente via utilização de sistemas agroflorestais.
Por fim, espera-se que sejam estabelecidas políticas públicas que possam:
1. modificar totalmente a situação de penúria em que vivem os indígenas brasileiros, dando-lhes segurança em seus limites e qualidade de vida como seres humanos dignos;
2. resolver a situação das ocupações das unidades de conservação (estima-se que, para cada 100 hectares de floresta protegida, 23 hectares estão ocupados de forma irregular) e das famílias que as ocupam;
3. assegurar a conservação dos recursos naturais de forma estrategicamente localizada nos biomas nacionais e não de forma caótica, muitas vezes voltada simplesmente para evitar que a silvicultura ou a agricultura comercial se estabeleça e prospere;
4. retirar os entulhos burocráticos que têm travado o desenvolvimento do agronegócio brasileiro, com destaque para a silvicultura comercial; e
5. contribuir para que o fomento florestal não pereça – isso tem ocorrido em alguns locais –, mas, ao contrário, se fortaleça e se modernize. Só assim, teremos, efetivamente, uma floresta de todos para todos em benefício do Brasil e do planeta.