Coautor: Cristiano Resende de Oliveira, Consultor em Sustentabilidade da Fibria
Engajamento: essa palavra nunca foi tão falada e praticada como nos dias de hoje. Exemplo disso foram as manifestações que tomaram nosso país recentemente. Multidões indo às ruas para se expressar, todos engajados no mesmo sentido de mudança nos rumos da política e da economia brasileira. Já no mundo, temos sociedades se envolvendo na solução e no atendimento de refugiados de guerra e tantos outros exemplos. Vivemos em um mundo cada vez mais interconectado.
Mas o que isso tem a ver com o tema sobre organismo geneticamente modificado? Tudo! Desde que os transgênicos surgiram na agricultura, há cerca de 30 anos, observamos um aparente embate entre o “bem e o mal”, entre a ciência e a cautela, entre o desenvolvimento e a segurança. O conceito sobre o Princípio da Precaução ganhou força com a definição proposta na Declaração de Wingspread (1998), que estabelece que, “quando uma atividade representa ameaças de danos ao meio ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo quando algumas relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidas cientificamente”.
De acordo com esse princípio, quando evidências científicas razoáveis de qualquer tipo nos dão boas razões para acreditarmos que uma atividade, tecnologia ou substância possam ser nocivas, devemos agir no sentido de prevenir o mal. Há uma relação direta entre o Princípio da Precaução com as “incertezas científicas” inerentes a tudo que é novo. No entanto, há um problema prático relacionado a essas “incertezas científicas”: poucas tecnologias tiveram sua plena adoção após a comprovação total do seu uso seguro.
Na maioria dos casos, a adoção de uma tecnologia é baseada em um grupo mínimo e aceitável de evidências científicas que assegurem seu uso. Aliás, após esses 30 anos de pesquisa e 20 de uso em escala comercial dos transgênicos, uma série de evidências apontam que a tecnologia transgênica possui um comportamento seguro quando comparado ao seu similar convencional. Ou seja, já poderíamos mudar de patamar na discussão sobre a segurança dos transgênicos, mas não se vê espaço para essa mudança.
Talvez isso se mantenha pelo fato de a transgenia ser, hoje, considerada a tecnologia de mais rápida adoção na história da agricultura moderna e, com isso, tenha trazido consigo a percepção de que não houve abertura para o diálogo. Nesse contexto amplo e divergente, surge a mais recente classe de transgênicos: Árvore Geneticamente Modificada (AGM). Sua missão é de atender à sociedade moderna em sua demanda crescente por fibras, combustíveis e florestas, de forma sustentável.
Essa quase unanimidade, de que o mundo tem que produzir cada vez mais utilizando de forma sustentável cada vez menos recursos naturais, traz à tona, também para o setor de florestas plantadas, a busca por novas tecnologias (por vezes, mas não exclusivamente, algumas biotecnologias) como uma das possíveis soluções para preservar os escassos recursos naturais existentes no planeta. É imperativo buscar formas novas e inteligentes de produção, que podem muito bem combinar tecnologias de produção convencionais com novas tecnologias, para atingir um modelo de sucesso.
É essa estratégia que estamos adotando, de combinar o que se tem de mais evoluído no melhoramento convencional com diferentes frentes de biotecnologia. Isso faz sentido, se olharmos, por exemplo, o boom de florestas plantadas de alta produtividade que ocorreu no Brasil quando, na década de 1980, foi dominada a clonagem de eucalipto em larga escala. Esse foi o primeiro exemplo de sucesso na aplicação da biotecnologia em florestas plantadas, que conferiu inclusive o Prêmio Marcus Wallenberg (tido como o Prêmio Nobel da indústria de base florestal) aos idealizadores dessa revolução.
Só que a clonagem não substituiu os programas convencionais de melhoramento genético. Os ganhos genéticos e, por última instância, de produtividade são suportados pelos programas de melhoramento convencionais, que se baseiam no conceito simplificado de cruzamento, teste e seleção. No caso de eucalipto, podemos considerar que esses programas de melhoramento ainda estão em estágios bastante iniciais, se comparado com outras culturas agrícolas.
Empresas com maior experiência no melhoramento genético de eucalipto estão ainda na 5ª ou 6ª geração do ciclo de melhoramento. Como comparação, alguns programas mais antigos de melhoramento de milho e soja já passaram da 100ª geração de melhoramento, e ainda se obtêm ganhos de produtividade e qualidade a cada geração. Ou seja, não podemos desconsiderar o fato de que há espaço para ganhos de melhoramento convencional nos programas de eucalipto, seja para produtividade, seja para qualidade.
Mas, se tudo isso parece fazer sentido, precisamos perguntar: qual, então, é o motivo de as empresas desenvolverem eucalipto geneticamente modificado? No nosso caso, podemos afirmar que conduzimos pesquisas com eucalipto geneticamente modificado como ferramenta complementar aos programas de melhoramento genético do eucalipto. Não é a transgenia que puxa o programa de melhoramento (como não foi a clonagem), mas é o programa de melhoramento genético que utiliza das mais variadas ferramentas de biotecnologia, dentre elas a transgenia, para atingir seus objetivos.
Acreditamos que algumas soluções para problemas reais, como a adaptação de plantas em condições de estresse, ganhos na qualidade das fibras ou mesmo ganhos (ou redução de perdas) na produtividade, podem ser complementadas com técnicas biotecnológicas. Só que, como qualquer ferramenta do melhoramento, precisamos garantir que seu uso traga benefícios a todos, não apenas a uma diminuta parcela das partes interessadas, e que, evidentemente, seja seguro para uso. É uma questão de responsabilidade fazer o uso correto de qualquer tecnologia, e isso faz parte do nosso jeito de ser.
Aliás, o setor florestal tem na sua gênese o objetivo de integrar a produção de fibras e proteger a natureza. Esse conceito expandiu com a crescente presença das certificações florestais, sabidamente os selos FSC (Forest Sterwatship Council) e Cerflor/PEFC (Programme for the Endorsement of Forest Certification), agregando a dimensão social às dimensões econômica e ambiental. O setor se esforçou no passado recente para estabelecer boas relações com diversas partes interessadas, sobretudo com comunidades vizinhas, frequentemente impactadas pelas suas atividades, e organizações da sociedade civil.
Essa aproximação trouxe uma responsabilidade enorme de criar confiança entre as partes, e uma boa relação pressupõe, como pilar do diálogo, a honestidade e a transparência. Não é possível dialogar quando existe desconfiança, e, sem o diálogo, não é possível engajar ninguém. Temos ciência de que a engenharia genética é um tema polêmico, principalmente para importantes atores da sociedade, que questionam seus benefícios econômicos, ambientais e sociais.
Por isso, a Fibria está empenhada não apenas em avaliar esses impactos, como em engajar-se com essas partes interessadas na discussão do tema, entendendo que apenas assim garantiremos legitimidade ao processo. A busca por esse engajamento contínuo se baseia na transparência das informações não proprietárias, dentro do conceito de que a avaliação dos impactos será tanto mais completa quanto maior e mais efetivo for esse engajamento.
O direcionador adotado é o de que a decisão sobre o uso comercial dessa tecnologia no futuro está condicionada aos resultados das avaliações dos impactos e do processo de engajamento, ou seja, um olhar mais integrado, que vai além da produção de celulose de eucalipto. Nosso esforço, alinhando nossa responsabilidade com a busca contínua pela transparência, tem como objetivo construir um caminho, que pode aparentemente ser mais longo, para derrubar alguns muros e pavimentar um caminho mais curto no futuro. A construção desse “longo caminho, curto” passa, obrigatoriamente, por ouvir mais do que falar e por desenvolver a empatia.
De sermos humildes para dizer que não sabemos tudo e nem temos todas as respostas. De construirmos juntos as bases científicas e conhecimento que ainda não existem. A nossa visão, que passa pelas esferas mais altas da nossa administração, do CEO aos acionistas, do Comitê de Inovação ao Comitê de Sustentabilidade, é a de que o diálogo construtivo se tornou um caminho sem volta e no qual devemos concentrar nossos esforços. Criar abertura para envolver qualquer agente de mudança que queira contribuir, isento de ideologia, é nossa escolha para tratar o tema “eucalipto geneticamente modificado”. Estamos falando de valores, sobretudo de ética, e sabemos que, ao longo de nossas experiências, aprendemos e reproduzimos as práticas que vivenciamos. Temos que pôr em prática esse aprendizado, em prol de um futuro melhor para as novas gerações.