Diretor Industrial na Aperam South America e Presidente do Conselho da AMIF - Associação Mineira da Indústria Florestal
Após mais de 20 anos de carreira no setor da agroindústria florestal, este tema sempre esteve presente e ganhou até um jargão “Apagão Florestal”, seja nas rodas de conversa, em seminários do setor, na academia, seja até mesmo no happy hour após dias de muito trabalho no campo e nas indústrias.
Apesar de ser um tema com grande capilaridade e presente em todo o Brasil, nossa ideia é concentrar as reflexões no mercado doméstico do setor de cultivo de eucalipto para fins industriais, trazendo uma visão condensada deste contexto em nível nacional e, depois, voltando o olhar para o estado de Minas Gerais. Acreditamos que, dessa forma, possamos contribuir com os leitores da Revista Opiniões.
O cultivo e o plantio de florestas para fins industriais são fontes renováveis de energia, oferecendo uma gama de produtos que pode
ultrapassar 5.000 bioprodutos, servindo como alternativa aos produtos fósseis e não renováveis.
Temos aproximadamente 10 milhões de hectares de árvores cultivadas no Brasil e mais de 7 milhões destinados à conservação segundo a IBÁ. Somos o setor agrícola que mais conserva e, ao mesmo tempo, gera renda e desenvolvimento para as regiões onde atuamos.
O eucalipto é amplamente cultivado e utilizado nas indústrias de papel e celulose, siderurgia a carvão vegetal, ligas especiais, ferro-gusa, biomassa, painéis reconstituídos, entre outros.
O consumo no Brasil varia conforme as condições edafoclimáticas e econômicas de cada região, girando em torno de 220 milhões de metros cúbicos anuais. A região Sudeste é a maior consumidora, com mais de 100 milhões de metros cúbicos de eucalipto cultivados. As indústrias com maior participação no consumo são as de celulose e papel (cerca de 40%), seguidas pela produção de carvão vegetal (36%), biomassa e painéis de madeira (aproximadamente 10% cada).
Em Minas Gerais, temos a maior área plantada do Brasil, com aproximadamente 2,3 milhões de hectares, além de 1,2 milhão de hectares destinados à conservação. O estado possui o maior polo siderúrgico a carvão vegetal do Brasil e do mundo, sendo pioneiro na produção de Aço Verde. Essa particularidade, somada ao consumo das indústrias de papel e celulose, biomassa, painéis e outras, habilita Minas Gerais como o maior produtor e consumidor de eucalipto plantado e cultivado.
Vale destacar a crescente demanda por bioprodutos provenientes das florestas de eucalipto cultivadas, que começa a ganhar relevância, mas ainda não aparece nas estatísticas. A tendência é que, à medida que as empresas avancem nos processos de descarbonização, essa demanda se intensifique.
A produção de bioprodutos a partir do eucalipto plantado é uma das alternativas mais viáveis, do ponto de vista técnico e econômico, para a redução das emissões de CO? nas indústrias brasileiras. Isso, porque concilia a aptidão do País para cultivar eucalipto com a capacidade de adaptação e inovação do setor produtivo.
Em Minas Gerais, especificamente, a cultura do eucalipto está presente em praticamente todas as cidades, o que viabiliza o fornecimento para os diversos setores industriais. Um exemplo didático é o uso do bio-óleo de florestas plantadas em substituição aos óleos fósseis hoje utilizados em motores, caldeiras e outros equipamentos. Essa substituição já é realidade em grandes indústrias mineiras, como a Aperam South America, que, por meio da Aperam BioEnergia, produz esse bioproduto e também o utiliza em sua unidade industrial de aços especiais.
Como visto, temos grandes mercados consumidores estáveis e oportunidades de crescimento para a agroindústria florestal. Porém, o que pode nos paralisar? São vários fatores, internos e externos, mas a falta de florestas plantadas suficientes para suprir todo o mercado é, sem dúvida, uma das maiores preocupações.
Em Minas Gerais, uma simples viagem pelos polos produtores de eucalipto já revela a realidade: o transporte de madeira cobre distâncias cada vez maiores para suprir as indústrias, comprometendo diretamente a competitividade, sobretudo diante da escalada de exportações de produtos asiáticos. Esse efeito “falta de competitividade” se agrava diante de outros fatores que comprometem a disponibilidade de madeira cultivada, como: estagnação e redução de produtividade, burocracia para o plantio de florestas, falta de mão de obra especializada, ausência de incentivos políticos e econômicos, e custos de produção crescentes, entre outros.
Embora o efeito da escassez de madeira ainda não seja evidente para todo o setor, já existem casos reais de desabastecimento em algumas indústrias e projetos de investimento que não avançaram por não encontrar condições viáveis de abastecimento a médio e longo prazo. O Estado tem demonstrado ânimo, com iniciativas como a simplificação do licenciamento ambiental, projeto liderado pela AMIF (Associação Mineira da Indústria Florestal), que reúne 25 empresas associadas. Acreditamos que é por meio do esforço conjunto entre iniciativa privada, governo e instituições públicas que avançaremos. Mas ainda falta dar passos mais ousados.
Sem dúvida, o cultivo de eucalipto para fins industriais é um diferencial do nosso Estado e precisa continuar crescendo, diante das oportunidades atuais e futuras. Observamos que um planejamento setorial é cada vez mais necessário para o desenvolvimento de políticas públicas de suporte, capazes de traçar cenários especializados para cada ramo de atividade e promover ações assertivas, concretas e ágeis, estimulando a economia verde. A agilidade, no entanto, esbarra em uma burocracia sem precedentes: o setor público ainda está distante do ritmo que o desenvolvimento exige, o que agrava a situação do desabastecimento.
Outro ponto que merece reflexão é a estrutura da cadeia de valor da agroindústria. Nota-se que ela ainda é, em grande parte, verticalizada, o que reduz a diversificação e a geração de valor para o ecossistema. Precisamos pensar em um sistema mais flexível, que envolva mais atores na construção desse ambiente. Esse movimento, entretanto, depende de políticas públicas e de um cenário de segurança jurídica para as empresas, algo ainda distante da realidade atual.
É recomendável incentivar cada vez mais a integração entre pequenos, médios e grandes produtores independentes, a exemplo dos programas de fomento florestal já adotados por diversas empresas, e também com indústrias da cadeia de suprimentos, pois trata-se de uma excelente fonte de integração e estímulo à atividade econômica.
O desabastecimento madeireiro é um problema complexo, mas também um catalisador de mudanças estruturais. Ele expõe vulnerabilidades, mas aponta para um caminho: o fortalecimento das florestas plantadas como eixo de uma economia florestal moderna, sustentável e inclusiva.
Da grande empresa ao pequeno consumidor, todos ganham quando o País investe em previsibilidade e sustentabilidade. A ameaça ou a realidade, em alguns setores, da escassez de madeira, se enfrentada com inteligência, pode se transformar em oportunidade de reposicionar o Brasil e principalmente o Estado de Minas Gerais como líder global em cadeias florestais sustentáveis, equilibrando os aspectos econômicos, sociais e ambientais.
Enfim, cultivar árvores como o eucalipto é uma atividade econômica que se posiciona na matriz SWOT como uma fortaleza. Precisamos ser cada vez mais competentes, utilizando nossas habilidades naturais de flexibilidade, criatividade e resiliência, para não permitir que esse negócio também seja visto como “ameaça”.
É necessário, de forma estratégica, comunicar ao mundo que temos um diferencial competitivo: produzir bioprodutos de florestas plantadas que participam de cadeias sustentáveis, como a do aço verde. Somos líderes mundiais nessa tecnologia e, olhando para o futuro, inevitavelmente cresceremos na matriz energética que promove a descarbonização, mas para isso precisamos investir cada vez mais em florestas plantadas.