O conceito de biorrefinaria foi inspirado nas refinarias de petróleo. Nessas unidades, busca-se extrair do óleo fóssil o maior número possível de frações e realizar processos químicos que maximizem a lucratividade da cadeia produtiva. Os principais produtos são os combustíveis, que têm baixo valor agregado, mas são produzidos em grande volume. Além deles, há diversos outros itens, como plásticos, resinas e compostos da química fina, com menor volume, porém maior valor agregado.
No caso da biorrefinaria, a lógica é semelhante, mas a matéria-prima provém de biomassas de origem animal, vegetal ou microbiológica. Além disso, espera-se que o processo utilize os princípios da química verde e da economia circular, evitando a geração de resíduos. Esse último conceito é conhecido como bioeconomia, embora novos conceitos, como economia verde, surjam constantemente, trazendo nuances e desafios adicionais rumo à sustentabilidade.
O setor florestal é uma cadeia econômica de grande relevância, tanto nacional quanto internacionalmente, e o conceito de biorrefinaria se aplica perfeitamente a ele. Um exemplo claro é a indústria de polpação de celulose, que, na forma atual, já pode ser considerada uma biorrefinaria incompleta. No entanto, o setor busca avançar e se consolidar como uma biorrefinaria completa e lucrativa.
Além dessa indústria, outros segmentos do agronegócio florestal também podem adotar esses conceitos, e diversas propostas vêm sendo desenvolvidas nesse sentido. Na indústria de polpação, considerando as principais espécies utilizadas — pinus e eucalipto —, o principal produto é a polpa de celulose, seguida pela lignina kraft. Esta última é uma importante fonte de energia, contribuindo tanto para o fornecimento de eletricidade quanto para o suprimento de energia térmica necessária ao próprio processo de polpação. Além disso, a produção de óleo de árvore, conhecido como tall oil, já é uma realidade em algumas indústrias que utilizam madeira de pinus.
Há poucos anos, congressos voltados para produtos derivados da lignina kraft profetizavam, de forma equivocada, que era possível fazer quase tudo com a lignina — exceto obter lucro. Essa realidade mudou significativamente. Hoje, já existem no Brasil resinas termofixas produzidas com essa macromolécula vegetal, substituindo total ou parcialmente o fenol de origem fóssil de maneira sustentável. Trata-se de um avanço alinhado aos princípios da química verde — e, muito provavelmente, um caminho sem volta.
No exterior, a lignina tem sido amplamente utilizada na fabricação de outra resina: a poliuretana rígida. Essa resina é empregada na produção de espumas usadas como isolantes térmicos em geladeiras e como material de embalagem para equipamentos. A lignina kraft pode ser utilizada em uma ampla variedade de produtos.
No entanto, a maioria das aplicações com viabilidade técnica e econômica ainda se encontra em fase piloto ou de bancada. Algumas dessas possibilidades já vêm sendo exploradas. Por exemplo, no agronegócio, a lignina pode ser usada como carreadora de fertilizantes ou biocidas, permitindo a liberação controlada ou lenta dessas substâncias.
Também é possível produzir nanoestruturas de lignina — como já fazem a Embrapa Florestas e diversas universidades — com aplicações que vão desde sensores de alto valor agregado até ativadores de plantas. Uma característica fascinante das nanopartículas de lignina é sua propriedade de luminescência quando expostas à luz ultravioleta. A cor dessa fotoluminescência varia conforme o tamanho das partículas.
Em relação aos sensores, estamos desenvolvendo uma plataforma sensora sustentável, biodegradável, descartável e de baixo custo. Trata-se de uma membrana flexível composta por nanocelulose, tanino e lignina. Em seguida, realiza-se uma escrita a laser com o desenho dos circuitos; quando a luz do laser incide sobre a lignina, ela se transforma em nanoestruturas de carbono com alta condutividade elétrica. Após a funcionalização da superfície, essa plataforma será capaz de detectar uma ampla variedade de substâncias — desde doenças, vírus e bactérias até poluentes emergentes, como glifosato, hormônios e resíduos de medicamentos.
Outro ativo relevante da indústria de polpação é a polpa de celulose. A maior parte da produção corresponde à celulose com cerca de 14% de hemicelulose. No entanto, também há a produção da chamada celulose solúvel, termo técnico para a celulose com teor de hemicelulose inferior a 4%.
A polpa de celulose convencional é utilizada na fabricação de papel e papelão de diversos tipos, produtos absorventes e também em setores como o químico, farmacêutico, alimentício e da construção civil. Já a celulose solúvel é empregada principalmente na indústria têxtil, na produção de fibras como viscose, modal, liocel e acetato. Além disso, é matéria-prima para uma ampla gama de derivados, como éteres e ésteres de celulose, celulose microcristalina, excipientes farmacêuticos, cosméticos, celofane, esponjas de celulose e aditivos alimentares, entre outros.
Os fios de celulose, comercialmente conhecidos como liocel, são obtidos pela dissolução da celulose solúvel em um solvente especial, sob condições controladas de temperatura. Em seguida, o material é fiado e passa por um processo de lavagem com água, que permite a recuperação e reutilização do solvente, caracterizando um processo circular e sem geração de resíduos. Esses fios são utilizados na produção de um tecido chamado tencel, já presente em lençóis e diversas peças de vestuário do nosso dia a dia.
Além disso, a madeira também pode ser aproveitada para a geração de energia. A forma mais comum e amplamente utilizada no mundo é a combustão direta. No entanto, existem alternativas mais sofisticadas, como a gaseificação, a pirólise rápida, a carbonização e a produção de bioetanol.
As chamadas nanoceluloses, outro produto derivado da polpa de celulose, ainda estão em fase piloto no Brasil, embora já sejam produzidas em escala comercial no exterior. Existem diferentes métodos de produção, sendo o mais utilizado — por ser mais econômico e sustentável — o das nanofibrilas de celulose (NFC), obtidas por meio da desfibrilação mecânica da celulose. Esse processo utiliza apenas água e celulose, sem necessidade de produtos químicos, e não gera resíduos.
Uma empresa brasileira, com investimentos no exterior, está desenvolvendo uma inovação tecnológica que permite a produção de fios à base de celulose a partir dessas nanofibrilas. Nesse caso, o processo dispensa o uso de solventes e também não gera resíduos. A empresa já investiu na construção de uma fábrica de nanocelulose no interior de São Paulo, com capacidade superior a 25 mil toneladas por ano.
A expectativa é que toda essa produção seja destinada à fabricação de fios, que futuramente serão transformados em tecidos. Os chamados óleos de árvores, obtidos durante o processo de polpação da madeira de pinus, também são muito interessantes, pois apresentam aplicações de alto valor em diversos setores industriais. Destacam-se as indústrias de tintas e revestimentos, adesivos e colas, lubrificantes industriais, sabões e detergentes, borracha, proteção de madeira, flotação de minérios, entre outras.
Esses óleos são ricos em fitoesteróis, produtos reconhecidos por seus benefícios à saúde, utilizados em formulações alimentícias e cosméticas. Além disso, podem ser aplicados no agronegócio como ativadores de plantas, promovendo o desenvolvimento vegetal, aumentando a absorção de nutrientes do solo e fortalecendo a resistência das plantas a secas, pragas e doenças.
Até o momento, abordamos apenas os principais componentes da madeira acessados por meio de processos industriais já disponíveis na indústria brasileira de polpação. No entanto, imagine as inúmeras outras possibilidades que podem surgir a partir de diferentes segmentos das indústrias de base florestal — como as fábricas de chapas reconstituídas de madeira, serrarias de diversos portes, a construção civil baseada em madeira, a produção de pellets para geração de energia, além de tecnologias como gaseificação, pirólise rápida, entre outras.
Dois exemplos finais ilustram ainda mais o potencial da biorrefinaria florestal. A casca de pinus, atualmente utilizada principalmente como combustível para geração de energia, pode ser aproveitada em uma biorrefinaria para a extração de tanino, lignina e polpa de celulose.
Já na indústria de extração de óleos essenciais das folhas de eucalipto, o único resíduo gerado é a água utilizada para arrastar os óleos por evaporação. Essa água, no entanto, contém diversos açúcares e compostos fenólicos que podem ser separados e transformados em produtos de alto valor agregado. Esse processo, desenvolvido pela Embrapa Florestas, foi reconhecido e premiado internacionalmente.
Portanto, a transição para uma economia circular lucrativa e sustentável pode ser viabilizada por meio dos conceitos de biorrefinaria, e o setor de base florestal tem potencial para ser pioneiro nesse movimento no Brasil.