Presidente da Voith Paper
Op-CP-08
Nas últimas décadas, o aumento da importância do hemisfério sul na produção de papel e celulose alterou drasticamente o cenário competitivo mundial do setor. Para podermos analisar o atual cenário mundial de produção de papel e celulose, faz-se necessário repensar e compreender as mudanças pelas quais o setor passou.
Desde o início da história da fabricação de papel, as grandes mudanças em seu processo de produção foram impulsionadas por pressões de consumo, ora suportadas pelo surgimento de inovações e novas tecnologias de produção, ora pela utilização de novas matérias-primas. No final do século XVIII, encontramos a revolucionária mudança no processo de fabricação de papel, concretizada pelo nascimento das máquinas de papel.
Nesse momento, a produção deixava de ser uma atividade artesanal, para se transformar em um processo industrial e contínuo de produção. Em meados do século XIX, já existiam especulações e estudos sobre a utilização das fibras de madeira, em substituição às fibras até então utilizadas como matéria-prima para a fabricação de papel, provenientes de farrapos de tecidos. A idéia mostrava-se promissora, mas inexistiam processos industriais que permitissem o desfibramento da madeira em larga escala, necessário para sua utilização comercial.
Nas últimas décadas desse século, nasceu a Voith e, com ela, o primeiro refinador/desfibrador contínuo para madeira. A utilização da nova matéria-prima permitiu que o mercado papeleiro ganhasse escala, crescesse e se consolidasse. Durante décadas, as fibras celulósicas provenientes das madeiras dos países do hemisfério norte reinaram absolutas. Eram longas, proporcionavam boa resistência e boa aparência ao papel.
A situação mudou com o início da II Guerra Mundial. Os fornecedores europeus, canadenses e americanos de fibras reduziram ou paralisaram suas produções. Os mercados consumidores, como a América Latina, ficaram desabastecidos. Apesar de já existirem produtores locais, a demanda era maior que a oferta. A pressão pela busca de soluções impulsionou alguns empreendedores a agir.
Surgiram os reflorestamentos e o investimento na cultura de novas espécies, como o eucalipto. Apesar da boa adaptação ao clima da América Latina e da alta produtividade alcançada, que pode chegar a 60 metros cúbicos por hectare por ano, contra apenas 7 metros cúbicos por hectare por ano das madeiras produzidas no hemisfério norte, a fibra curta dificultava sua utilização para a produção de vários tipos de papel, considerando as tecnologias de produção existentes naquela época.
De certa forma, isto fez com que o desenvolvimento da aceitação da utilização da fibra fosse lento. Após a Segunda Guerra, os produtores brasileiros passaram a utilizar a fibra em larga escala para produção, principalmente, de papel tissue e de escrever e imprimir. De fato, somente no final da década de 70, o mercado mundial começou a dar maior aceitação da fibra para a produção de papéis, começando pelos papéis tissue, em substituição dos papéis de fibras longas.
A fibra curta (Eucalipto) proporciona uma maciez incomparável, aliada ao fato da maioria das fábricas de papel tissue comprarem a fibra de qualquer maneira (dificilmente são plantas integradas), sua substituição foi mais fácil. Mas, sua utilização na fabricação de papéis gráficos e cartão demorou mais a se consolidar. A resistência à tração mais baixa, porém com qualidade superficial extraordinária, desenhava caminhos promissores para a difusão de sua utilização em outros mercados.
A Voith, presente no Brasil há mais de 40 anos, aliou-se aos esforços dos produtores locais, desenvolvendo e adaptando equipamentos e tecnologias, que permitiram a utilização destas fibras em máquinas de maior escala e produtividade. Os resultados foram bons, os papéis gráficos de fibra de eucalipto passaram a ser exportados e, tanto sua formação, quanto sua qualidade superficial, encantaram o mundo.
Fabricantes do mundo todo passaram a adicionar porcentagens significativas dessa fibra na composição de seus papéis gráficos e também na camada superficial de cartões, onde as condições de qualidade de impressão são imprescindíveis. Mudavam, assim, os padrões para qualidade de formação e de printabilidade dos papéis gráficos e cartões.
Lentamente, a fibra de eucalipto aumentava o nível de exigência dos consumidores finais. O consumo e a procura cresceram. O Brasil, por já contar com florestas prontas e clima favorável, e principalmente por ter desenvolvido as tecnologias e técnicos de alta qualidade, atraiu investimentos para novas fábricas de celulose de eucalipto, para atender à demanda mundial, dividida quase que igualmente entre papel tissue e papel gráfico e, em menor escala, para os cartões.
A Voith Paper esteve também presente neste processo, fornecendo máquinas e equipamentos de tecnologia atualizada, para permitir o aproveitamento de nosso potencial. Nas últimas décadas, fatores sociais, culturais e políticos alteraram novamente o cenário mundial. A estabilidade no consumo de papéis e a preocupação com o meio ambiente limitaram a quantidade de novas instalações para a produção de papel e incentivaram o fechamento de unidades produtoras de celulose na Europa.
No mercado da América do Norte, a baixa rentabilidade da produção de celulose e papel e do mercado financeiro, direcionado a segmentos de consumo, no qual o retorno do investimento é mais rápido, gerou uma falta de investimentos em setores de indústria de base, tais como aço, mineração, papel e celulose, etc.
Esta defasagem tecnológica e a competição com países de maior produtividade, como o Brasil, estagnou o mercado e provocou o fechamento de várias fábricas. Na China, o crescimento acelerado da economia acarretou o crescimento do consumo de papel. A Voith Paper tem fornecido e instalado grandes máquinas nesse mercado, mas a falta de matéria-prima é conhecida e inevitável.
Nesse cenário, era evidente que a importância dos fornecedores de celulose do hemisfério sul cresceria fortemente e isso não demorou a ocorrer. Países como o Brasil, Chile, África do Sul e, mais recentemente, o Uruguai, instalaram ou estão instalando as maiores plantas de celulose do mundo. Havia também a possibilidade de o país se tornar grande exportador de papel.
Vários estudos foram feitos para a instalação de novas máquinas, principalmente para a produção de papéis de escrever e imprimir no Brasil, voltadas para a exportação. Apesar da alta competitividade em custo e de pessoal das indústrias brasileiras de celulose e papel, e da tecnologia disponibilizada pelos fabricantes de máquinas e equipamentos, todos os estudos esbarraram no custo de logística para exportação de papel gráfico.
A desvantagem trazida pelo custo na logística mostrou-se brutal: toda a vantagem competitiva conquistada, com real esforço e investimento, na viabilização dos custos de nossa indústria de papel seria consumida pelos US$ 150 necessários para transportar 1 tonelada de papel gráfico brasileiro para a Europa. Apesar de todo seu potencial natural, é mais rentável ao Brasil exportar celulose, cujo custo de logística de transporte para uma tonelada, do Brasil para a Europa, é de US$ 50.
Ficamos quase 20 anos sem investir na instalação de novas máquinas para produzir papel no Brasil, pois os projetos, um a um, foram sendo engavetados. No último ano, ocorreu uma pequena mudança. Recentemente, nasceram novos projetos, em que a competitividade brasileira na matéria-prima fez-se presente, como é o caso do papel cartão, e outro para papéis de escrever e imprimir, para atender à demanda local na América do Sul.
Claramente, novas instalações para produção de papel terão maior viabilidade, principalmente, para atenderem ao mercado local, onde a desvantagem da logística passa a ser uma vantagem. O futuro do desenvolvimento e o fortalecimento das empresas produtoras de papel passarão pelo crescimento do mercado interno. Infelizmente, o Brasil, até o momento, não tem acompanhado o mercado mundial.