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Daniel Curtis Nepstad

Senior Scientist do Woods Hole Research Center

Op-CP-07

A mata ciliar e a ascendência socioambiental da agricultura brasileira

O Brasil vai se tornar, em alguns anos, a super potência da agricultura mundial, ultrapassando os EUA. Vários fatores estão levando a esta ascendência. Os EUA têm pouca terra disponível para a expansão da agricultura, enquanto o Brasil dispõe, ainda, por volta de um milhão de Km² potencial. Além disso, a nova força motriz da expansão agrícola, o biocombustível, está baseado em um sistema altamente produtivo e eficiente no Brasil - a produção de etanol, a partir da cana-de-açúcar, em comparação com o ineficiente sistema de produção de etanol, a partir do milho, nos EUA.   

Mas, esta superioridade é ameaçada pela falta de uma imagem socioambiental positiva do setor agrícola brasileiro no exterior, devido ao desmata-mento da Amazônia, pelo trabalho escravo e pela ilegalidade. A ironia desta imagem é que o Brasil tem a legislação ambiental mais ousada do mundo. O único outro país que tem uma lei que exige uma reserva legal de floresta em cada propriedade rural é o Paraguai.

A legislação trabalhista brasileira está entre as mais ambiciosas do mundo. E pouco se fala, entre os grandes compradores de milho, do “risco ambiental americano” - associado ao excesso de nitrogênio, aplicado nos plantios de milho, que está provocando a “morte” do Golfo do México, em volta do estuário deste rio. Bem como que os EUA têm seu próprio “trabalho escravo”, utilizando-se dos imigrantes ilegais, que assumem os empregos menos desejados do país, trabalhando sem carteira, e sem a proteção das leis trabalhistas.

A agricultura brasileira tem tudo para se posicionar como líder mundial no desempenho socioambiental. Uma peça importante desta ascendência é o cuidado das matas ciliares. As florestas, que acompanham as margens dos córregos, rios e lagos, cumprem funções importantes na manutenção da qualidade da água, protegendo os cursos d’água do sol, dos agroquímicos e do assoreamento. Estas matas são a base da cadeia trófica aquática, fornecendo folhas, frutos e flores, que alimentam os peixes e insetos da água.

As matas ciliares, normalmente, não concorrem pelo solo com a lavoura, porque ocupam as áreas mais baixas e úmidas, onde o preparo mecanizado do solo é mais complicado. Rebanhos bovinos ganham peso mais rápido, bebendo água limpa e fria de bebedouros artificiais, longe dos córregos e açudes. Mas, mesmo assim, o Brasil tem vastas extensões de matas ciliares degradadas ou derrubadas.

A recuperação das matas ciliares deve ser uma meta urgente para todos os agricultores e pecuaristas brasileiros. É dever de cada produtor rural minimizar o impacto ambiental negativo do seu sistema de produção. O custo da recuperação pode ser barato, principalmente se for utilizada a própria força da natureza. Os primeiros dois anos de pesquisa sobre a recuperação da mata ciliar na Fazenda Tanguro, do Grupo Maggi, em Querência, MT, trazem lições importantes. A primeira é a força da regeneração natural da mata ciliar.

Mais da metade das matas ciliares derrubadas no norte do Mato Grosso poderiam se recuperar sozinhas, através do brotamento de raízes remanescentes, pela dispersão de sementes defecadas pelos pássaros e morcegos e pelo crescimento de árvores jovens, já estabelecidas nas áreas degradadas. Estas áreas necessitam apenas de isolamento de veículos, máquinas, pisoteio animal e proteção contra o fogo, através de aceiros. Uma estrada de chão, ao longo do perímetro da mata ciliar - para córregos pequenos, tem que ter uma largura entre 30 e 50 metros da beira da água, serve tanto para isolar a mata em recuperação, quanto para proteger de fogo.

Em pastagens, o isolamento fica mais caro, necessitando de construção de cercas ao longo do perímetro e do fornecimento de bebedouros - pontos de acesso aos córregos e açudes, com areia ou cascalho no fundo da água, para reduzir a sedimentação ou bebedouros artificiais. Quando a área a ser recuperada é dominada por capins e com pouca evidência de brotos ou plantulas de árvores, o custo sobe, mas ainda pode ser barato.

Não é necessária a produção de mudas de árvores em viveiros, o que encarece muito a recuperação. No lugar das mudas, trazemos um pedaço da mata ciliar para a área degradada. Enchemos sacos com “folhiço” - as folhas, talos, e sementes raspado do chão da mata ciliar mais próxima, para espalhá-lo na área degradada. O capim é retirado do solo, com enxada, em manchas de plantio, e dois litros de folhiço são espalhados no lugar.

Acrescentamos sementes de árvores de rápido crescimento, como a lobeira (Solanum crinitum), e entre algumas semanas, as plantulas começam a aparecer. O perigo, nesta fase da recuperação, são as saúvas, que precisam ser combatidas com venenos naturais, como extrato de Neem. Até o final da estação, a maioria dos pontos de folhiço vão ter um grupo de mudas favorecidas no crescimento, pela retirada anterior do capim, no local do plantio.

O Grupo Maggi iniciou a recuperação de seis anos, em 2007, e pretende ampliar esta área no ano que vem. Mais de vinte fazendas de soja e pecuária, nesta região das cabeceiras do Rio Xingu, estão implementando a recuperação da mata ciliar voluntariamente, incentivado pelo “Cadastro de Compromisso Socioambiental”. As propriedades que entram neste cadastro assumem o compromisso de adotarem as boas práticas da produção agropecuária.

Este esforço dos produtores cadastrados traz benefícios, não só para a mata ciliar, mas para o produtor. Alguns já conseguiram linhas de crédito com mais facilidade, com o auxílio do plano de manejo da propriedade que eles têm, através do cadastro. A melhoria do desempenho socioambiental é bom para o Brasil, e a recuperação das matas ciliares deve se tornar uma campanha nacional. Um benefício gigante da ascendência socioambiental da agricultura brasileira pode ser a maior aceitação dos produtos agropecuários nos mercados internacionais.