Advogada da Teixeira Gomes & Viana Advogados Associados
Op-CP-24
Pretendo analisar, neste artigo, alguns aspectos da caracterização fundiária nas regiões consideradas como novas fronteiras florestais no Brasil, com destaque para as regiões Norte e Nordeste, de modo a propiciar ao empreendedor conhecimento sobre questões eminentemente peculiares e que, por essa razão, merecem ser observadas.
Os empreendimentos florestais caracterizam-se por possuir longos ciclos produtivos. Nesse sentido, é natural e necessário que o empreendedor tenha absoluta segurança sobre o terreno que abrigará o seu investimento; no presente caso, as propriedades rurais, quer seja sob o aspecto do próprio solo, as condições climáticas, as limitações de cunho ambiental e, em especial, a posse e titularidade dominial das respectivas glebas.
Com relação aos dois últimos aspectos citados, verificamos que a história traz infinitas citações relacionadas ao intenso conflito de “posses” nas regiões aludidas, fato esse que se perpetua até os dias de hoje. Não obstante, diligências jurídicas em tais localidades demonstram que, de igual importância, são as discussões concernentes à titularidade de domínio dos referidos imóveis.
Sobre o tema, vale lembrar em sucinta explicação, que o instituto da posse consiste na detenção justa ou injusta da propriedade, enquanto o instituto do “domínio” consiste no direito de usar, gozar e dispor da propriedade, sendo condição essencial para tanto a sua inscrição no registro imobiliário.
Com relação ao “domínio”, as pesquisas e análises efetuadas denotam a existência de muitas propriedades, cuja origem deriva do recente destacamento do patrimônio público ou está consubstanciada em títulos de domínio considerados precários. Assim, ainda com relação à origem do domínio, é muito comum observar, em tais regiões, situações da seguinte natureza:
1. expedição de Títulos de Domínio pelo estado em áreas de domínio da União Federal;
2. expedição de Títulos de Domínio sobre áreas tituladas anteriormente pelo mesmo ente federativo;
3. transmissão de áreas a terceiros, anteriormente ao cumprimento de cláusulas resolutivas constantes dos respectivos títulos;
4. arrecadações promovidas pelo estado ou mesmo pela União, de áreas, cuja posse mansa e pacífica, aliada ao exame acurado dos títulos de domínio, ainda que precários, redundaria na comprovação de existência de domínio anterior pelo particular, o que não autorizaria considerá-las áreas devolutas, sujeitas à arrecadação.
Nota-se, portanto, que, surpreendentemente, as questões relativas à posse e ao domínio, no campo fundiário, não se restringem apenas a discussões entre particulares, mas também a discussões entre particulares e entes públicos ou, ainda, dos próprios entes públicos entre si.
Acrescente-se a esse fato outro ponto que, a meu ver, merece ser abordado, porque é intrinsecamente ligado à questão dominial. Trata-se da atuação de alguns Cartórios de Registros de Imóveis, em flagrante descompasso com a legislação que os regula. Lembramos que os Cartórios de Registros de Imóveis são responsáveis pelo registro e transmissão das propriedades, cujos atos devem sempre representar a mais fidedigna realidade das propriedades e sua origem.
Ocorre que é muito frequente encontrar, em tais regiões do País, cartórios totalmente desprovidos de informações e documentos sobre a propriedade e sua cadeia dominial, causando grave prejuízo à análise jurídica da respectiva área. Além disso, há casos em que a transmissão da propriedade opera-se em total descumprimento a requisitos legais essenciais ao ato jurídico, ocasionando irregularidades sanáveis ou mesmo absolutamente insanáveis.
Não obstante, fato é que referidas propriedades podem encontrar-se em mãos de “terceiros” ou mesmo “quartos” adquirentes de boa-fé, que confiaram e se pautaram no retrato espelhado pela matrícula ou transcrição do imóvel, desprovido de qualquer denúncia de mácula ou impedimento à transmissão, mas que se veem obrigados a defender o seu domínio sobre tais imóveis, que, apesar de legitimamente adquiridos, podem padecer de vícios que não foram considerados pelo Cartório de Registro de Imóveis.
Pois bem, até esse ponto, citamos alguns entraves inerentes às propriedades sob o ponto de vista de sua origem e seu aspecto registrário, mas há outras questões que merecem e devem ser examinadas, a exemplo das reservas indígenas e quilombolas, muito comuns e frequentes nas regiões sob enfoque. Quanto à primeira, necessário se faz identificar a existência de áreas ocupadas e especialmente sua zona de amortecimento, analisando a possibilidade de convivência entre a atividade a ser explorada e esse segmento da sociedade.
Já com relação à segunda, a questão nos parece mais delicada, pois, embora existam comunidades já reconhecidas, e que podem ser identificadas em pesquisas realizadas perante os órgãos de controle, fato é que, a cada dia, novas comunidades podem pleitear tal condição, vindo a ser assim reconhecidas. Felizmente, esse verdadeiro quebra-cabeças fundiário aos poucos vai sendo revelado.
É o que se depreende da recente divulgação pelo governo federal do acervo fundiário em âmbito nacional, disponível há algumas semanas na página do Instituto Nacional de Reforma Agrária - INCRA, na internet. Sem sombra de dúvida, trata-se de um avanço magnífico, pois, a partir de então, esse veículo propiciará ao interessado uma visão macro da situação fundiária do País, que, anteriormente, podia ser identificada apenas em pesquisas pontuais, limitadas e extremamente burocráticas.
Ainda com relação a aspectos ligados ao avanço do conhecimento no campo fundiário, cumpre citar a certificação do georreferenciamento de áreas rurais, prevista pela Lei nº 10.267/2001, e que tem por objetivo propiciar a efetiva identificação das propriedades, seus exatos limites e seus proprietários.
A esse respeito, vale salientar que um país como o Brasil, cujas dimensões são continentais, necessita implementar, com urgência, políticas que otimizem a conclusão do processo de georreferenciamento, a uma, porque as transmissões dominiais passaram a ser condicionadas a tal procedimento, o que, obviamente, pode engessá-las; a duas, por ser de conhecimento geral que os órgãos certificadores não conseguem suprir a demanda de processos já existente.
Daí minha opinião de que somente os empreendedores, cujo objetivo não seja o da mera especulação imobiliária, terão disposição e espaço para enfrentar os desafios impostos pelas situações fundiária, imobiliária e registrária ora citadas, que, ao se entrelaçarem, ocasionam, muitas vezes, latente insegurança jurídica, insegurança essa que, ao menos por enquanto, só poderá ser mitigada mediante adoção de cautelas e pesquisas bastante rigorosas.
Entendo também que, mediante a soma de esforços governamentais e do empreendedor, formal e de boa-fé, poderão ser criadas condições para transposição dos gargalos existentes e daqueles que venham a surgir em decorrência do cenário em apreço e que merecerão ser solucionados sob a perspectiva do futuro, tendo como pano de fundo o crescimento sustentável da região, pautado na necessária segurança jurídica que demanda a questão fundiária no Brasil.