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Marcio Augusto Rabelo Nahuz

Pesquisador do Centro de Tecnologia de Recursos Florestais do IPT

Op-CP-09

A visão de um pesquisador

Setores organizados apresentam, na maioria dos casos, uma visão segmentada, centrada em suas necessidades estratégicas ou interesses específicos. Esta situação fica evidente na eventualidade de uma crise de escassez de matéria-prima industrial, resultando em uma séria competição entre distintos setores, pela mesma matéria-prima. Fortes indícios desta situação foram notados e repetidamente relatados em ocasião recente, no episódio conhecido como apagão florestal.

Na época, menos por escassez de matéria-prima e mais por ineficiência na alocação dos estoques aos competidores, um clima de déficit de madeira instalou-se. Especificamente, faltou madeira de pinus, de árvores de diferentes classes de diâmetro e idade, como matéria-prima na produção de madeira serrada e painéis reconstituídos, nas regiões sul e sudeste do Brasil.

Em contraposição, a propalada escassez de madeira, nem de perto, configurou-se no setor de celulose e papel, que usa, principalmente, o eucalipto. Do ponto de vista de um centro tecnológico, focado nas necessidades do setor industrial-florestal e, em especial, na madeira e produtos derivados, a visão do setor deve ser holística e não fragmentada.

Devem estar contempladas todas as cadeias produtivas que se abastecem no patrimônio florestal do país: madeira – roliça e serrada, painéis de madeira, papel e celulose, móveis, lenha e carvão vegetal, óleos essenciais e resinas; são cadeias produtivas, tanto dos setores mais organizados, quanto dos mais carentes de organização e planejamento.

Dessas cadeias produtivas, devem estar no foco dos centros de pesquisas, temas tão distintos como a matéria-prima e suas características, o processamento físico, químico e mecânico, os produtos e suas características e qualidade, desenvolvimento e inovação, entre outros. Da mesma forma, a atenção deve centrar também nos aspectos operacionais referentes à matéria-prima, como suprimento e constância, localização e acessibilidade, disponibilidade e sazonalidade, dimensionamento e qualidade, como também nos aspectos referentes aos processos desenvolvidos, produtos fabricados, sua comercialização, qualidade e desempenho.

A visão de longo prazo de um centro tecnológico, focada no setor florestal, é obrigatoriamente embasada no princípio da sustentabilidade. Lato sensu, a sustentabilidade é entendida como o uso racional dos recursos naturais, de maneira ambientalmente responsável, socialmente justa e economicamente viável, de forma que o atendimento às necessidades atuais da sociedade não comprometa a possibilidade de uso pelas futuras gerações.

Visando o uso e manejo da floresta nativa ou plantada, a sustentabilidade traduz-se na adoção de um regime de manejo florestal, que seja sustentável. Neste caso, isto é entendido como a implementação do processo de administração das terras florestais, obtendo-se o fluxo contínuo de produtos/serviços florestais desejados, sem redução de seus valores inerentes e da produtividade futura, e sem danos indesejáveis ao ambiente físico e social.

Embora muito tenha sido dito sobre a adequação e necessidade do manejo sustentável nas florestas de produção e serviços, pouco tem sido praticado, devido às dificuldades inerentes à sua implantação. No Brasil, o manejo tem sido aplicado, principalmente, nas florestas plantadas. Estas se concentram no setor de celulose e papel que, mais organizado e ciente da necessidade estratégica de garantir seu suprimento contínuo de matéria-prima, tem mantido planos setoriais de longo prazo, com adoção de programas de fomento florestal, calcados na associação entre empresas e proprietários rurais.

A estas condições, somam-se pressões geradas pela política energética nacional, induzindo à prospecção e aproveitamento de fontes alternativas de energia, com o objetivo de melhorar a matriz energética do setor. Buscando o uso racional dos recursos florestais disponíveis, combinados com a melhor remuneração, a alternativa mais racional e viável é a do uso múltiplo da floresta e da madeira.

O uso múltiplo do recurso cultivado visa ao melhor mix dos produtos florestais; no caso da madeira, por exemplo, significa extrair do mesmo povoa-mento e na mesma ocasião, uma produção otimizada, do ponto de vista técnico, econômico e ambiental. Significa destinar a porção da árvore de maior diâmetro e menor incidência de nós, à produção de lâminas desenroladas/faqueadas, ou à produção de madeira serrada de melhor qualidade, garantindo a melhor remuneração.

As toras superiores, de menor diâmetro, seriam destinadas à produção de fibras, na polpação para celulose (e papel) ou para a produção de painéis reconstituídos. As pontas e galhos, de menor diâmetro, não utilizáveis para a produção de celulose ou painéis, seriam destinados à geração de energia, como lenha ou carvão vegetal. Tal mescla de destinações da produção maximizaria o seu aproveitamento e otimizaria o rendimento.

No tocante às florestas nativas, as dificuldades de implementar o manejo florestal sustentável são amplas e variadas. Podem incluir a diversidade ecológica e as condições socioeconômicas, a sazonalidade das operações e os custos de implantação. Incertezas e disputas pela posse da terra e uso dos recursos florestais, escassez de recursos humanos e materiais, barreiras culturais na adoção de novas tecnologias, fragilidade das instituições e a baixa competitividade nas exportações, completam o quadro.

Isto pode sinalizar que o manejo de florestas nativas ainda não alcançou o patamar de atividade plenamente viável e atrativa. Assim, boa parte das condições terão que melhorar, antes que esta alternativa possa ser amplamente aceita e praticada. Potencialmente, um bom começo poderá ser dado com a aplicação da Lei de Gestão de Florestas Públicas, que permite a concessão florestal, em unidades de manejo. Essa modalidade de gestão permite que empresas explorem produtos e serviços florestais em áreas públicas, em troca de remuneração, porém observando critérios técnicos e ambientais.