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José Luiz da Silva Maia

Diretor da Morada Consultoria

Op-CP-46

A prevenção e combate a incêndios e as certificações florestais
O honroso convite para apresentar este artigo chegou-me quando eu retornava de uma reunião do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, na qual representantes de organizações governamentais, privadas e não governamentais participaram da oficina para elaboração do Plano de Ação Nacional (PAN) para a Conservação dos Canídeos Silvestres. 
 
A reunião foi em Atibaia/SP, na segunda semana de novembro de 2016, com pessoas de vários estados do Brasil. O convite para estar nesse grupo decorreu dos trabalhos que implementei em conservação e manejo de fauna silvestre em plantações florestais.

Nas discussões, observei que as certificações socioambientais das plantações florestais estão contribuindo para a conservação da biodiversidade e para a proteção de espécies ameaçadas, por um conjunto de aspectos, entre eles o da prevenção e do combate aos incêndios florestais. Essa situação de emergência, pelos riscos ao meio ambiente, às pessoas e ao patrimônio, recebe grande atenção das empresas certificadas e das certificadoras. 
 
Assim, os temas preservação, incêndios e certificações estavam vivos em minha mente, após mais um evento que reforçou a convicção sobre a importância das plantações florestais para o almejado desenvolvimento sustentável.
 
Os padrões de certificação socioambiental no agronegócio são vários, e é crescente o aumento do número de plantações e produtos certificados no mercado. Nessa matéria, o setor de plantações florestais encontra-se em estágio adiantado, se considerados os níveis de exigência dos padrões para a certificação, a amplitude das boas práticas nas operações e as áreas certificadas.

Segundo relatório de 2016 da Indústria Brasileira de Árvores – IBÁ, para 7,6 milhões de hectares  de plantações, existem 5,6 milhões de hectares de áreas de conservação na forma de APP – Áreas de Preservação Permanente, RL – Reserva Legal e outras áreas de conservação que excedem o que é requisitado pela Lei Florestal. 
 
Nessa extensão, 5,5 milhões de hectares dos plantios e 3,2 milhões de hectares de áreas de conservação estão certificados. As certificações das plantações florestais do Brasil atendem a padrões internacionais, podendo ser os do FSC  – Forest Stewardship Council, e/ou do PEFC – Programme for the Endorsement of Forest Certification Schemes, representado no País pelo Cerflor – Programa Nacional de Certificação Florestal. 
 
Além dessas certificações do manejo florestal, empresas florestais têm buscado a certificação pela norma ISO 14001, para o sistema de gestão ambiental, e pela OHSAS 18001:2007 (Occupational Health and Safety Assessment Series), para o sistema de gestão da Segurança e Saúde no Trabalho.
 
A certificação do bom manejo florestal, assim considerado quando economicamente viável, ambientalmente adequado e socialmente benéfico, não pode ocorrer sem que a organização demonstre, além de outros aspectos, manter um sistema de prevenção e de combate aos incêndios florestais, assegurando a proteção das pessoas, dos recursos naturais e da biodiversidade. 
 
Nas auditorias para certificação e manutenção da certificação, as organizações certificadoras devem avaliar criteriosamente, em campo, nos registros e documentos, o quanto a organização está zelando para prevenir, detectar, combater e avaliar as ocorrências de incêndios.
 
Visando à certificação, uma organização pode empenhar-se para dispor de áreas de conservação, atendendo, no mínimo, aos limites legais estabelecidos; realizar refinados levantamentos e monitoramentos de fauna, flora e água; identificar áreas de alto valor de conservação; adotar o cultivo mínimo para proteção do solo; usar os químicos atendendo a premissas técnicas e legais; ter os funcionários próprios e terceiros treinados e preparados para as operações de silvicultura e colheita; e realizar apurados levantamentos de partes interessadas. 
 
No entanto todas essas iniciativas, que demandam investimentos financeiros expressivos e grande engajamento dos recursos humanos, mesmo conjugadas com bons resultados econômicos, podem não ser suficientes para demonstrar aderência aos padrões e às normas da certificação. Sem eficiência na prevenção e no combate ao fogo, não se garantem a saúde e a vida das pessoas e a conservação ambiental, ficando comprometidos o retorno financeiro e a imagem do empreendimento.
 
Fragilidades de um sistema de gestão socioambiental podem revelar-se durante a auditoria do sistema de prevenção e combate aos incêndios florestais. Na gestão da organização, que inclui avaliações de aspectos e impactos ambientais e dos perigos e riscos para a saúde e segurança do trabalho, os incêndios florestais devem estar inseridos e ser tratados com propriedade e criticamente analisados, com o devido destaque para a grave situação de emergência que eles representam.

Nesse contexto, é preciso levar em consideração as consequências legais de eventual desastre em que o fogo venha a causar danos ao ambiente e às pessoas, pois, mesmo nas condições culposas, é prevista a responsabilização de profissionais e da pessoa jurídica.
 
A importância desses cuidados amplia-se pela urgência na adaptação do manejo das plantações às mudanças climáticas que já evidenciam ampliação dos períodos de seca e concentração do período de chuvas para as regiões do Brasil onde se concentram as plantações florestais.
 
Mudanças na paisagem não podem ser ignoradas. Se há poucas décadas, a fazenda florestal ficava “lá longe” da cidade, no presente, faz divisa com a zona urbana, rodovias de intenso movimento e – como cada vez mais comum - com hospitais, fábricas, depósitos, penitenciárias e hotéis afastados das cidades ou na zona rural. 
 
Assim, as plantações florestais, sujeitas a incêndios, passam a ser vizinhas de núcleos com elevada ocupação humana, o que amplia os riscos e as consequências de um desastre com o fogo. Para a certificação, é de muita importância a verificação dos relatórios de incêndios, incidentes de “quase incêndios” e simulados, o que possibilita identificar as ações da organização para aumentar a segurança dos brigadistas, corrigir e prevenir falhas na operação e/ou defeitos de equipamentos e veículos do combate ao fogo e as melhorias no engajamento da comunidade nos eventos.

Uma auditoria pode, por exemplo, identificar na lista de funcionários que atuaram no combate ao fogo alguns com falta de treinamento e reciclagens para essa atividade, ou que os riscos e providências correlatas dessa atividade do funcionário não constam do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PPRA, e do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PCMSO, podendo, disso, decorrerem problemas respiratórios, queimaduras, traumas e óbitos.

Em relação à conservação ambiental, relatórios de incêndios que se limitam a reportar danos às plantações, deixando de registrar – ou registrando com limitadas informações –  danos à flora e à fauna, denotam percepção equivocada da organização em relação aos seus compromissos com a proteção da biodiversidade e o atendimento da legislação ambiental. Para as empresas de base florestal, registrar, analisar e manter estatísticas de incêndios florestais transcende o escopo da certificação, é medida estratégica para demonstrar, objetivamente, responsabilidade com a imagem e a perenidade dos negócios.
 
Convergindo com o requerido na certificação socioambiental, em normas e padrões de diferentes sistemas, cabem considerações sobre o olhar das organizações para a inovação, a pesquisa e o desenvolvimento em prevenção e combate aos incêndios florestais. As iniciativas, nesse sentido, podem acontecer em cooperação com a academia e os órgãos de governo envolvidos com as questões dos incêndios florestais e rurais.

Além da atenção às consequências das mudanças climáticas, é urgente encontrar alternativas para a redução do número de funcionários disponíveis para o combate aos incêndios, devido à mecanização crescente das operações, que está associada ao desinteresse das pessoas pelo trabalho no campo.

As alternativas a serem investigadas abrangem: ampliar a eficiência de planos de auxílio mútuo; aperfeiçoar a comunicação para alcançar melhor engajamento da comunidade nas medidas de prevenção; disponibilizar equipamentos de proteção individual – EPIs, específicos para o combate do fogo na vegetação; ampliar a disponibilidade de veículos de combate mais ágeis e equipados com retardantes de fogo para material florestal; disponibilizar mais aeronaves para o monitoramento e o combate ao fogo; e desenvolver tecnologias de vigilância por sensoriamento remoto eficientes e de custo compatível.

Assim, fica evidente que a devida atenção à prevenção e ao combate aos incêndios florestais pode ser decisiva para que as organizações certificadoras recomendem ou mantenham a certificação do bom manejo florestal, especialmente dentro da visão de que a certificação não deveria ser um fim em si, mas o resultado de uma gestão implantada com autêntica responsabilidade socioambiental.