Dá gosto ver o quanto o setor florestal brasileiro avançou nas últimas décadas. E mais ainda observar como empresários, pesquisadores e profissionais do setor se movimentam diante dos desafios crescentes impostos pela economia, pelas mudanças climáticas e pela sociedade. Engenheiros, biotecnólogos, geneticistas, químicos e físicos se encontram unidos em prol de um desafio comum: transformar o setor florestal no grande protagonista da bioeconomia brasileira.
Por décadas, a equação que guiava o setor era relativamente simples: plantar, manejar, colher, processar. Porém, atualmente observa-se um direcionamento mais abrangente e moldado pela inserção de novas tecnologias, especialmente por causa de pressões econômicas, ambientais e sociais. Nesse contexto, tem-se como uma das premissas o fato de que produzir mais não significa apenas plantar melhor, mas repensar substancialmente o próprio conceito de produção florestal.
A produtividade florestal não pode mais ser regida simplesmente por metragem cúbica por hectare, mas também pela capacidade de gerar valor a partir das estruturas químicas naturalmente presentes nas árvores.
O Brasil é uma referência mundial em termos de produção florestal e, atualmente, apresenta um cenário de expansão significativa da sua base industrial florestal e madeireira, com foco principal em fábricas de celulose, painéis e bioenergia devido aos investimentos vultuosos a partir de novos projetos industriais de grande porte.
Conforme indicado pela Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ) no Relatório Anual 2024, o valor bruto da produção do setor de árvores cultivadas no Brasil atingiu R$ 202,6 bilhões no ano de 2023, representando 4,2% do PIB agropecuário e 4% do PIB da indústria de transformação.
Com base neste cenário de crescimento contínuo e positivo do ponto de vista de mercado, surge o questionamento de como garantir a qualidade e a demanda adequada de biomassa lignocelulósica sem ultrapassar os limites ambientais e sociais.
A melhor resposta para este cenário não se resume apenas a investimentos no campo para aprimoramento da produção florestal ou novas plantas industriais, mas sim em uma convergência entre ciência, tecnologia e inovação. Isto remete a inserção de conceitos mais avançados no setor florestal e madeireiro, os quais estão relacionados à biotecnologia, nanotecnologia e biorrefinaria.
Não devemos mais pensar que uma floresta se resume simplesmente a árvores robustas e grande volume de biomassa. Por trás desta escala macroscópica, existe um universo de possibilidades, isto é, a árvore e a madeira obtida através dela visualizada em escala nanométrica para o desenvolvimento de novos produtos. Ou, simplesmente, o mundo nano, onde a matéria-prima oriunda de uma árvore se torna o cenário perfeito para novas soluções de inovação com potencial de quebrar paradigmas no setor florestal e madeireiro, bem como em áreas correlatas.
A nanotecnologia aplicada à biomassa florestal não é mais uma promessa distante. Diante disso, vale ressaltar a celulose e a lignina, dois componentes macromoleculares da madeira e que hoje têm papel primordial em diversos setores, a citar o de polpa e papel.
Estes materiais não são mais vistos apenas como insumos para produção de papel ou geração de energia, tendo em vista que a aplicação dos conceitos de nanotecnologia nos permite vislumbrar a celulose e a lignina com papéis estratégicos em um mercado ávido pelo desenvolvimento de novos materiais, agregando alto valor econômico e impulsionando a bioeconomia brasileira e mundial. De fato, deve-se contextualizar a referência da nanotecnologia aplicada à biomassa florestal em conjunto, quando pertinente, aos conceitos de biorrefinaria florestal.
Para isto, considera-se uma lógica preponderante no setor: quanto maior a capacidade de extração de valor agregado da biomassa, menor será a pressão sobre plantios florestais e, da mesma forma, sobre os ecossistemas naturais. Diferentemente do que se observava em um passado recente, parte destas soluções não são mais promessas de laboratório, estando limitadas a artigos científicos e patentes de invenção sem aplicabilidade real.
Elas já estão sendo transferidas à sociedade, isto é, deixando as prateleiras dos centros de pesquisa com um grau de maturidade (TRL, Technology Readiness Level) minimamente adequado para escalonamento e inserção em unidades fabris. Esse avanço não ocorre por acaso. Ele é fruto de décadas de pesquisa em nanotecnologia, química verde e engenharia de materiais aplicadas à biomassa florestal. A adoção destas estratégias viabiliza uma nova configuração para a relação floresta, indústria e sociedade.
Nesse contexto, a celulose nanoestruturada, ou simplesmente nanocelulose, seja produzida por processos mecânicos, químicos ou enzimáticos, apresenta-se como um dos materiais mais promissores do século e já se insere no mercado como reforço para papéis, por exemplo.
Produzida majoritariamente a partir de fibras de celulose advindas das árvores de florestas plantadas, a nanocelulose é um material com alta resistência mecânica, inclusive superior ao aço, biocompatibilidade, biodegradabilidade, propriedades de barreira marcantes e elevada área superficial. Consequentemente, as suas aplicações extrapolam a indústria de base florestal, fazendo com que seja alvo para os desenvolvimentos de embalagens com propriedades de barreira aprimoradas, adesivos, tintas, cosméticos e dispositivos eletrônicos.
Já a lignina, macromolécula consideravelmente presente na estrutura das árvores, foi considerada por muito tempo um subproduto ou resíduo da indústria de celulose. Porém, da mesma maneira que se visualiza para a celulose, hoje a lignina é pautada como uma das protagonistas no desenvolvimento de novos materiais com base nos conceitos de nanotecnologia aplicada à biomassa florestal. Naturalmente, a lignina possui propriedades antioxidantes, antibacterianas, antitumorais e fotoprotetoras.
Isto a coloca como um excelente substituto para materiais sintéticos comumente aplicados em tintas, resinas, cosméticos, embalagens, fármacos, e até mesmo na produção de baterias e supercapacitores. Quando processada mecânica ou quimicamente para apresentar-se em escala nanométrica, também chamada de nanopartículas de lignina ou nanolignina, este material apresenta alta estabilidade coloidal, elevada área superficial, bem como as mesmas funcionalidades químicas destacadas anteriormente, porém com maior robustez. Isto é, o fato de estar em escala nanométrica, da mesma forma que ocorre para a celulose, faz com que a lignina se torne um dos biomateriais mais promissores da nova economia de base florestal.
Partindo deste princípio, vale ressaltar o papel primordial que as micro e nanopartículas de lignina têm desempenhado em aplicações como estabilizante de formulações e emulsões, carreamento de ativos devido à sua capacidade de encapsulamento e liberação controlada de substâncias químicas.
Além disso, a nanolignina tem-se mostrado ao mercado como uma plataforma a ser considerada no agronegócio em prol do desenvolvimento de fertilizantes inteligentes de liberação controlada defensivos naturais e bioestimulantes. Concomitantemente, destaca-se o potencial de inserção no setor de eletrônica, visto que micro e nanopartículas de lignina também têm sido estudadas como pilar de novas tecnologias com potencial de escalonamento em um contexto de alternativas de precursores para materiais carbonáceos em baterias, supercapacitores, eletrodos e filmes condutores.
Em suma, acredito que o setor florestal tem a opção de avançar definitivamente para um modelo produtivo integrado à inovação, conservação e geração de valor agregado, aliando-se aos potenciais da nanotecnologia aplicada à biomassa florestal; ou ficará refém de modelos ultrapassados, ambientalmente insustentáveis e economicamente frágeis. Não se deve limitar a plantar árvores, mas cultivar soluções para os desafios constantes que surgem mediante as demandas da sociedade. E, felizmente, isto tem acontecido naturalmente junto ao setor florestal brasileiro, ressaltando que o nosso país tem a oportunidade de ampliar o seu grau de referência para o mundo.
Imagem de micro e nanofibrilas de celulose:
